No
distante povoado de Muribeca, encravado no município de
Jaboatão dos Guararapes, no belo Estado de Pernambuco, havia, há muitos e
muitos anos, um engenho de onde saíam, além dos produtos naturais de um
engenho, delícias caseiras – especialmente doces – que conquistariam todo o
Estado e fariam fama no resto do país. O coronel Agostinho Bezerra da Silva
Cavalcanti era o orgulhoso senhor do Engenho São Bartolomeu, mas a responsável
pelas delícias caseiras era sua esposa, Dona Rita de Cássia Souza Leão Bezerra
Cavalcanti. O bolo que levava o nome do engenho ( “Bolo São Bartolomeu”) ganhou
fama e até hoje é servido nas festividades pernambucanas.
A casa do Engenho São Bartolomeu, em foto recente |
Mas
o maior legado de Dona Rita de Cássia para a cultura pernambucana é, sem
dúvida, o “Bolo Souza Leão”, considerado o mais aristocrático bolo nordestino.
Corria o ano de 1859 quando, de passagem pelo Estado, foi servido a Dom Pedro
II e a sua esposa, D. Tereza Cristina, fatias do “Bolo Souza Leão”. Dom Pedro
II e toda sua comitiva ficaram maravilhados com a iguaria, e até hoje manda a
tradição que fatias desse bolo sejam servidas apenas em pratos de porcelana ou
cristal. Para se ter uma ideia da força desta tradição, no dia 22 de maio de
2008, foi sancionada pelo governador Eduardo Campos, a Lei nº 357/2007, que deu
ao “Bolo Souza Leão” o título de Patrimônio Cultural e Imaterial do Estado de
Pernambuco.
O Bolo Souza Leão |
Cozinheira
de mão cheia, Dona Rita de Cássia foi adaptando as receitas de sua cozinha
(naquela época, a quase totalidade das receitas em território nacional eram da
culinária portuguesa, utilizando ingredientes europeus) para os novos padrões
gastronômicos que surgiam naturalmente. Como no restante do país, a gastronomia
pernambucana é resultado da fantástica mistura das culturas europeia, africana
e indígena. Na cozinha do Engenho São Bartolomeu, o trigo foi substituído pela
massa de mandioca, a manteiga francesa “Le Pelletier” perdeu espaço para a
manteiga fabricada na própria cozinha, a aguardente portuguesa de uva foi
alegremente trocada pela cachaça produzida a partir do caldo da primeira
fervura da cana moída no próprio engenho. Há quem diga que o uso de produtos
genuinamente nacionais era um gesto de compromisso com a terra, mas
provavelmente foi apenas um natural processo de formação de nossa cultura.
O brasão usado por alguns ramos da família Souza Leão |
A
receita original do “Bolo Souza Leão” é reivindicada pelos diversos ramos da
família Souza Leão espalhados por Pernambuco - os descendentes da família Souza
Leão são provenientes de onze engenhos do Estado - e provavelmente nunca
teremos certeza de qual receita é realmente a original. Gilberto Freyre, em seu
livro “Açúcar”, escreve: “Consegui várias receitas desse manjar, mas todas se
contradizem, a ponto de me fazerem duvidar da existência de um bolo Sousa Leão
ortodoxo [verdadeiro]. Consegui-as quase como quem violasse segredos
maçônicos”. (Freyre, 1987, p. 77). Mas
isso não é motivo para você chorar, e sim para comemorar, afinal, existem
várias receitas do “Bolo Souza Leão” e todas elas são muito saborosas.
A primeira edição do livro de Gilberto Freyre, de 1939 |
Edição atualizada do livro de Freyre |
As
diversas receitas do Bolo Souza Leão têm proporções discrepantes na quantidade dos
ingredientes: algumas chegam a pedir um quilo de manteiga, em uma outra são
necessários 450 gramas; uma fala em 12 gemas, outras indicam 15 ou 18. Sem
falar na quantidade de açúcar e leite de coco. Há receitas com leite de sete
cocos, outras quatro ou dois. No final tem-se vários bolos, que têm em comum o
fato de assemelhar-se a um pudim e são muito saborosos. Vou colocar aqui apenas uma receita, mas você encontra muitas outras livros e internet afora. Escolha
a receita e mãos à obra!
RECEITA
Bolo Souza Leão
Ingredientes:
- 18 gemas;
- 6 xícaras de leite de coco puro;
- 1 kg de açúcar;
- 1 kg de massa de mandioca;
- 2 colheres de sopa de manteiga;
- Sal a gosto.
- 18 gemas;
- 6 xícaras de leite de coco puro;
- 1 kg de açúcar;
- 1 kg de massa de mandioca;
- 2 colheres de sopa de manteiga;
- Sal a gosto.
Preparo:
- Com açúcar, faça uma calda em ponto de fio;
- Junte a manteiga e depois as gemas;
- Acrescente a massa lavada, espremida e peneirada. E, por fim, leite de coco e sal a gosto;
- Passe toda a mistura em peneira muito fina, várias vezes;
- Coloque em fôrma untada com manteiga e forrada com papel impermeável, também untado. Asse em forno regular.
- Com açúcar, faça uma calda em ponto de fio;
- Junte a manteiga e depois as gemas;
- Acrescente a massa lavada, espremida e peneirada. E, por fim, leite de coco e sal a gosto;
- Passe toda a mistura em peneira muito fina, várias vezes;
- Coloque em fôrma untada com manteiga e forrada com papel impermeável, também untado. Asse em forno regular.
Sou pernambucano. Sempre que posso, estou numa cafeteria com uma fatia dessa manjar para acompanhar meu espresso. Gostei muito dessa matéria, em especial pela citação ao mestre de Apipucos.
ResponderExcluirUma fatia desse bolo com um cafezinho... meu deus!!!
ResponderExcluirObrigado, Kleiton. Você deve ter orgulho da sua terra, linda e de sabores fantásticos! e você tem razão, um cafezinho é a companhia ideal do Souza Leão.
ExcluirSou de Portugal, passei por aqui e fiquei curiosa não só pela iguaria mas também pelo brasão usado pelos Sousa Leão. Penso que seja o Brasão levada de Portugal pelos Sousa do Prado, uma familia senhorial, muito próxima da casal real e ao que tudo indica levou descendentes para o Brasil. Alguém sabe quais foram? Estou a fazer um trabalho sobre os Sousa do Prado em Portugal. A quem me puder dar pistas, deixo o meu e-mail: anacalheiros3@sapo.pt
ResponderExcluirObrigada