sexta-feira, 26 de agosto de 2011

BOTECOS LITERÁRIOS

A imagem é famosa: madrugada fria, o escritor boêmio, sentado em uma mesa de bar, com um cinzeiro repleto de pontas de cigarro apagadas e um acesso com a longa cinza em brasa prestes a cair. À sua frente, algumas garrafas de cerveja, alguns copinhos (vazios) de doses de cachaça e um bloquinho de anotações rabiscado com ideias para um novo romance. O ambiente esfumaçado lembra um fog londrino, mas a cena pode se passar em qualquer lugar do planeta.
Mesa de Bar. Obra de João Werner
O surgimento dos primeiros bares está diretamente associado ao surgimento dos restaurantes. De fato, os primeiros estabelecimentos que surgiram com a função de reunir pessoas para comer e beber em um mesmo ambiente têm mais semelhanças com o que hoje costumamos chamar de bar do que, propriamente, restaurantes. As antigas estalagens já faziam parte do cenário do Império Romano e até mesmo da China, na Antiguidade, e situavam-se, em sua maioria, na beira das estradas, funcionando assim como pontos de encontros onde os viajantes e cidadãos podiam beber à vontade, comer e, por vezes, pernoitar. Os bares, nos moldes que conhecemos hoje, surgiram de alterações sofridas pelos restaurantes. As bebidas, que no início serviam para acompanhar as refeições, ganharam prioridade em locais exclusivos ao seu consumo no século XIX, como os cafés parisienses (esplendidamente retratados por artistas como Vincent van Gogh e Pierre-August Renoir), os pubs londrinos e as cervejarias alemãs.
Terraço do Café à Noite, tela de Vincent van Gogh, de 1888
Acredita-se que a palavra Bar tenha sua origem na França. Dois amigos americanos da Califórnia, que estudavam em Paris em meados do século XVIII, eram freqüentadores de diversas tabernas locais. Algumas delas possuíam uma barra (bar, em inglês) estendida ao longo de todo o comprimento do balcão. Essa barra tinha por finalidade evitar que os clientes encostassem demasiadamente no balcão e servia também de apoio aos clientes que estivessem mais alcoolizados, aumentado assim a funcionalidade do local. Quando retornaram aos Estados Unidos, os estudantes californianos levaram consigo a novidade, instalando ali um novo estabelecimento ao qual deram o nome de “Bar”, e que logo se tornou muito popular. Surgia então o “American Bar”.
Foi em um bar – o Bar Veloso, freqüentado pela juventude bossa nova nos anos 50 e 60 no Rio de Janeiro que Tom Jobim e Vinícius de Morais, encantados com uma garota loira (Helô Pinheiro, então com 19 anos) que acabara de entrar no estabelecimento para comprar cigarros, tiveram a inspiração para compor uma das músicas mais famosas do Brasil, “Garota de Ipanema”. Atualmente, o nome do local, como não poderia deixar de ser, é “Garota de Ipanema”. Em Buenos Aires, Argentina, o Café Tortoni (que, apesar do nome, é um bar, aberto em 1858) recebeu grandes nomes da música e da arte em suas mesas, de Carlos Gardel a Jorge Luis Borges, e vangloria-se de ter servido o nada boêmio Albert Einstein. Histórias como essas servem para ilustrar a importância dos bares na vida cultural das cidades. E há bares que fazem a fama justamente pelos clientes que não serviu: o escritor norte-americano Ernest Hemingway foi um boêmio tão famoso por beber em bares do mundo inteiro que, em Madri, Espanha, o bar El Cuchi ostenta uma placa: “Hemingway nunca bebeu aqui”. Que se faça justiça ao vencedor do Prêmio Nobel de Literatura de 1954: outros bares, como o La Bodeguita del Medio e o Floridita, ambos em Havana, Cuba, são mundialmente famosos por terem servido em suas mesas o ilustre escritor.
Fachada do Bar Veloso, em foto de 1966
O Café Tortoni, em Buenos Aires, serviu até mesmo Albert Einstein!
Bares, pubs e cafeterias são, definitivamente, locais de trabalho de escritores (temporários e até mesmo permanentes). Por esta razão, o livro “Viagens Gastronômicas” da National Geographic, cita alguns do que chama de “botecos gastronômicos”, e que resolvi postar aqui no blog.
·         Rose Room, Hotel Algonquin, Nova York – o local é famoso por ter sido o ponto de encontro de intelectuais (conhecidos como os membros da Távola Redonda) que se reuniam diariamente entre 1919 e 1929 na hora do almoço. O comediante Harpo Marx, a poeta Dorothy Parker e o fundador da revista New Yorker, Harold Ross, estavam entre os mais assíduos.
Harpo Marx
·         White Horse Tavern, Nova York – em uma noite de 1953, o poeta Dylan Thomas tomou ali 18 doses de uísque, e veio a falecer no Hotel Chelsea nesta mesma noite (Nota do Blogueiro: investigações médicas concluíram que estas doses não foram a causa de sua morte). Este pub atrai personagens como Jack Kerouac, James Baldwin, Norman Mailer e Bob Dylan.
Dylan Thomas
·         Literaturnoe Kafe, São Petesburgo, Rússia – foi neste café que o poeta Puchkin fez sua derradeira refeição, em 1837, momentos antes de morrer em um duelo com o suposto amante de sua esposa. Dostoiévski também comparecia ao local regularmente. Ainda hoje, leituras de poemas mantém viva a tradição literária do local.
Dostoiévski
·         Cheshire Cheese, Londres, Inglaterra – Charles Dickens, Voltaire e Mark Twain, entre outros, estão entre os freqüentadores que deram fama ao local. O bar está localizado na Fleet Street, que durante muito tempo abrigou os principais jornais do país. Se você aparecer por lá, prove as cervejas ale Sam Smith e a comida tradicional do pub, como peixe com batatas fritas.
Mark Twain
·         Excursão por Pubs Literários, Edinburgh, Escócia – atores profissionais conduzem os participantes desta famosa (e educativa) excursão através da história da literatura escocesa, de R.L.Stevenson a J.K.Rowling. O circuito é percorrido a pé, dura 2 horas e começa às 19:30h. Quem foi, recomenda.

