A
humanidade vem experimentando sabores desconhecidos desde...Bem, desde que
somos humanidade. Primeiro, claro, por necessidade, pois era um instinto natural
e vital comer o que se apresentava à frente para colhermos, pescarmos ou caçarmos.
Assim fomos aprendendo quais alimentos podíamos comer tranquilos, quais nos deixavam
enjoados ou doentes e quais acabariam por ser a nossa última refeição. Depois
descobrimos os sabores que mais nos agradavam, e descobrimos que podíamos
prepará-los de maneiras distintas, transformá-los e deixá-los ainda mais
gostosos! Aprendemos que comer poderia ser, além de uma necessidade, um prazer
(ou deveria ser, sempre), e então nos lançamos aos mares na busca por sabores
inéditos, novas especiarias e novos ingredientes e assim novos mundos foram
descobertos. Se houvéssemos descoberto algum ingrediente excepcional na Lua, teríamos
hoje voos regulares até lá apenas para termos acesso ao sal lunar ou a salsinha
celeste, pode ter certeza (tudo bem, não precisa
ter certeza, mas a ideia é legal ou
não é?!?).
Enfim,
o que estou querendo dizer é que tudo, sem exceção, TUDO o que comemos hoje,
teve que ser provado pela primeira vez, algum dia, por alguém, em algum
momento, certo? Quem descobriu o frescor da hortelã ou o adocicado do abacate?
E quem foi o primeiro a arrancar uma mandioca do solo e prová-la? Escargots,
quem teve a coragem de comê-los primeiro? Trufas? Rãs? Pizza? Cérebro de
macaco? Rúcula, quem se ajoelhou na terra, colheu e provou pela primeira vez
seu gostinho amargo e delicioso? E o gênio que fritou a primeira batata, quem
foi?
Provar
uma comida nova, um sabor desconhecido, é algo extraordinário – apesar de nem
sempre agradável. Infelizmente não trago na memória a lembrança de cada primeira
vez que experimentei algum prato novo, mas me lembro, sim, de algumas dessas
vezes. Lembro-me da primeira vez que minha mãe serviu folhas de alcachofra
apenas com azeite, limão e sal. Estranhei, chiei, e, depois, adorei. A primeira
vez que comi banana amassada com aveia em flocos foi minha avó quem serviu, no
sítio em Sorocaba. Foi no sítio também que comi minha primeira manga no pé,
sentado no tronco da árvore. Strognoff foi amor à primeira bocada: “O que é
isso aqui, mãe?” “Champignon, meu filho, experimenta”. Enlouqueci, raspei o
prato e pedi mais. E com batata palha. Batata palha! Aquilo sim era uma
novidade boa demais! E o que dizer da primeira vez que provei aquelas barrinhas
de chocolate recheadas com marzipã, da Kopenhagen? Não fossem tão caras teriam
se tornado um vício.
Alguns
alimentos, entretanto, não foram assim tão arrebatadores em minhas primeiras
impressões. Abobrinha, que hoje eu adoro, definitivamente não fazia parte das
minhas comidas favoritas quando garoto. O mesmo vale para alho, brócolis e
coração de frango. Cebolas demoraram a aparecer no meu prato, já que eu sempre
pedia à minha mãe que preparasse “bife acebolado sem cebola”. Língua de boi eu
adorava, até um dia entrar na cozinha e vê-la ali, repousada em uma bacia,
inteira, como uma língua deve ser, e em pé, a seu lado, nossa sorridente
empregada Terezinha (queridíssima) empunhando uma enorme faca afiada. Cena de
filme de terror. Só então associei o nome à comida. Fiquei anos sem degustar
língua, que hoje em dia, quem diria, eu adoro novamente.
Geralmente
fica mais fácil de lembrarmos qual nossa sensação ao provar algo novo quando o
fato ocorreu em alguma viajem. Lembro-me perfeitamente de como gostei daquele
marreco em Brusque, Santa Catarina, quando viajei até Blumenau para a
Oktoberfest. Blumenau que foi, aliás, palco da minha primeira degustação de um
saboroso joelho de porco, perfeitamente preparado pelos alemães e alemãs
vestidos à caráter – e, acho, já meio bêbados. Leite condensado com Nescau foi
em Barra Bonita que provei pela vez. Foi ali também que pesquei, fritei e comi minha
primeira sardinha, no limpo Rio Tietê (bons tempos...)! Minha primeira fondue de queijo foi em
Curitiba, com meus pais e minha irmã, na segunda metade dos anos 80, e foi
paixão à primeira mergulhada de pão crocante no queijo derretido.
Alguns
restaurantes também são responsáveis por “primeiras vezes” inesquecíveis. Me lembro
da primeira vez que provei o famoso contra-filé do Sujinho, em São Paulo.
