Para quem acompanha este blog, já sabe que o preconceito com a
carne de porco não é algo que me incomode, já que é pura bobagem. Muito pelo
contrário, a carne de porco é saudável e, se bem feita, fica muito macia e
saborosa. Ou você consegue ficar impassível ao sentir o inebriante cheiro do bacon
dançando na chapa escaldante do botequim? E ainda nem falamos da calabresa, do
toucinho crocante, das bistecas grelhadas, da costelinha ao molho barbecue, do pernil assado, do leitão à pururuca, da feijoada...quem
resiste a estas tentações, afinal?!? Recentemente, durante minhas férias, fui a
Campos do Jordão rever antigos lugares e velhos amigos naquela cidade onde
passei alguns dos melhores anos de minha vida, onde comecei a cozinhar de
verdade, onde conheci minha esposa e onde me casei. E foi nesta cidade onde eu
preparei meu primeiro prato, digamos, “gastronômico”. E a carne que preparei era
carne de porco. Vou contar como aconteceu e, ao final do texto, postarei uma
receita inspirada neste prato, ok?
Depois de passar seis meses aprendendo a cozinhar e cozinhando de
fato no Grande Hotel Senac de Campos do Jordão, período que durou o curso de
Cozinheiro Básico, nosso último dia de curso/cozinha nos reservava a melhor
parte (ao menos para mim, que aguardava este dia com ansiedade): a prova final.
Neste último dia, cada aluno recebia dois convidados para um almoço nas
dependências da instituição, em um almoço servido pelos formandos do curso de
garçom. Era um acontecimento, em um ambiente decorado, com cardápio na entrada,
garçons circulando pelo salão e recepcionista na porta. Éramos doze alunos, o
que significava que cada um de nós tinha que elaborar e preparar um prato em
quantidade suficiente para servir a todos os presentes: vinte e quatro
convidados, mais seis “jurados” que iriam dar a nossa nota final e mais nós
mesmos, os doze alunos. Quarenta e dois pratos para cada aluno, sendo que todos
os pratos poderiam ser servidos ao mesmo tempo, devendo sair da cozinha
impecavelmente iguais quanto ao sabor, apresentação e temperatura.
O Grande Hotel, em Campos do Jordão |
Cada pessoa presente ao almoço poderia pedir o prato que quisesse
aos garçons, mas é claro que os convidados (com algumas surpreendentes
exceções) pediram o prato de quem os convidara e, no final, cada aluno serviu em
média apenas de seis a oito pratos – cada jurado, é claro, pediu TODOS os
pratos do cardápio. Mas precisávamos estar todos preparados para servir as
quarenta e duas pessoas se por acaso isso acontecesse, e os chefs/professores
estavam todos de olhos atentos a qualquer deslize de seus alunos.
Os alunos eu (acima, à esq.), Marcelo (abaixo), um quarto traseiro de boi pendurado, Fábio e o cozinheiro/professor Zé Fernandes, em dia de curso no açougue do hotel. |
Éramos informados desta prova final já no primeiro dia de curso e teríamos
todo o período de duração das aulas para elaborarmos e aprimorarmos algum prato
de nossa escolha, sem restrições. Ao final das apresentações deste primeiro
dia, fui à biblioteca buscar inspiração – naquele tempo (o ano era 2001),
acredite, a internet ainda não era essa fonte impressionante, inesgotável e
nada confiável de pesquisas, esse assombro
de hoje em dia. Eu, aliás, ainda prefiro pesquisar em livros quando o assunto é
gastronomia. E foi em um livro da conceituada escola francesa de gastronomia “Le Cordon Bleu” (Le Cordon Bleu - Todas
as Técnicas Culinárias, de Jeni Wright e Eric Treuille, editora Marco Zero) que
me deparei com uma foto daquele que decidi que seria o meu prato na prova
final: um tenro lombo de porco recheado com damascos e folhas de sálvia.
O livro "Le Cordon Bleu - Todas as Técnicas Culinárias" |
Treinei o preparo do lombo por pelo menos quatro vezes no decorrer do curso, avaliando,
provando, escolhendo o melhor molho (teria molho?) e quais as guarnições que o
acompanhariam. Me decidi por servi-lo com arroz de ervas frescas e batatas duchèse. Um prato simples, mas confesso
que fiquei preocupado em servir carne de porco no dia do grande evento final. O lombo deveria estar no ponto exato, nem
muito assado para não ficar rijo, nem pouco assado, já que seria imperdoável –
e perigoso - servir carne de porco mal assada. Por “imperdoável” leia-se: “Você
conseguiu ser reprovado no curso depois de seis meses ralando em uma cozinha! E
que cozinheiro você pensa que é se serve aos seus convidados uma carne que pode
ser perigosa para a saúde deles?!? Você está louco?!? ”. Foi para evitar algum
discurso similar que eu pratiquei – bastante - naquela cozinha. Pratiquei até o
último dia de curso, esperando o momento mais aguardado pela maioria dos alunos
e candidatos a cozinheiros.
A cozinha poucas vezes esteve tão quente, agitada e insana como
naquele dia. Tínhamos, cada um dos alunos, uma “praça” à disposição: um fogão
de quatro bocas, um forno, uma grelha, panelas e utensílios à vontade. A tensão
dos alunos, alguns mais outros mais ainda, deixava o ar ainda mais nebuloso. A
fumaça que subia das grelhas e frigideiras e se misturava ao vapor úmido sobre
as panelas de pressão e panelões de caldo fervendo em dezenas de bocas de fogão
criava aquilo que eu chamo de “fog
gastronômico”. Uma névoa cheirosa e mágica. E tensa. Risadas altas, choros
contidos, suor, sangue (sempre acontece numa cozinha...), ansiedade, euforia, tristeza
por ser aquele o último dia juntos depois de seis meses, incertezas em relação
ao futuro...tudo isso junto na minha cabeça e eu ainda tinha que me concentrar
em servir o mais perfeito lombo de porco recheado que os convidados e jurados
jamais haviam provado até então.
