Outono em Campos do Jordão: imperdível! |
Durante o tempo em que fui proprietário de um café-lanchonete-bar na cidade de Campos do Jordão, o saudoso Trilili Café, me aperfeiçoei na função de atender - bem e com prazer - a todo tipo de público. Estudantes universitários, empresários, advogados, excursões de terceira idade, skatistas chapados, roqueiros, pagodeiros, menores de idade querendo mentir a idade para tentar um golinho só de cerveja (o que nunca conseguiram no Trilili, eu garanto), desocupados, travestis, prostitutas, turistas, gente da terra, gente fina e gente grossa. Eu já aprendera a gostar de atender as pessoas nos anos em que meu pai e eu possuíamos uma pastelaria na Rua Teodoro Sampaio, em Pinheiros, São Paulo. Mas, na pastelaria, o público era quase que totalmente formado por músicos que iam comprar instrumentos nas lojas da rua e músicos que trabalhavam vendendo instrumentos musicais para outros músicos.
O movimento no Trilili era eclético, mas organizado. Às segundas e terças-feiras nós recebíamos os cozinheiros e garçons dos hotéis e restaurantes da cidade. Quarta-feira era a noite dos empresários, donos de pousadas, proprietários de restaurantes tradicionais da cidade e comerciantes em geral. As noites de quinta eram animadas, com shows variados e público idem. Sextas e sábados, você deve imaginar, eram noites de baladas, e não raro eu ficava até quase seis horas da manhã trabalhando – e bebendo. Estudantes universitários e desocupados em geral compareciam todos os dias – e noites, claro. Domingo nos dávamos ao luxo de não abrir o Trilili Café, motivo de reclamações de muitos clientes que se diziam “órfãos dominicais”.
O Trilili Café, em Campos do Jordão...quem viveu, viu... |
Um dos grandes baratos em ter um negócio de balcão, como era o caso, é você poder despender um tempo de prosa com seus clientes e mergulhar em suas vidas que, com a ajuda generosa do álcool, passeiam voando rasante direto para o interior de seu ouvido. Histórias tristes, melancólicas, alegres, saudosistas, esperançosas, duvidosas, histórias alegres, escancaradamente mentirosas, surpreendentemente verdadeiras, interessantes, chatas. Mas, nas ocasiões em que eu e minha esposa éramos “descobertos” como cozinheiros, ela recém-saída do Grande Hotel Senac para abrirmos nosso negócio e eu cozinheiro recém-formado, as coversas se resumiam a uma só: gastronomia.
Muitas receitas foram trocadas nas mesas do Trilili Café. Outras foram formuladas, aperfeiçoadas ou simplesmente descartadas. Impressionante como algumas pessoas têm verdadeira paixão pela gastronomia, sempre querendo saber mais, as novidades, as receitas tradicionais, os pratos de determinado restaurante. Donos de churrascarias argentinas se encontravam com proprietários de restaurantes franceses, italianos, brasileiros. Um dos mais animados era o baixinho e roliço Dadão, que sempre que aparecia vinha acompanhado da sócia e de alguns dos empregados de seu estabelecimento, o Brigitte, um lindo e elegante restaurante instalado a caminho do Horto Florestal, em um local belíssimo. Ele adorava entrar em um restaurante italiano, por exemplo, e pedir um clássico francês, só prá ver a cara do garçom. Algo como ir numa pizzaria e pedir ao garçom Lagosta ao Termidor. Se o garçom se saísse bem nas explicações, tinha grande chance de ser incluído na folha de pagamento do divertido restaurateur.
Era noite de segunda quando Dadão adentra o Trilili com toda a sua trupe de cozinheiros e garçons e me diz sorridente e com ar desafiador:
_Edu, abre aí umas seis cervejas e manda uma dose da sua melhor cachaça. Uma dose, não. Traz logo a garrafa! Ah, e me traga dois polpetones recheados com queijo, por favor.
Polpetone recheado com queijo |
Eu não servia polpetones. Eu tinha salgados, porções, sanduíches, doces e todo o tipo de bebida. Polpetone, não. Dadão sabia que não tínhamos polpetones no cardápio, mas aquele pedido soou como um desafio ao recém-formado cozinheiro. Eu poderia simplesmente avisá-lo de que eu não fazia polpetones, mas não foi o que fiz. Afinal, fazer polpetones não é nada complicado. Grosso modo, são almôndegas grandes. Eu havia feito aproximadamente 50 hambúrgueres há poucos instantes, eles já estavam embrulhados no freezer mas ainda não estavam congelados completamente. Nosso hambúrguer era, modéstia à parte, uma delícia. Cem gramas de acém moídos por duas ou três vezes, muita salsinha e cebolinha bem picadas, sal e pimenta-do-reino moída na hora. Chefs e donos de restaurantes vinham ao Trilili para degustar lanches como o cheese Trilili burguer ou o cheese Trilili escarola com bacon.
Retirei quatro hambúrgueres do freezer e dei uma corrida à churrascaria Pequena Querência, que ficava ao lado do Trilili e era tocada pela família do Gaúcho, todos muito simpáticos conosco desde quando abrimos as portas. De vez em quando, de madrugada, o Gaúcho aparecia em meu bar com um pobre infeliz apanhado pela gola da camisa e me “devolvia” o cliente. Alguns clientes (geralmente estudantes) simplesmente não aguardavam na fila do banheiro e tinham a brilhante ideia de esvaziar suas bexigas na lateral da churrascaria, na calçada, bem ao lado de onde o Gaúcho, sua esposa e suas duas filhas dormiam. Alceu, o Gaúcho, claro, não gostava nada desta história. Mas mesmo assim ele e sua família eram muito amistosos conosco, e não houve problemas em me arrumar um pouquinho do molho de tomate que Maria, sua esposa, havia preparado para a janta daquela noite. Abusei da boa vontade deles e ainda pedi umas folhinhas de manjericão e um prato fundo.