Botecos freqüentados por escritores e outros intelectuais são facilmente encontrados por todo o globo. Quem sabe esta não é a desculpa que você estava procurando para fazer uma peregrinação pelos bares mundo afora?!? Então, saúde, e lembre-se: beba com moderação! Porque ressaca também existe no mundo inteiro...
N.B. (Nota do Blogueiro): se você, por alguma razão, não conhece alguma das persnoalidades citadas neste texto, vá a uma biblioteca, pegue um livro desta personalidade, procure um bar, encha seu copo e...boa leitura!

domingo, 14 de agosto de 2011

HARMONIZAÇÃO ROCK'N ROLL

A harmonização está em alta quando o assunto é gastronomia. Bons sommeliers, conhecedores profundos de todas as nuances que envolvem um grande vinho, estão tão valorizados quanto os chefs de cozinha. Assim como bons sommeliers recomendam o vinho a ser servido com base no prato pedido, grandes chefs já elaboram cardápios sabendo qual vinho será servido, procurando uma perfeita integração de sabores e aromas entre o que será deglutido e o que será sorvido.
Quando falamos em harmonização, logo pensamos em vinho. Mas hoje já é possível encontrarmos profissionais que fazem interessantes harmonizações gastronômicas com sucos, cervejas, cafés e até mesmo com nossa brasileiríssima cachaça, entre outras bebidas. Confesso que, apesar de ser um apreciador do líquido, meu conhecimento sobre vinhos não vai muito além das aulas de enologia na faculdade e de alguns artigos em jornais e revistas. Por esta razão, resolvi elaborar uma lista de 10 harmonizações com alguma coisa que realmente conheço e aprecio: o bom e velho rock’n roll.
Música: Strawberry Fields Forever/ Artista: The Beatles/ Harmonização: Sopa de morangos. Para harmonizar com a audição desta música da fase mais psicodélica dos Beatles, nada melhor do que um prato inusitado: uma sopa de morangos, servida fria e que fará você se sentir flutuando em um campo de morangos. Para sempre. Psicodelia pouca é bobagem.
Música: Thick as a Brick/ Artista: Jethro Tull/ Harmonização: Pernil de javali assado ao molho de frutas vermelhas guarnecido com arroz branco e purê de damascos. Gravada em dezembro de 1971, a canção Thick as a Brick é a única do álbum homônimo. Com 44 minutos de duração, tem momentos líricos na flauta de Ian Anderson, e o clima remete à uma floresta celta, nos mágicos e tenebrosos tempos da pré-idade média. A duração da música permite uma refeição completa, então coma devagar e delicie-se com a inebriante canção.

