quarta-feira, 28 de outubro de 2015

PEDALADAS GASTRONÔMICAS

_Pedala, Robinho!
O termo acima ficou conhecido graças à uma incrível jogada de habilidade do jogador Robinho, então uma promessa do Santos Futebol Clube, quando, ao passar o pé por cima da bola, sem, contudo, tocá-la, confundia os adversários em sua rota certeira rumo ao gol. Era uma jogada mágica, plasticamente linda, desconcertante para seus marcadores. Na segunda partida da final do Campeonato Brasileiro de 2002, Robinho deu oito (oito!) pedaladas diante do zagueiro corintiano Rogério antes de sofrer o pênalti que ele mesmo converteria em gol, abrindo o placar (3x2) que daria o título de Campeão Brasileiro daquele ano ao Santos.
Infelizmente o termo pedalada hoje ganhou um sentido pejorativo, algo feito para enganar, falsificar, iludir, ludibriar, graças às manobras fiscais praticadas pelo nosso deszeloso (não adianta, corretor do Word, eu não vou corrigir “deszeloso”) governo para camuflar o real estado – ridículo, pífio, deplorável e temeroso – de nossa economia.
 Na gastronomia também precisamos estar sempre atentos às pedaladas praticadas para tentar driblar nossos direitos, vide a antiquíssima expressão “comprar gato por lebre”, o que, lamentavelmente, não é tão incomum. Afinal, quantos de nós saberiam diferenciar uma carne limpa, cortada e embalada para consumo? Vou citar aqui algumas das mais comuns pedaladas gastronômicas usadas para tentar nos enganar.

PICANHA x COXÃO DURO

Prática muito comum em nossos mercados e frigoríficos, um bom pedaço da picanha para o churrasco que você compra tem grandes chances de ser, na verdade, coxão duro. O problema é que não podemos definir o peso exato de uma picanha, apesar de muitos afirmarem que acima de 900g já não é mais o corte desejado. Outros juram que a picanha pode pesar de 1.200g até 1.600g. Bom, sinceramente, isso depende do tamanho do boi, mais especificamente do tamanho do traseiro do boi. Então me mostrem uma foto do boi vivo, antes do abate, ou então continuaremos reféns da boa vontade e da boa índole de nossos açougueiros e comerciantes.
Até mesmo em churrascarias rodízio a prática é comum: não é raro pedaços de coxão duro serem colocados no espeto e fatiados como suculentas picanhas diante de comensais babando de desejo por aqueles pedaços irresistíveis de carne. O sabor pode até ser bom (bem preparado, qualquer pedaço de carne fica ótimo!), mas você está pagando por algo que não está sendo servido. Na dúvida, na hora de comprar, evite os pedaços com mais de 1,3kg, desencane e seja feliz no seu churrasco.

RESTAURANTE POR QUILO

Fala sério: você confia naquelas plaquinhas que indicam qual o peso do prato que será descontado do peso do seu prato cheio de comida? O correto seria pesarmos o prato vazio e depois o mesmo prato cheio. E o que dizer daquele dedinho malvado, fazendo pesar um pouquinho mais a balança? Ou, quem sabe, um barbantinho estratégico onde uma leve puxadinha para baixo no momento exato aumenta os lucros do restaurante...Acha que isso não acontece? Fique esperto!

CONTA NO RESTAURANTE/BAR
Você vai ao restaurante, pede um couvert, duas entradas, dois pratos principais e duas sobremesas. E bebe dois sucos, uma água sem gás e dois cafezinhos. Ou quinze cervejas. Pois saiba que a quantidade de cervejas ou de chopes consumidos está direta e proporcionalmente ligada ao risco do valor da sua conta estar com um “lamentável erro”. Para mais, sempre. E que só será um “lamentável erro” se você perceber e reclamar, caso contrário passará batido.
O número de comensais à mesa também é componente perigoso para o aparecimento de itens mágicos na conta:
_Milk Shake? Mas eu não pedi Milk Shake!
_O senhor tem certeza de que nenhum dos outros trezentos e oitenta convidados pediu?
_E isso aqui? Isso aqui é a conta do açougue!
_Tem razão, senhor, vou mandar descontar do valor. Foi um lamentável erro. Cafezinho?
Falando nisso: certifique-se de que, ao retirar qualquer valor indevido da conta, o valor dos 10% referentes ao serviço não prestado seja também recalculado. O que nos leva à próxima Pedalada Gastronômica:

 10% DE SERVIÇO
Acredite: ainda existem patrões inescrupulosos e sem caráter que não repassam os 10% cobrados no valor final da conta destinados aos garçons. À propósito, acredite também: sabe aquele dinheiro que você dá ao garçom e pede para entregar ao chef pela excelente refeição servida? Nunca (deixe-me ser mais claro: NUNCA!) chega em nossas mãos, desculpe. Garçons também podem ser inescrupulosos e sem caráter.

