A imagem é famosa: madrugada fria, o escritor boêmio, sentado em uma mesa de bar, com um cinzeiro repleto de pontas de cigarro apagadas e um acesso com a longa cinza em brasa prestes a cair. À sua frente, algumas garrafas de cerveja, alguns copinhos (vazios) de doses de cachaça e um bloquinho de anotações rabiscado com ideias para um novo romance. O ambiente esfumaçado lembra um fog londrino, mas a cena pode se passar em qualquer lugar do planeta.
Mesa de Bar. Obra de João Werner |
O surgimento dos primeiros bares está diretamente associado ao surgimento dos restaurantes. De fato, os primeiros estabelecimentos que surgiram com a função de reunir pessoas para comer e beber em um mesmo ambiente têm mais semelhanças com o que hoje costumamos chamar de bar do que, propriamente, restaurantes. As antigas estalagens já faziam parte do cenário do Império Romano e até mesmo da China, na Antiguidade, e situavam-se, em sua maioria, na beira das estradas, funcionando assim como pontos de encontros onde os viajantes e cidadãos podiam beber à vontade, comer e, por vezes, pernoitar. Os bares, nos moldes que conhecemos hoje, surgiram de alterações sofridas pelos restaurantes. As bebidas, que no início serviam para acompanhar as refeições, ganharam prioridade em locais exclusivos ao seu consumo no século XIX, como os cafés parisienses (esplendidamente retratados por artistas como Vincent van Gogh e Pierre-August Renoir), os pubs londrinos e as cervejarias alemãs.
Terraço do Café à Noite, tela de Vincent van Gogh, de 1888 |
Acredita-se que a palavra Bar tenha sua origem na França. Dois amigos americanos da Califórnia, que estudavam em Paris em meados do século XVIII, eram freqüentadores de diversas tabernas locais. Algumas delas possuíam uma barra (bar, em inglês) estendida ao longo de todo o comprimento do balcão. Essa barra tinha por finalidade evitar que os clientes encostassem demasiadamente no balcão e servia também de apoio aos clientes que estivessem mais alcoolizados, aumentado assim a funcionalidade do local. Quando retornaram aos Estados Unidos, os estudantes californianos levaram consigo a novidade, instalando ali um novo estabelecimento ao qual deram o nome de “Bar”, e que logo se tornou muito popular. Surgia então o “American Bar”.
Foi em um bar – o Bar Veloso, freqüentado pela juventude bossa nova nos anos 50 e 60 no Rio de Janeiro que Tom Jobim e Vinícius de Morais, encantados com uma garota loira (Helô Pinheiro, então com 19 anos) que acabara de entrar no estabelecimento para comprar cigarros, tiveram a inspiração para compor uma das músicas mais famosas do Brasil, “Garota de Ipanema”. Atualmente, o nome do local, como não poderia deixar de ser, é “Garota de Ipanema”. Em Buenos Aires, Argentina, o Café Tortoni (que, apesar do nome, é um bar, aberto em 1858) recebeu grandes nomes da música e da arte em suas mesas, de Carlos Gardel a Jorge Luis Borges, e vangloria-se de ter servido o nada boêmio Albert Einstein. Histórias como essas servem para ilustrar a importância dos bares na vida cultural das cidades. E há bares que fazem a fama justamente pelos clientes que não serviu: o escritor norte-americano Ernest Hemingway foi um boêmio tão famoso por beber em bares do mundo inteiro que, em Madri, Espanha, o bar El Cuchi ostenta uma placa: “Hemingway nunca bebeu aqui”. Que se faça justiça ao vencedor do Prêmio Nobel de Literatura de 1954: outros bares, como o La Bodeguita del Medio e o Floridita, ambos em Havana, Cuba, são mundialmente famosos por terem servido em suas mesas o ilustre escritor.
Fachada do Bar Veloso, em foto de 1966 |
O Café Tortoni, em Buenos Aires, serviu até mesmo Albert Einstein! |
Bares, pubs e cafeterias são, definitivamente, locais de trabalho de escritores (temporários e até mesmo permanentes). Por esta razão, o livro “Viagens Gastronômicas” da National Geographic, cita alguns do que chama de “botecos gastronômicos”, e que resolvi postar aqui no blog.
· Rose Room, Hotel Algonquin, Nova York – o local é famoso por ter sido o ponto de encontro de intelectuais (conhecidos como os membros da Távola Redonda) que se reuniam diariamente entre 1919 e 1929 na hora do almoço. O comediante Harpo Marx, a poeta Dorothy Parker e o fundador da revista New Yorker, Harold Ross, estavam entre os mais assíduos.
Harpo Marx |
· White Horse Tavern, Nova York – em uma noite de 1953, o poeta Dylan Thomas tomou ali 18 doses de uísque, e veio a falecer no Hotel Chelsea nesta mesma noite (Nota do Blogueiro: investigações médicas concluíram que estas doses não foram a causa de sua morte). Este pub atrai personagens como Jack Kerouac, James Baldwin, Norman Mailer e Bob Dylan.
Dylan Thomas |
· Literaturnoe Kafe, São Petesburgo, Rússia – foi neste café que o poeta Puchkin fez sua derradeira refeição, em 1837, momentos antes de morrer em um duelo com o suposto amante de sua esposa. Dostoiévski também comparecia ao local regularmente. Ainda hoje, leituras de poemas mantém viva a tradição literária do local.
Dostoiévski |
· Cheshire Cheese, Londres, Inglaterra – Charles Dickens, Voltaire e Mark Twain, entre outros, estão entre os freqüentadores que deram fama ao local. O bar está localizado na Fleet Street, que durante muito tempo abrigou os principais jornais do país. Se você aparecer por lá, prove as cervejas ale Sam Smith e a comida tradicional do pub, como peixe com batatas fritas.
Mark Twain |
· Excursão por Pubs Literários, Edinburgh, Escócia – atores profissionais conduzem os participantes desta famosa (e educativa) excursão através da história da literatura escocesa, de R.L.Stevenson a J.K.Rowling. O circuito é percorrido a pé, dura 2 horas e começa às 19:30h. Quem foi, recomenda.
Botecos freqüentados por escritores e outros intelectuais são facilmente encontrados por todo o globo. Quem sabe esta não é a desculpa que você estava procurando para fazer uma peregrinação pelos bares mundo afora?!? Então, saúde, e lembre-se: beba com moderação! Porque ressaca também existe no mundo inteiro...
N.B. (Nota do Blogueiro): se você, por alguma razão, não conhece alguma das persnoalidades citadas neste texto, vá a uma biblioteca, pegue um livro desta personalidade, procure um bar, encha seu copo e...boa leitura!