O flautista e vocalista Ian Anderson em ação

Música: Brown Sugar/ Artista: The Rolling Stones/ Harmonização: Bolo de nozes com açúcar mascavo. Para quem gosta de doces, essa harmonização é de comer pulando e cantando “yeah...yeah....yeah....woooo!!!”. A canção de Mick Jagger e Keith Richards é de 1969 e é a primeira do lado A do disco Sticky Fingers, álbum de 1971 que também trouxe a linda “Wild Horses”. Se você não tem idéia do que seja “lado A”, coloque um pedaço de bolo entre os dentes e vá correndo perguntar aos seus pais.
Dá até prá ouvir: "Yeah, yeah, yeah...woooo!!!"
Música: Back in Black/ Artista: AC/DC/ Harmonização: Risoto de arroz negro com medalhões de filé mignon ao molho de gorgonzola. Angus e Malcolm Young compuseram esta canção em homenagem à própria banda, simbolizando uma volta por cima após a morte do vocalista Bon Scott e a chegada de Brian Johnson. A canção está no álbum homônimo, de 1980. Combina perfeitamente com um suculento filé mignon muito, mas muito mal passado, tingindo de vermelho o surpreendente risoto de arroz negro. O queijo gorgonzola realça a nobreza do filé e aparece como a rebeldia característica da maior banda australiana de rock de todos os tempos.

A banda australiana AC/DC com o aloprado guitarrista Angus Young*
                        *Atenção: o "aloprado" na legenda acima é, se é que pode ser,
                     no "bom sentido", e não naquele sentido nojento de certos políticos
                                 brasileiros que vergonhosamente nos representam

Música: My My Hey Hey/ Artista: Neil Young/ Harmonização: Salada de lagostim sauté com berinjelas cristalizadas. O canadense Neil Young sempre foi conhecido pelo estilo raivoso de tocar e de dirigir críticas aos mais variados políticos. Alternando entre o folk, o rock e até o country, as canções de Young são hinos de uma era. My My Hey Hey é uma delícia, ainda mais gostosa se apreciada em conjunto com uma saborosa salada de lagostins frescos e fritos, com folhas verdes e berinjela cristalizada.
O raivoso Neil Young
Música: Breaking All the Rules/ Artista: Peter Frampton/ Harmonização: qualquer prato “descontruído”. Outra moda em voga na gastronomia: a “descontrução” de pratos clássicos, preservando o sabor e inovando na maneira de apresentação. Já que trata-se de quebrar todas as regras, que tal um purê de caipirinha, ou um pastel de feijoada? Arrisque-se! Aposte alto! Assim como Peter Frampton apostou ao lançar Frampton Comes Alive, álbum de 1976 e que se tornou o álbum ao vivo de maior sucesso em todos os tempos.
Nunca ouviu? Não perca mais tempo...
Música: Hotel California/ Artista: Eagles/ Harmonização: Peito de frango recheado com presunto de Parma e nozes picadas ao molho agridoce de laranja. A letra da música é meio sombria, mas isso não impediu o enorme sucesso. Está no disco de mesmo nome, de 1977, e é sem dúvida o maior hit dos Eagles. Famoso pelas praias, por Los Angeles e pela produção de laranjas, o Estado da Califórnia (que teve Arnold Schwarzenegger como governador até o início de janeiro deste ano -2011) abriga milhares de hotéis, mas você não gostaria de se hospedar no hotal descrito na canção, pode acreditar.
O álbum Hotel California
Música: Smoke on the Water/ Artista: Deep Purple/ Harmonização: Pizza de lombo defumado com Catupiry®, assada em forno à lenha, bem próxima às chamas, para dar uma tostadinha nas bordas e dar uma cor incrível à redonda. Os famosos riffs de guitarra da canção, do álbum Machine Head, de 1972, são lição obrigatória para qualquer pretendente a guitarrista e o terror de todas as mães de pretendentes a guitarristas.
Música: Bohemian Rhapsody/ Artista: Queen/ Harmonização: Confit de atum ao molho de vinho tinto. E mais vinho tinto para acompanhar a refeição. Cozidos na gordura de pato ou de ganso, medalhões de atum fresco ficam deliciosos servidos com um molho de vinho tinto bem encorpado e saboroso. A receita é do chef britânico Gordon Ramsey, assim como também era britânico o genial Fred Mercury, vocalista e líder da banda Queen. Presente no álbum A Night at the Opera, de 1975, “Bohemian Rhapsody” é um dos maiores sucessos da carreira da banda inglesa.
Fred Mercury canta no Rock in Rio, em 1985. Inesquecível.
Música: Wish You Were Here/ Artista: Pink Floyd/ Harmonização: Barrinha de chocolate recheado com marzipan, da Coppenhagen. Quem nunca comeu, não deve passar mais um dia sem experimentar. Queria ter uma sempre à mão. Wish you were here. O marzipan, feito com amêndoas, casa perfeitamente com o delicioso chocolate da Coppenhagen. Casamento musical perfeito foi o de Rogers Waters e David Gilmour, integrantes do Pink Floyd, que renderam álbuns memoráveis. O casamento acabou, mas deixou marcas inesquecíveis e cada um segue tocando, literalmente, sua vida. “Wish You Were Here” é do álbum homônimo lançado em setembro de 1975, e com certeza é uma das músicas mais tocadas em violões ao redor de fogueiras espalhadas pelo globo.
São tantas as músicas e tantos os pratos, que preciso me conter. Se você não conhece algum dos artistas citados, procure conhecer. E tome coragem de preparar algum dos pratos que listei. A receita? Ora, faça a sua! Vá para a cozinha munido de bons utensílios, boa vontade e bastante informação sobre os produtos que você tem em mãos.
NOTA: Hoje é dia dos pais. Parabéns a todos, e especialmente ao meu, que tanto amo e tanto persigo alcançar em seus níveis de caráter, honestidade e sabedoria nos momentos difíceis. Te amo, paizão!
NOTA 2: Tudo bem, não sou chato: se você realmente quiser alguma receita dos pratos citados, entre em contato que terei enorme prazer de te ajudar em suas aventuras culinárias.
Abraço a todos!