COMIDA CONGELADA x COMIDA FRESCA x COMIDA ORGÂNICA

Está lá no cardápio: “Todos os nossos produtos são frescos”. Daí você chama o gerente e, em um rápido bate-papo, descobre que os peixes e frutos do mar são entregues uma vez por semana. Quer dizer que o peixe entregue na quinta-feira cedo será servido até o jantar da próxima quarta-feira, isso se for vendido e não ficar algum tempo congelando no freezer. Frescos?!? Sério?!? E cabe aqui uma referência a uma nova modalidade de Pedalada Gastronômica, a dos produtos orgânicos. Neste caso, a pedalada é dupla: o produtor rural garante ao comerciante que o produto dele é orgânico e o comerciante jura ao cliente que seu preço é mais alto pelo fato do alimento ser livre de agrotóxicos ou de qualquer outro veneno. Jura?!? É claro que existem meios de se certificar a procedência dos produtos, por isso fique de olho nos selos de qualidade, compre de marcas em que você conhece e confia (não acredite apenas nos comerciais de televisão...) e, sempre que possível, conheça seus fornecedores.

ADULTERAÇÃO DE DATAS DE VALIDADE

Apesar de perigosa e criminosa, a prática é comum. Os mercados exibem em suas estantes pedaços cortados de frios, de carnes vermelhas, de frango, de porco. E colocam a data de validade na embalagem, em etiquetas próprias. Nada mais fácil de ser adulterado, certo? Dois dias depois, basta colocar outra etiqueta. Trata-se de crime contra as relações de consumo. O crime é inafiançável e a pena vai de 2 a 5 anos de prisão.

Em qualquer um dos casos citados, denuncie. Denuncie na polícia, no Procon, nas redes sociais, nos sites de avaliação de estabelecimentos. Espalhe para os seus amigos. Não deixe barato e não tenha medo de ser considerado “chato”. Chato é ser enganado.
Nostálgico dos tempos em que pedaladas ainda significavam algo feito com simplicidade, desenvoltura e rapidez para solucionar uma situação, conto aqui uma genuína pedalada gastronômica protagonizada por mim em um hotel de Campos do Jordão, São Paulo.
Fui contratado pelo dono do hotel para servir um almoço para dez pessoas, aproximadamente. Até aí, sem problemas. “Pode usar os produtos que temos na câmara fria”, ele disse. Perfeito! Eu já havia trabalhado na cozinha de um outro hotel do mesmo proprietário na mesma cidade, então sabia o que deveria encontrar. O almoço seria servido às duas horas da tarde, então ele me pediu que chegasse às nove. Ou às dez.
Cheguei um pouco antes, por volta das sete horas. Na cozinha do hotel, apenas eu e uma senhora que lavava os pratos e, aparentemente, limpava sozinha todo o salão do restaurante do hotel. Um garçom chegaria minutos antes do almoço para servir os convidados.
_Não tem outro funcionário por aqui? Cozinheiros, ajudantes?– perguntei.
_Hoje não, estão todos de folga. O hotel está vazio. – ela disse, exibindo alegremente os dentes que ainda balançavam em sua boca.
Todos de folga. Todos. Foi neste momento que o dono do hotel entrou na cozinha, bocejando e logo tomando um gole do café que Dona Cirina, a amável e desdentada senhora, havia preparado minutos antes para nós.
_Edu! Chegou cedo! Que bom, porque preciso te dizer algumas coisas. Nossos convidados hoje são o prefeito e a primeira-dama, o vice-prefeito e a esposa e mais alguns secretários da cidade – e mais uma dúzia de puxa-sacos -, e eu espero realmente poder impressioná-los. Ah, e não serão dez pessoas, serão umas vinte, acho. Melhor cozinhar para trinta. Ah, a entrada, o almoço e os acompanhamentos podem ser servidos no buffet, mas preciso que você faça sobremesas individuais, tudo bem? Só mais uma coisa: não temos muita coisa na câmara fria, você precisa ir ao mercado e comprar tudo. Pode ir com carro do hotel, mas não podemos gastar muito, certo?
Certo. Entrada, almoço e acompanhamentos para trinta pessoas, entre elas o prefeito, o vice, os secretários e os respectivos puxa-sacos, trinta sobremesas individuais, sem nenhum ajudante, sem produtos na cozinha e sem muito dinheiro para gastar. O que poderia dar errado?
Eu precisava de alguma ideia, e rápido. Naquele tempo ainda não havia internet ou, se havia, ainda não era tão fácil acessá-la. Era necessário um computador e, naquela cozinha, eu não tinha um computador. Mas eu tinha alguns livros que eu sempre levava para trabalhos do tipo. E foi ali, num daqueles livros, que vi a chance de me tornar Robinho por um dia, dar uma pedalada genial e marcar um golaço: Boeuf Bourguignon!
Um clássico francês, relativamente fácil de fazer, com nome pomposo – bem ao gosto de nossos políticos – e que pode ser feito com um dos cortes de carne bovina mais baratos do mercado: o músculo! Apesar do nome francês de difícil pronúncia, o Boeuf Bourguignon nada mais é do que um ensopado onde a carne é cozida lentamente no vinho tinto. Como tempo não era um ingrediente possível naquele dia, precisaria apelar para a panela de pressão, o que, sinceramente, não seria problema nenhum e me daria ainda mais certeza de que minha carne ficaria super macia.
Escrevi em um papel a lista de compras do prato principal, tendo em mente as palavras do dono do hotel: “não podemos gastar muito, certo? ”. Alho, cebola, cenoura, alho poró, batatas, cogumelos Paris (Champignons, mas não em conserva), farinha de trigo, músculo bovino e bacon, porque você já deve ter ouvido a frase: “Tudo que é bom fica melhor com bacon”. O ingrediente mais caro da lista de compras seria o vinho tinto, mas, vejam só, a adega do hotel, ao contrário da câmera fria, estava bem abastecida. Ótimo, porque eu adoro cozinhar com vinho e às vezes até coloco um pouco na comida!

