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São José dos Campos, SP: quase 800 mil habitantes |
São
José dos Campos, a cidade onde moro atualmente, é uma cidade estruturalmente média,
pequena se considerarmos que já morei em metrópoles como São Paulo e Curitiba,
mas enorme se compararmos com Campos do Jordão, Cunha ou São Thomé das Letras, cidadezinhas
onde também me fixei por, algumas mais outras menos, algum tempo. Cidades do interior ainda preservam
costumes antigos, como, por exemplo, desejar um sincero "bom-dia" (ou "boa-tarde", ou "boa-noite") ao cruzar alguém pela rua, mesmo que desconhecido. Outro velho costume do interior: a caderneta de fiados nos pequenos
comércios dos bairros. Quanto menor a cidade, maior costuma ser o valor da
palavra, vale a negociação boca-a-boca, sem maiores garantias a não ser a
própria palavra. Por isso, a palavra tem muito valor, e você não quer ganhar a
fama de ser um “sem-palavra”.
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Fiado: sem prestígio entre os comerciantes. |
Digo
isso porque há alguns meses um grande supermercado abriu suas pesadas portas de
alumínio em meu bairro, a apenas quatro quarteirões de distância da minha casa.
Instalado há anos a duas quadras da minha residência, o senhor Yoshida não quis
encarar a concorrência e vendeu sua pequena mercearia onde eu costumava comprar
os produtos do dia a dia, como leite, cebola, alho e pão. Um pouco mais
distante, a seis quarteirões daqui, o senhor João (que, assim como o senhor
Yoshida e a maioria dos outros proprietários de mercadinhos do bairro, têm
ascendência japonesa) ainda resiste, mesmo com preços um pouco mais altos do
que no novo supermercado. Existem ainda outros pequenos comércios pelas
redondezas, todos preocupados com a nova concorrência – e com razão.
Valorizar
os pequenos mercados de sua região não é apenas uma questão de ajudar os amigos
ou pessoas próximas a você. É uma questão de inteligência. No mercado do senhor
João, ele e sua sempre sorridente família já sabem os produtos que eu gosto e
Zezito, o amalucado açougueiro cearense, me chama pelo nome e me separa ótimos cortes de carne. Se
eu estou procurando algo que não tenha naquele momento, conseguem para mim em
"dois dias, no máximo!". Nunca precisei recorrer à caderneta de fiados, mas tenho
certeza de que não seria um problema. Esqueceu a carteira? “Sem problemas, paga
depois, né?!”. Tente fazer isso em algum Carrefour ou Pão de Açúcar da sua
cidade.
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Mercadinhos: simplicidade e simpatia em extinção |
Não
que os funcionários das grandes redes não sejam educados e solícitos, afinal
eles recebem (ou deveriam receber) treinamento para lidar com o público e precisam ser simpáticos – o que nem
sempre ocorre. Mas não é mesma coisa. Mais um exemplo: todo sábado, o senhor Olavo
e sua esforçada equipe estacionam o caminhão frigorífico em uma rua paralela à
minha (aliás, bem ao lado do novo mercado) e montam sua pequena venda de peixes
frescos e frutos do mar. Eles também já conhecem minhas preferências e sempre
têm algo novo no isopor que eu preciso
provar. Eu, claro, sempre provo. Nem sempre compro, mas isso não os impede de fazer questão
que eu sempre experimente. Às vezes, admito, compro mesmo sem muita vontade,
apenas para manter o bom relacionamento com o melhor fornecedor de peixe da
região.
É
claro que adoro a comodidade de ter um grande mercado a poucos passos de casa, mas
não deixei de “frequentar” os mercadinhos por perto, responsáveis (juntamente
com a feira-livre) por termos em casa sempre alfaces e tomates recém-chegados
da horta, frutas lindas e pedaços de carne cortados à nossa maneira. Eu os
chamo de “Heróis da Resistência”, bravos sobreviventes de uma época em que a
palavra era a maior fortuna de um homem. E a simpatia vinda deles não é fruto de treinamento, é educação mesmo.
E
foi graças a um destes heróis que, dia desses, preparei uma das bistecas de porco
mais saborosas que já provei, em minha modestíssima opinião. Zezito separou
para mim meia dúzia de bistecas suínas, cortadas com dois dedos de espessura
cada. Isso equivale à espessura de duas, três ou até quatro bistecas que
encontramos normalmente nos açougues. Fiz um corte na lateral de cada bisteca,
formando um “bolso”, tendo o osso como base. Temperei com sal, pimenta do reino
moída na hora, alecrim, tomilho, limão e azeite, e deixei-as marinando na
geladeira. Se você for preparar também, deixe a bisteca marinando na geladeira
por, no mínimo, duas horas. Se puder deixar de um dia para o outro, melhor.
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A bisteca alta: temperada e pronta para ir à geladeira |
Preparei
então o recheio: comecei colocando pedacinhos de bacon na frigideira (se o
bacon estiver gorduroso, não precisa colocar mais nenhuma gordura, nem óleo nem
azeite), cogumelos Paris, shitake, cenoura e cebola – tudo fatiado em tiras. O bom de
casa de cozinheiro é que sempre tem alguma coisa pela cozinha que podemos usar,
e resolvi incrementar o recheio com uvas-passas (hidratei-as em suco de
laranja) e nozes trituradas. Frutas secas costumam ficar ótimas com carne de
porco, então não tenha medo de se arriscar com tâmaras, damascos, etc. Procurei
por pimenta dedo-de-moça mas, na falta destas, a pouco ardida pimenta biquinho
foi a escolhida. Coloquei o recheio na bisteca e a fechei com palitos de dente,
cortando suas pontas – assim, na hora de “selar” a carne, você consegue
dourá-la perfeitamente de cada lado.
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Parte dos recheios: cogumelos Paris e Shitake, uvas-passa, cebola e mandioquinha para o purê |
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Pimenta biquinho: não arde |
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O recheio pronto |
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A bisteca recheada e fechada com palitos |
Dourei
os dois lados na frigideira bem quente. Isso feito, transferi a carne para uma
assadeira, acomodei pequenos pedaços de manteiga sobre ela e a cobri com papel
alumínio. Coloquei então a assadeira no forno pré-aquecido a 220ºC e a deixei ali por
quarenta minutos, tempo em que fui enlouquecendo pelo aroma que vinha da cozinha.
Smbrar de virar a bisteca na metade desse tempo, melhor, mas não é necessário. Como acompanhamento, fiz o básico: purê de batata-Baroa. Adoro. Com o saboroso líquido que ficou na assadeira, você ainda pode fazer um molho para sua bisteca! Basta colocá-lo na mesma frigideira onde você selou a carne e deixe reduzir um pouco. Pode agregar outros sabores, como mostarda, molho-inglês ou shoyu. Tente. Experimente.
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Sele a carne. Não lave a frigideira: separe-a para preparar o molho depois |
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Um pouco de manteiga sobre a carne, cubra com alumínio e coloque no forno |
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A bisteca pronta para ser devorada |
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Bom apetite! |
Espero que você tenha gostado desta receita e, melhor ainda, que a prepare e sirva um banquete aos seus amigos e entes queridos. E procure valorizar os produtores e comerciantes de sua região, procure conhecê-los, ouça suas histórias e compartilhe suas receitas com eles. Porque você pode ter certeza de que eles terão o maior o prazer em compartilhar com você as receitas de suas famílias. E, de quebra, você ainda pode conseguir acesso à tão desejada "caderneta de fiados". Bom apetite!