Nosso molho de tomate... |
De volta ao Trilili Café, desembrulhei os quatro hambúrgueres já totalmente descongelados, misturei-os em uma tigela e fiz duas bolas de carne de tamanhos iguais. Abri cada bola com o rolo e coloquei queijo no centro de cada uma. Fui generoso com o queijo. Depois, foi só fechar as bolas de carne e voilá: dois lindos e enormes polpetones recheados com queijo que, depois de prontos, seriam servidos com o delicioso molho caseiro de Maria Gaúcha, requentado no microondas e servido no prato fundo momentos antes e decorado com folhas de manjericão. Tive que fazer na chapa mesmo, já que não possuíamos fogões no Trilili. Quando Dadão cortou seu primeiro polpetone, o queijo derreteu perfeita e lindamente, unindo-se ao molho e me fazendo lembrar de que deveria ter servido algumas fatias de pão junto. Mais uma rápida corrida ao restaurante vizinho e logo retorno com algumas torradinhas do couvert alheio. Perfeito. Quando você vê o proprietário de um restaurante que você admira comendo a sua comida e se deliciando, a sensação é boa demais!
O Restaurante Brigitte: assim como o Trilili, ficou na memória de quem conheceu |
Dadão me confessou depois que realmente não esperava que eu lhe servisse os polpetones, e ficou surpreso e agradecido pelo prato servido. A partir daquele dia, sempre que ia ao Trilili café, Dadão me ligava antes avisando que iria e eu lhe preparava e servia os polpetones. Fiz meu próprio molho de tomate caseiro e o congelei em porções individuais, cada porção suficiente para apenas um prato. As torradinhas de acompanhamento continuaram sendo retiradas do couvert do Gaúcho que, apesar da relutância em receber uns dois reais pelos pães, acabava sempre aceitando o dinheiro com sorriso amarelo.
_Vai lá, tchê, servir teu prato! – era o que ele dizia enquanto derramava um pouco do excelente azeite de oliva por sobre cada torradinha.
Foi lembrando destes fatos que resolvi postar aqui a receita – facílima – dos mini-polpetones recheados com molho pesto que fizemos aqui em casa outro dia (sei que vão me criticar por batizar o prato de mini-polpetone, afinal, a terminação “one” em italiano sugere um formato grande. É assim também com o conchiglione e o farfalone, por exemplo. Talvez fosse melhor batizar o prato de polpetine, mas tenho receio em derrapar no italiano, língua que desconheço quase que completamente...).
Então, vamos lá. Para preparar os mini-polpetones recheados com molho pesto para 5 pessoas você irá precisar de:
- 1 kg de carne moída
-150 ml de molho pesto (30g de nozes, ½ maço de manjericão, sal, azeite de oliva, alho)
-molho de tomate
-Farinha de rosca ou de pão de forma ralado
-1 ovo
-5 dentes de alho
- 2 cebolas
-salsinha/ cebolinha
-folhas de manjericão para decorar
-sal
-pimenta
Façamos primeiro o molho pesto: triture um pouco de nozes (ou pinholes, ou amêndoas, ou até mesmo castanha de caju), pique bem o manjericão e dois dentes de alho. Coloque tudo em uma tigela, acrescente um pouco de azeite e misture bem, adicionando sal aos poucos. O molho deve ter a consistência um pouco espessa, não muito rala. Prove o sabor, que não deve ficar muito salgado. Não coloquei as medidas aqui porque realmente vai depender do seu gosto. Em geral, para 150ml de azeite, use uma dúzia de nozes, meio maço de manjericão e dois dentes de alho. Sal, a gosto. Esse será nosso recheio. Reserve.
Vamos aos polpetones (veja as fotos no final do texto):
Em uma tigela, coloque a carne moída, o ovo, salsinha e cebolinha bem picadas, o alho também bem picado, sal e pimenta (foto 1). Misture tudo e adicione aos poucos a farinha de rosca ou o pão de forma ralado. Quando estiver bem consistente, faça pequenas bolas de carne. Abra cada bola na palma da mão, recheie com uma colher (café) de molho pesto e molde as bolas com o recheio dentro (foto 2). Frite os polpetones imersos em óleo bem quente. Assim que corarem, retire-os do óleo (foto 3). Em uma panela à parte, esquente o molho de tomate (melhor se for caseiro, sempre...). Coloque os polpetones no molho de tomate e deixe o molho engrossar um pouco, em fogo baixo. É isso, está pronto. Sirva em um prato fundo, com folhas de manjericão decorando e, se quiser dar um toque ainda mais especial, polvilhe um bom queijo parmesão ralado na hora e leve ao forno para gratinar. Aqui em casa, servimos com penne al dente (foto 4).
Fica aí a sugestão para você que, quando encontra aquela bandejinha de carne moída escondida no congelador, não consegue pensar em outra coisa que não seja um molho bolonhesa...E, lembre-se: o recheio dos polpetones pode ser feito com qualquer coisa que você goste! Ouse! Grande abraço a todos.
Os ingredientes |
foto 1 |
foto 2 |
foto 3 |
foto 4 |