Brincadeiras à parte, eu já havia decidido o cardápio. Para entrada, algo bem simples: salada de folhas variadas, tomates cortados à francesa e um molho campanha (um vinagrete) caprichado. O Boeuf Bourguignon seria o prato principal, acompanhado de arroz branco e batatas assadas com ervas. Para a sobremesa decidi fazer um musse de maracujá bem simples, rápido de preparar e muito gostoso. Primeira missão cumprida: gastei pouco. Agora só faltava cozinhar tudo e arrebatar os convidados.
Comecei preparando as sobremesas e as coloquei na geladeira. Estariam perfeitas na hora de servir. Com toda a cozinha à disposição, acendi quase todas as bocas de fogão disponíveis, peguei meia dúzia de panelas e duas panelas de pressão e fiquei ali, dando voltas ao redor do fogão, mexendo nas panelas, preparando tudo e de olho no tempo. As batatas já estavam no forno, o arroz estava soltinho e saboroso, as folhas e tomates lavados e cortados.

O almoço correu sem percalços, apesar da correria. Dona Cirina foi um anjo enviado por São Benedito (o padroeiro dos cozinheiros), que me ajudou a cortar tudo e escreveu os displays do buffet com uma caligrafia que não vemos mais hoje em dia, dando um destaque ainda mais charmoso ao nome francês que, segundo ela, era um nome “metido à besta”. Ao final da refeição, o dono hotel e o prefeito foram nos cumprimentar na cozinha, encantados. O prefeito disse que já conhecia o prato, que o havia provado em Paris, que o prato estava igualzinho, e blá blá blá, e ti ti ti, mas tenho certeza de que ninguém naquela mesa sabia que se tratava de músculo bovino cozido. Gol. O que importava mesmo é que havia sido um sucesso, considerando-se o valor da gorda caixinha deixada à mesa e que eu, claro, não vi a cor. Acontece que a “turma” das cozinhas de hotéis e restaurantes costuma se encontrar pelos bares e assim fiquei sabendo a respeito da caixinha surrupiada. Eu não ia brigar com o garçom daquele almoço, mas, quando o convidei para tomar umas cervejas no boteco ele nem desconfiou que eu sumiria do local após uma bela quantidade de garrafas abertas e porções devoradas com gosto. Gol. Agora sim eu estava me sentindo o Robinho...