Fantástico. Do Mercado Municipal de São Paulo, impossível não recordar do
primeiro pastel de bacalhau e do primeiro lanche de mortadela. A primeira pizza
de mussarela no Michellucio, que já encerrou as atividades. O primeiro filé
mignon que comi no Rubayat, Deus do céu, o que era aquilo?!? Amém. A primeira
sopa de shimeji servida no pão italiano do saudoso Restaurante Champignon, em
Campos do Jordão, foi também marcante. E quem se lembra do seu primeiro hambúrguer
no McDonald’s? Eu me lembro, pois quando era garoto ainda não existiam McDonald’s
tupiniquins e, quando finalmente abriram as portas por aqui, devo ter comido
uns cinco ou seis hambúrgueres com picles (que, para mim, era outra deliciosa
novidade, além daquele queijo cremoso e o pão com gergelim) de uma vez. Hoje, passo
longe.
É
claro que você não precisa – e nem deve – sair por aí provando tudo à torto e à
direito. Eu tenho comigo uma regrinha simples, que garante, quase sempre, a minha integridade
estomacal, intestinal e/ou até psíquica: experimento de tudo, desde que eu veja
alguém comendo antes, para eu ver como se come e se realmente é comestível. Muitas
das coisas que eu provei eu provavelmente (notem o uso do “provavelmente”) nunca
mais comerei novamente. Sabe por quê? Porque eu não gostei. Sabe como eu sei?
Porque eu provei. Nada me deixa mais doido do que aquela história de “Não comi e
não gostei.”! Se você estiver em viagem, pode ser até falta de educação se recusar
a provar algum prato típico que para nós pode soar, digamos, exótico demais.
Encare o desafio e prove, quem sabe você gosta? Mas prove de mente aberta, sem
cara feia, sem preconceitos tampouco nojinhos infantis. Quem mandou você viajar para a Coreia do
Norte? Agora prove os cachorrinhos...
Brincadeiras
à parte, provar um novo alimento é, além de uma ótima chance de conhecer um
novo sabor, uma deliciosa oportunidade de conhecer mais sobre a cultura de um
povo, seus hábitos e costumes. O povo de uma região costuma ter orgulho de seus
pratos típicos, e prová-los in loco,
junto a este povo, é sempre uma experiência inesquecível. Pratos típicos
costumam levar, claro, ingredientes típicos, e carregam consigo não só o sabor descoberto
e aprimorado pelos antepassados de uma localidade, mas também suas histórias,
segredos e preferências gastronômicas.
Como
a grande maioria dos apaixonados pela gastronomia, eu assisto a mais programas
relacionados ao assunto do que provavelmente deveria. Em um desses programas
(Receitas de Viagens), a chef Bel Coelho preparou e provou ensopado de macaco
com os índios Ianomâmis. Segundo ela, estava gostoso. Muito educada a moça. Outro
prato provado foi carne de arara, depenada e preparada ali mesmo, o que para muitos
de nós pode parecer cruel, mas, ali na tribo, é uma questão de sobrevivência
mesmo. A interação da chef com a cultura
Ianomâmi foi total e, por isso, emocionante. Em seu programa de viagens “Lugar
(In)Comum” gravado na Tailândia, a apresentadora Didi Wagner não teve coragem
de provar nenhum dos petiscos servidos na barraquinha que vendia espetinhos de
escorpiões, gafanhotos e aranhas, entre outras delícias igualmente atraentes.
Mas ao menos ela pagou para alguns corajosos brasileiros que assistiam à
gravação e, no final, devo ser justo e dizer que ela provou, sim, uma perninha do
gafanhoto: “Humm, crocante!”. Pessoas que são chatas para comer ganharam até
seu programa próprio, o “Chato para Comer” – óbvio – apresentado pelo chef
francês mais brasileiro do país, Claude Troigros.
Faça
um favor a você mesmo. Da próxima vez que for a um restaurante ou fizer uma
viagem, prove algo novo. Dê uma chance a novos sabores, aprimore seu paladar. Se
ainda não te convenci de que provar algo novo é sempre a melhor pedida, agora
vou jogar sujo: pense no seu prato favorito. Picanha na brasa? Lasanha? Sorvete
de pistache? Já imaginou se você nunca tivesse provado essas maravilhas? Pois
no mundo existem bilhões de pessoas que nunca provaram o seu prato predileto,
seja ele qual for. E não estou aqui falando apenas de pobreza, mas de cultura
também. Pode ter certeza (e agora pode realmente
ter certeza) que algumas pessoas têm como pratos favoritos algo que nós nem
imaginamos que exista. Temos que aceitar o triste fato de que, mesmo que pudéssemos
provar algo novo a cada dia, sempre haverá algo que nunca teremos noção de como
é a sensação de prová-lo, sempre haverá sabores desconhecidos. Então, não perca
tempo, se joga no mercado a procurar algo novo para você provar e aproveite,
porque existe sempre um mundo novo a ser descoberto. E, se houver alguma dúvida no preparo, não se acanhe: Chame o Chef!