Os pedidos começaram a chegar do salão. Muitos pedidos, muita
agitação, muito trabalho a fazer.
_Edu, pediram dois pratos de lombo recheado na mesa 3! – essa era a
mesa onde estavam minha mãe e minha irmã, minhas convidadas. Os primeiros
pedidos, claro, só poderiam ser delas. Cortei o lombo, arrumei dois pedaços em
cada prato, retirei as batatas no forno, enformei o arroz, despejei o molho de
damasco que acabei inventando em cima da hora e pedi ao garçom para levar os
dois primeiros pratos.
Assim que o garçom atravessou a porta com meus dois pratos na
bandeja, resolvi fazer algo básico: provar o lombo que havia servido. Ops. Sem
sal. Completamente sem sal. Nunca entendi o porquê, afinal deixei os lombos em
uma marinada por quase dois dias. Corri ao salão, tomando o cuidado para não
ser visto pelos chefs/professores, cheguei ao lado de minha mãe e comentei:
_Sem sal, né? – não era bem uma pergunta, apenas uma afirmação
aguardando confirmação.
_Um pouquinho, filho. – Minha irmã concordava com a cabeça. “Um
pouquinho”, vindo da boca de sua mãe e da cabeça concordante da sua irmã quer
dizer “MUITO sem sal”.
Corri de volta à cozinha, retirei do forno os outros dois lombos
que ainda estavam inteiros, salguei-os um pouquinho e temperei com
pimenta-do-reino moída diretamente sobre eles. Fatiei-os e corrigi novamente o
sal. Quando os pedidos dos jurados chegaram, o lombo estava perfeito! Ufa! O
serviço correu perfeitamente, os pratos saíram em poucos minutos, todos
elogiaram e rasparam seus pratos. Para um cozinheiro, não há melhor elogio do
que um prato vazio, raspado até a última migalha, até o último vestígio de
comida. Tudo perfeito, menos o fato que minha mãe e minha irmã comeram um lombo
insosso, quase sem sabor. Ficou a lição – lição que, aliás, era exaustivamente
repetida pelos cozinheiros do hotel durante o curso: SEMPRE prove o prato que
você vai servir. E, claro, faça isso ANTES de servir! Você NUNCA saberá ao
certo como está a comida se não PROVÁ-LA. Lição aprendida, bola prá frente.
Opa, calma lá...não foi isso que eu quis dizer com sempre provar a comida... |
Depois do sucesso daquele dia, refiz o lombo recheado por diversas
vezes, e resolvi postar aqui uma versão um pouco mais simples daquela servida no
almoço em Campos do Jordão. Digo mais simples apenas porque não será preciso
amarrar o lobo depois de recheado, já que não serão dois cortes horizontais nas
laterais da carne, e sim apenas furos por onde serão colocados s damascos. E
resolvi envolver o lombo com bacon, porque assim não tem como dar errado,
certo? Dito isso tudo, vamos à receita.
Para fazer o seu esplendoroso lombo de porco recheado com damascos e
envolto em bacon você irá precisar de:
·
1 lombo de porco de
aproximadamente 800g
·
10 a 15 damascos
·
300g de bacon em fatias
·
Vinho branco seco para a
marinada
·
2 cebolas e 1 cabeça de alho
·
Salsinha e cebolinha
·
Sal e pimenta-do-reino
Prepare a marinada onde o lombo deverá ficar até o dia seguinte,
dentro da geladeira: tempere o lombo com sal e pimenta-do-reino. Pique a
salsinha e a cebolinha e passe sobre o lombo. Faça furos por sobre a carne,
onde posteriormente serão colocados os damascos. Coloque-o em uma tigela com as
cebolas cortadas e os dentes de alho inteiros (amasse-os um pouco para liberar
o sabor) e adicione vinho branco seco até completar ao menos 2/3 da tigela. Cubra
com papel alumínio e leve à geladeira. Vire a carne de vez em quando. No dia
seguinte, retire o lombo da marinada e preencha os furos com os damascos.
Coloque as fatias de bacon ao redor e asse por cerca de uma hora e meia em
forno baixo. Se quiser dourar mais, aumente a temperatura do forno até que
doure. Para acompanhar, as opções são muitas: arroz branco, arroz à grega,
farofa, batatas assadas...é um excelente prato para o fim de ano, e, para
beber, também são diversas as opções, como um bom e encorpado vinho tinto, um
vinho branco doce ou um espumante bem gelado. Mãos à obra, treine, pratique e
bom apetite!
O lombo na marinada, o bacon em fatias e os damascos |
Envolva o lombo com bacon:
E assim ele vai ficar depois de assado:
Arrisque-se na cozinha!! Abraço a todos!!
Seu blog é maravilhoso,
ResponderExcluirmesmo! E eu nem gosto de cozinhar '-' hahaha
seu texto é claro, simples e divertido, você devia escrever um livro, tipo crônicas culinárias ou algo do tipo, eu compraria!
um abraço
Obrigado! Quem sabe um dia escreve mesmo um livro...é bom saber que já teria ao menos um leitor! Espero que continue acompanhando o blog!
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