terça-feira, 4 de agosto de 2015

OS HERÓIS DA RESISTÊNCIA E A BISTECA RECHEADA


São José dos Campos, SP: quase 800 mil habitantes
São José dos Campos, a cidade onde moro atualmente, é uma cidade estruturalmente média, pequena se considerarmos que já morei em metrópoles como São Paulo e Curitiba, mas enorme se compararmos com Campos do Jordão, Cunha ou São Thomé das Letras, cidadezinhas onde também me fixei por, algumas mais outras menos, algum tempo. Cidades do interior ainda preservam costumes antigos, como, por exemplo, desejar um sincero "bom-dia" (ou "boa-tarde", ou "boa-noite") ao cruzar alguém pela rua, mesmo que desconhecido. Outro velho costume do interior: a caderneta de fiados nos pequenos comércios dos bairros. Quanto menor a cidade, maior costuma ser o valor da palavra, vale a negociação boca-a-boca, sem maiores garantias a não ser a própria palavra. Por isso, a palavra tem muito valor, e você não quer ganhar a fama de ser um “sem-palavra”.
Fiado: sem prestígio entre os comerciantes.
       Digo isso porque há alguns meses um grande supermercado abriu suas pesadas portas de alumínio em meu bairro, a apenas quatro quarteirões de distância da minha casa. Instalado há anos a duas quadras da minha residência, o senhor Yoshida não quis encarar a concorrência e vendeu sua pequena mercearia onde eu costumava comprar os produtos do dia a dia, como leite, cebola, alho e pão. Um pouco mais distante, a seis quarteirões daqui, o senhor João (que, assim como o senhor Yoshida e a maioria dos outros proprietários de mercadinhos do bairro, têm ascendência japonesa) ainda resiste, mesmo com preços um pouco mais altos do que no novo supermercado. Existem ainda outros pequenos comércios pelas redondezas, todos preocupados com a nova concorrência – e com razão.

Valorizar os pequenos mercados de sua região não é apenas uma questão de ajudar os amigos ou pessoas próximas a você. É uma questão de inteligência. No mercado do senhor João, ele e sua sempre sorridente família já sabem os produtos que eu gosto e Zezito, o amalucado açougueiro cearense, me chama pelo nome e me separa ótimos cortes de carne. Se eu estou procurando algo que não tenha naquele momento, conseguem para mim em "dois dias, no máximo!". Nunca precisei recorrer à caderneta de fiados, mas tenho certeza de que não seria um problema. Esqueceu a carteira? “Sem problemas, paga depois, né?!”. Tente fazer isso em algum Carrefour ou Pão de Açúcar da sua cidade.
Mercadinhos: simplicidade e simpatia em extinção
Não que os funcionários das grandes redes não sejam educados e solícitos, afinal eles recebem (ou deveriam receber) treinamento para lidar com o público e precisam ser simpáticos – o que nem sempre ocorre. Mas não é mesma coisa. Mais um exemplo: todo sábado, o senhor Olavo e sua esforçada equipe estacionam o caminhão frigorífico em uma rua paralela à minha (aliás, bem ao lado do novo mercado) e montam sua pequena venda de peixes frescos e frutos do mar. Eles também já conhecem minhas preferências e sempre têm algo novo no isopor que eu preciso provar. Eu, claro, sempre provo. Nem sempre compro, mas isso não os impede de fazer questão que eu sempre experimente. Às vezes, admito, compro mesmo sem muita vontade, apenas para manter o bom relacionamento com o melhor fornecedor de peixe da região.

É claro que adoro a comodidade de ter um grande mercado a poucos passos de casa, mas não deixei de “frequentar” os mercadinhos por perto, responsáveis (juntamente com a feira-livre) por termos em casa sempre alfaces e tomates recém-chegados da horta, frutas lindas e pedaços de carne cortados à nossa maneira. Eu os chamo de “Heróis da Resistência”, bravos sobreviventes de uma época em que a palavra era a maior fortuna de um homem. E a simpatia vinda deles não é fruto de treinamento, é educação mesmo.

E foi graças a um destes heróis que, dia desses, preparei uma das bistecas de porco mais saborosas que já provei, em minha modestíssima opinião. Zezito separou para mim meia dúzia de bistecas suínas, cortadas com dois dedos de espessura cada. Isso equivale à espessura de duas, três ou até quatro bistecas que encontramos normalmente nos açougues. Fiz um corte na lateral de cada bisteca, formando um “bolso”, tendo o osso como base. Temperei com sal, pimenta do reino moída na hora, alecrim, tomilho, limão e azeite, e deixei-as marinando na geladeira. Se você for preparar também, deixe a bisteca marinando na geladeira por, no mínimo, duas horas. Se puder deixar de um dia para o outro, melhor.
A bisteca alta: temperada e pronta para ir à geladeira

Preparei então o recheio: comecei colocando pedacinhos de bacon na frigideira (se o bacon estiver gorduroso, não precisa colocar mais nenhuma gordura, nem óleo nem azeite), cogumelos Paris, shitake, cenoura e cebola – tudo fatiado em tiras. O bom de casa de cozinheiro é que sempre tem alguma coisa pela cozinha que podemos usar, e resolvi incrementar o recheio com uvas-passas (hidratei-as em suco de laranja) e nozes trituradas. Frutas secas costumam ficar ótimas com carne de porco, então não tenha medo de se arriscar com tâmaras, damascos, etc. Procurei por pimenta dedo-de-moça mas, na falta destas, a pouco ardida pimenta biquinho foi a escolhida. Coloquei o recheio na bisteca e a fechei com palitos de dente, cortando suas pontas – assim, na hora de “selar” a carne, você consegue dourá-la perfeitamente de cada lado.
Parte dos recheios: cogumelos Paris e Shitake, uvas-passa, cebola e mandioquinha para o purê
 