terça-feira, 2 de agosto de 2011

ESTAVA BOM?

O sujeito levanta-se de sua mesa espremida entre outras tantas mesas da praça de alimentação do shopping center. Olha em nossa direção e caminha, segurando a bandeja com as mãos, trazendo de volta o prato vazio que até pouco tempo continha um belo prato de ravióli de mussarela de búfala ao molho bolonhesa, preparado como ele havia pedido: com cebola, alho, bacon, azeitonas pretas fatiadas, champignon, alcaparras e um toque de molho pesto. Por cima, claro, queijo parmesão ralado e uma simpática “chuva” de salsinha fresca bem picadinha.

Uma praça de alimentação, lotada. Difícil é conseguir um lugarzinho prá sentar...
Em sua caminhada em nossa direção, nenhuma expressão em seu rosto denunciava o apreço – ou desapreço – ao prato pelo sujeito. Me posiciono ao lado do fogão, bem próximo ao balcão. Estico os braços e estendo as mãos abertas para o homem com a bandeja. Dou uma rápida olhada no prato: a salsinha, usada para decorar as bordas, está lá, quase intacta. No interior, um pouco de molho, três minúsculos pedaços de azeitonas e um par de alcaparras. Os sinais eram promissores. Pego a bandeja de suas mãos e, confiante, pergunto:
_Gostou, senhor? Estava bom?
Essa é a hora. Você pode fazer pesquisas com os clientes por e-mail, pode deixar em seu estabelecimento a famosa “caixinha de sugestões e críticas”, pode esperar que aquele cliente que o chama à mesa o faça apenas para tecer elogios. Mas o melhor – e mais rápido – canal de comunicação entre você e seu cliente (ou convidado) pode estar nesta simples pergunta: “Estava bom?”. Pergunte e esteja preparado para uma resposta positiva – ou negativa. Algumas pessoas simplesmente não comentam se gostaram ou não gostaram de determinada comida. Com o “Estava bom?”, elas se sentem encorajadas para elogiar e, claro, criticar se necessário. E para quem, como eu, está do lado de dentro do balcão, esse retorno é fundamental.
Por melhor que seja o produto servido, por mais saboroso que esteja o molho, mesmo que a massa esteja cozida no ponto certo, há sempre a chance de alguém, simplesmente, não apreciar o que lhe foi servido. E, ao questionarmos as pessoas sobre o prato que acabou de comer, sempre há a possibilidade de ouvirmos o que não queremos. “Quem fala o que quer, ouve o que não quer!”, já dizia minha avó. É verdade. Mas o receio de ouvir críticas não nos deve impedir de termos um contato mais pessoal com nossos clientes e convidados. Mesmo porque, se você conhece bem seu produto, conhece todas as etapas pelas quais ele passou até ir parar no prato e na bandeja do cliente, então você terá argumentos para eventuais críticas. E o melhor, estará estabelecida uma relação de confiança entre sua empresa e seu cliente.
Tudo aconteçe em uma praça de alimentação. O pior da história: ela disse não! Juro!
Quando receber seus amigos em casa para um almoço de domingo, não deixe de perguntar:
_Estava bom?
E pode ficar se achando o melhor chef do mundo se a maioria realmente aprovar sua comida! Você merece! Aproveite o momento e comece a planejar o cardápio da próxima reunião com seus amigos. Ouse (com moderação)!
Cabe aqui um pedido de sinceras desculpas aos que acompanham este blog, pela freqüência menor de postagens por este que vos escreve. A desculpa é velha: “ estou sem tempo”, mas assumo o compromisso de escrever ao menos uma vez por semana, combinado?
Tá fazendo o quê aí parado? Levanta e vai preparar alguma coisa prá comer!! Abraço a todos!