Pimenta biquinho: não arde

O recheio pronto

A bisteca recheada e fechada com palitos

Dourei os dois lados na frigideira bem quente. Isso feito, transferi a carne para uma assadeira, acomodei pequenos pedaços de manteiga sobre ela e a cobri com papel alumínio. Coloquei então a assadeira no forno pré-aquecido a 220ºC e a deixei ali por quarenta minutos, tempo em que fui enlouquecendo pelo aroma que vinha da cozinha. Smbrar de virar a bisteca na metade desse tempo, melhor, mas não é necessário. Como acompanhamento, fiz o básico: purê de batata-Baroa. Adoro. Com o saboroso líquido que ficou na assadeira, você ainda pode fazer um molho para sua bisteca! Basta colocá-lo na mesma frigideira onde você selou a carne e deixe reduzir um pouco. Pode agregar outros sabores, como mostarda, molho-inglês ou shoyu. Tente. Experimente.
Sele a carne. Não lave a frigideira: separe-a para preparar o molho depois
 
Um pouco de manteiga sobre a carne, cubra com alumínio e coloque no forno
 
A bisteca pronta para ser devorada
 
Bom apetite!
Espero que você tenha gostado desta receita e, melhor ainda, que a prepare e sirva um banquete aos seus amigos e entes queridos. E procure valorizar os produtores e comerciantes de sua região, procure conhecê-los, ouça suas histórias e compartilhe suas receitas com eles. Porque você pode ter certeza de que eles terão o maior o prazer em compartilhar com você as receitas de suas famílias. E, de quebra, você ainda pode conseguir acesso à tão desejada "caderneta de fiados". Bom apetite!
 
 
 

sexta-feira, 26 de junho de 2015

SE JOGA: UM MUNDO NOVO A CADA DIA

 
A humanidade vem experimentando sabores desconhecidos desde...Bem, desde que somos humanidade. Primeiro, claro, por necessidade, pois era um instinto natural e vital comer o que se apresentava à frente para colhermos, pescarmos ou caçarmos. Assim fomos aprendendo quais alimentos podíamos comer tranquilos, quais nos deixavam enjoados ou doentes e quais acabariam por ser a nossa última refeição. Depois descobrimos os sabores que mais nos agradavam, e descobrimos que podíamos prepará-los de maneiras distintas, transformá-los e deixá-los ainda mais gostosos! Aprendemos que comer poderia ser, além de uma necessidade, um prazer (ou deveria ser, sempre), e então nos lançamos aos mares na busca por sabores inéditos, novas especiarias e novos ingredientes e assim novos mundos foram descobertos. Se houvéssemos descoberto algum ingrediente excepcional na Lua, teríamos hoje voos regulares até lá apenas para termos acesso ao sal lunar ou a salsinha celeste, pode ter certeza (tudo bem, não precisa ter certeza, mas a ideia é legal ou não é?!?).   
 
Enfim, o que estou querendo dizer é que tudo, sem exceção, TUDO o que comemos hoje, teve que ser provado pela primeira vez, algum dia, por alguém, em algum momento, certo? Quem descobriu o frescor da hortelã ou o adocicado do abacate? E quem foi o primeiro a arrancar uma mandioca do solo e prová-la? Escargots, quem teve a coragem de comê-los primeiro? Trufas? Rãs? Pizza? Cérebro de macaco? Rúcula, quem se ajoelhou na terra, colheu e provou pela primeira vez seu gostinho amargo e delicioso? E o gênio que fritou a primeira batata, quem foi?
Provar uma comida nova, um sabor desconhecido, é algo extraordinário – apesar de nem sempre agradável. Infelizmente não trago na memória a lembrança de cada primeira vez que experimentei algum prato novo, mas me lembro, sim, de algumas dessas vezes. Lembro-me da primeira vez que minha mãe serviu folhas de alcachofra apenas com azeite, limão e sal. Estranhei, chiei, e, depois, adorei. A primeira vez que comi banana amassada com aveia em flocos foi minha avó quem serviu, no sítio em Sorocaba. Foi no sítio também que comi minha primeira manga no pé, sentado no tronco da árvore. Strognoff foi amor à primeira bocada: “O que é isso aqui, mãe?” “Champignon, meu filho, experimenta”. Enlouqueci, raspei o prato e pedi mais. E com batata palha. Batata palha! Aquilo sim era uma novidade boa demais! E o que dizer da primeira vez que provei aquelas barrinhas de chocolate recheadas com marzipã, da Kopenhagen? Não fossem tão caras teriam se tornado um vício.
Alguns alimentos, entretanto, não foram assim tão arrebatadores em minhas primeiras impressões. Abobrinha, que hoje eu adoro, definitivamente não fazia parte das minhas comidas favoritas quando garoto. O mesmo vale para alho, brócolis e coração de frango. Cebolas demoraram a aparecer no meu prato, já que eu sempre pedia à minha mãe que preparasse “bife acebolado sem cebola”. Língua de boi eu adorava, até um dia entrar na cozinha e vê-la ali, repousada em uma bacia, inteira, como uma língua deve ser, e em pé, a seu lado, nossa sorridente empregada Terezinha (queridíssima) empunhando uma enorme faca afiada. Cena de filme de terror. Só então associei o nome à comida. Fiquei anos sem degustar língua, que hoje em dia, quem diria, eu adoro novamente.
 
Geralmente fica mais fácil de lembrarmos qual nossa sensação ao provar algo novo quando o fato ocorreu em alguma viajem. Lembro-me perfeitamente de como gostei daquele marreco em Brusque, Santa Catarina, quando viajei até Blumenau para a Oktoberfest. Blumenau que foi, aliás, palco da minha primeira degustação de um saboroso joelho de porco, perfeitamente preparado pelos alemães e alemãs vestidos à caráter – e, acho, já meio bêbados. Leite condensado com Nescau foi em Barra Bonita que provei pela vez. Foi ali também que pesquei, fritei e comi minha primeira sardinha, no limpo Rio Tietê (bons tempos...)!  Minha primeira fondue de queijo foi em Curitiba, com meus pais e minha irmã, na segunda metade dos anos 80, e foi paixão à primeira mergulhada de pão crocante no queijo derretido. 
Alguns restaurantes também são responsáveis por “primeiras vezes” inesquecíveis. Me lembro da primeira vez que provei o famoso contra-filé do Sujinho, em São Paulo. Fantástico. Do Mercado Municipal de São Paulo, impossível não recordar do primeiro pastel de bacalhau e do primeiro lanche de mortadela. A primeira pizza de mussarela no Michellucio, que já encerrou as atividades. O primeiro filé mignon que comi no Rubayat, Deus do céu, o que era aquilo?!? Amém. A primeira sopa de shimeji servida no pão italiano do saudoso Restaurante Champignon, em Campos do Jordão, foi também marcante. E quem se lembra do seu primeiro hambúrguer no McDonald’s? Eu me lembro, pois quando era garoto ainda não existiam McDonald’s tupiniquins e, quando finalmente abriram as portas por aqui, devo ter comido uns cinco ou seis hambúrgueres com picles (que, para mim, era outra deliciosa novidade, além daquele queijo cremoso e o pão com gergelim) de uma vez. Hoje, passo longe.
É claro que você não precisa – e nem deve – sair por aí provando tudo à torto e à direito. Eu tenho comigo uma regrinha simples, que garante, quase sempre, a minha integridade estomacal, intestinal e/ou até psíquica: experimento de tudo, desde que eu veja alguém comendo antes, para eu ver como se come e se realmente é comestível. Muitas das coisas que eu provei eu provavelmente (notem o uso do “provavelmente”) nunca mais comerei novamente. Sabe por quê? Porque eu não gostei. Sabe como eu sei? Porque eu provei. Nada me deixa mais doido do que aquela história de “Não comi e não gostei.”! Se você estiver em viagem, pode ser até falta de educação se recusar a provar algum prato típico que para nós pode soar, digamos, exótico demais. Encare o desafio e prove, quem sabe você gosta? Mas prove de mente aberta, sem cara feia, sem preconceitos tampouco nojinhos infantis.  Quem mandou você viajar para a Coreia do Norte? Agora prove os cachorrinhos...
Brincadeiras à parte, provar um novo alimento é, além de uma ótima chance de conhecer um novo sabor, uma deliciosa oportunidade de conhecer mais sobre a cultura de um povo, seus hábitos e costumes. O povo de uma região costuma ter orgulho de seus pratos típicos, e prová-los in loco, junto a este povo, é sempre uma experiência inesquecível. Pratos típicos costumam levar, claro, ingredientes típicos, e carregam consigo não só o sabor descoberto e aprimorado pelos antepassados de uma localidade, mas também suas histórias, segredos e preferências gastronômicas.
Como a grande maioria dos apaixonados pela gastronomia, eu assisto a mais programas relacionados ao assunto do que provavelmente deveria. Em um desses programas (Receitas de Viagens), a chef Bel Coelho preparou e provou ensopado de macaco com os índios Ianomâmis. Segundo ela, estava gostoso. Muito educada a moça. Outro prato provado foi carne de arara, depenada e preparada ali mesmo, o que para muitos de nós pode parecer cruel, mas, ali na tribo, é uma questão de sobrevivência mesmo. A interação da chef com a cultura Ianomâmi foi total e, por isso, emocionante. Em seu programa de viagens “Lugar (In)Comum” gravado na Tailândia, a apresentadora Didi Wagner não teve coragem de provar nenhum dos petiscos servidos na barraquinha que vendia espetinhos de escorpiões, gafanhotos e aranhas, entre outras delícias igualmente atraentes. Mas ao menos ela pagou para alguns corajosos brasileiros que assistiam à gravação e, no final, devo ser justo e dizer que ela provou, sim, uma perninha do gafanhoto: “Humm, crocante!”. Pessoas que são chatas para comer ganharam até seu programa próprio, o “Chato para Comer” – óbvio – apresentado pelo chef francês mais brasileiro do país, Claude Troigros.
Faça um favor a você mesmo. Da próxima vez que for a um restaurante ou fizer uma viagem, prove algo novo. Dê uma chance a novos sabores, aprimore seu paladar. Se ainda não te convenci de que provar algo novo é sempre a melhor pedida, agora vou jogar sujo: pense no seu prato favorito. Picanha na brasa? Lasanha? Sorvete de pistache? Já imaginou se você nunca tivesse provado essas maravilhas? Pois no mundo existem bilhões de pessoas que nunca provaram o seu prato predileto, seja ele qual for. E não estou aqui falando apenas de pobreza, mas de cultura também. Pode ter certeza (e agora pode realmente ter certeza) que algumas pessoas têm como pratos favoritos algo que nós nem imaginamos que exista. Temos que aceitar o triste fato de que, mesmo que pudéssemos provar algo novo a cada dia, sempre haverá algo que nunca teremos noção de como é a sensação de prová-lo, sempre haverá sabores desconhecidos. Então, não perca tempo, se joga no mercado a procurar algo novo para você provar e aproveite, porque existe sempre um mundo novo a ser descoberto. E, se houver alguma dúvida no preparo, não se acanhe: Chame o Chef!
 


sábado, 17 de agosto de 2013

TÁBUA DE QUEIJOS

Se você vai receber amigos em casa, existem poucas maneiras tão simples, charmosas e elegantes de recebê-los como oferecê-los uma linda tábua de queijos. Tábuas de frios também são uma excelente opção, mas falaremos sobre frios numa próxima ocasião. Assim como o vinho – aliás, acompanhamento perfeito para os queijos, se bem harmonizado - , o queijo é um dos grandes prazeres culinários. Muitas vezes, infelizmente, o queijo pode passar despercebido, ou ainda, uma boa refeição pode ser acompanhada por uma escolha inadequada de queijos e vinhos, o que também prejudica toda a experiência gastronômica. Porém, se bem elaborada e feita com carinho, uma tábua de queijos pode ser até o destaque da sua refeição.
Cabe aqui aquela máxima gastronômica: “menos é mais”. O segredo de uma boa tábua de queijos é não ser muito ambicioso, não querer mostrar aos seus convidados o grande conhecimento que você tem sobre o assunto e colocar diante de seus olhos pedaços de uma dúzia de queijos diferentes. Lembre-se de que queijos – os bons queijos – têm sabores peculiares, muito característicos e que, se misturados com uma grande variedade de outros queijos, ficam prejudicados na sua degustação, pois esses sabores irão se misturar e o conflito de paladares em sua boca conseguirá “matar” o sabor até dos mais divino dos queijos.  Muitos queijos com texturas e sabores diferentes vão apenas criar uma confusão que terá como resultado uma grande quantidade de pedaços secos de queijo, que não poderão mais ser aproveitados.
Para um jantar de, por exemplo, seis pessoas, quatro ou cinco qualidades de queijos são o mais adequado, e mesmo a possibilidade de servir apenas um excelente queijo em particular também não pode ser descartada. Mas como escolher os queijos adequados? A primeira consideração que deve ser feita, sempre, é em relação à qualidade dos queijos.
Procure comprar o produto em casas especializadas, cujo estoque é conservado em condições cuidadosamente controladas. Lojas assim têm uma grande variedade de queijos e terão condições de auxiliá-lo na sua escolha, inclusive nas variedades não muito comuns. Não se iniba na hora de perguntar sobre o sabor de um queijo desconhecido (embora nem sempre seja possível prová-los), nem saia da loja insatisfeito com sua escolha. Se o queijo Brie que você gostaria de ter comprado não estava da maneira que você gosta, substitua-o por um Coulommiers (veja a foto abaixo) ou Camembert, por exemplo. A primeira regra para comprar queijos é: nunca, jamais compre algo que não seja de primeira categoria. É caro? Pode até ser, mas o prazer proporcionado valerá o custo, pode acreditar.
Coulommiers
Peça para o atendente da loja cortar sua porção de queijo na hora, e lembre-se de examinar toda a superfície do produto. A aparência deve ser fresca, sem condensações na superfície, não pode estar esfarelento ou duro, pois estes são sintomas de que o queijo está desidratado. Sentir a textura dos queijos macios é também uma boa ideia. Eles devem estar flexíveis quando tocados e, quando maduros, devem estar uniformemente macios desde o centro até a casca. O aroma também é importante nessa verificação de qualidade. O bom é o aroma fresco e peculiar de cada variedade particular. Rejeite qualquer amostra que tenho cheiro de amônia, sinal de que já não estão com sua melhor qualidade.
Para elaborar sua tábua de queijos, você deve levar em conta qual refeição será servida (se é que você vai servir alguma refeição. Uma boa tábua de queijos às vezes substitui a necessidade de refeição). Leve em consideração também o tipo de vinho que será servido. O importante é NUNCA servir queijos que requerem um vinho mais leve do que aquele servido com a refeição principal, pois isto causará um efeito desagradável.
Texturas são tão importantes quanto os sabores na elaboração da tábua de queijos. O ideal é que a tábua inclua pelo menos um queijo duro ou semiduro, talvez um queijo inglês tradicional como o Cheshire ou o Cheddar; um queijo semimacio que pode ser um dos queijos mais moles com casca lavada; um queijo bem macio, talvez do tipo chévre ou algum com a casca avermelhada; e uma quarta possibilidade pode ser um queijo tipo blue mais macio.
Se você achar que seus convidados estão em dúvida em relação a qual queijo devem provar primeiro, não se acanhe e coloque etiquetas numeradas para auxiliá-los. Ou escreva os nomes na própria tábua! O melhor é que os queijos sejam consumidos em ordem ascendente de textura.
Uma tábua de queijos cuidadosamente equilibrada e bem apresentada (com uma seleção de acompanhamentos apetitosos), faz uma pausa perfeita entre a refeição principal e a sobremesa, além de reavivar o apetite de seus convidados. Por isso, vale a pena pensar na arrumação da sua tábua, sem, entretanto, exceder na decoração. Lembre-se de que queijos são atraentes por eles mesmos (ao menos devem ser, se você fez a seleção correta dos produtos). Lembre-se também de que queijos são organismos vivos, que repiram e necessitam de oxigênio. Por esta razão, seja qual for o material da sua tábua (pode ser madeira, mármore, etc.), ela deve ser grande o suficiente para que o ar circule entre os queijos, não os deixe muito grudados uns aos outros para evitar a mistura de aromas. Importante também é que você providencie uma faca para cada tipo de queijo, mantendo assim a individualidade de cada variedade.
E o que servir como acompanhamento? Queijos com casca lavada e queijos tipo blue são melhores se consumidos sem acompanhamentos. Para outros tipos de queijo, uma boa escolha de pães e bolachas é interessante. Pão fresco e crocante no estilo pain de campagne (com fermento natural) é o ideal, colocado no forno pouco antes de servir, apenas o suficiente para aquecer a sua casca. Pão de centeio, pão preto, pão de grãos (Granary) são outras possibilidades. Queijos cremosos também podem ser servidos com uma fruta leve ou pão de nozes. Uvas (verdes, vermelhas, tintas) e frutas secas também ficarão bonitas na montagem de sua tábua. Sem exageros, lembre-se de que os queijos são a atração principal!
Enfim, queijos são um assunto longo e complexo, existem inúmeras variedades de sabores e texturas, e vale a pena você conhecê-los. Fuja do lugar comum (não coloque mussarela ou queijo prato na sua tábua, por favor!), escolha bem os tipos que você quer servir, prove, experimente, arrisque. Se você não conhece determinado tipo, compre um pedaço pequeno, apenas para provar. Quem sabe ele não estará presente em sua próxima tábua de queijos?
Para saber mais sobre o assunto, recomendo “O Livro de Queijos”, de Carol Timperley e Cecilia Norman, editora Manole Ltda. São mais de 170 variedades de queijos descritas no livro, totalmente ilustrado.

Por último, mas não menos importante: procure saber se algum de seus convidados tem intolerância à lactose ou simplesmente não gosta de queijo (conheço pessoas assim, embora não as compreenda...). Neste caso, tábua de frios para ele. O importante é que todos fiquem satisfeitos. Divirta-se!

sábado, 10 de agosto de 2013

O SEXTO SENTIDO

Visão, audição, paladar,tato e olfato: os cinco sentidos
No artigo anterior, falei um pouco sobre como os nossos cinco sentidos – audição, tato, paladar, olfato e visão – podem ser estimulados na cozinha. Um bom cozinheiro consegue estimular todos esses sentidos nas pessoas para as quais vai servir, mas ele também depende desses sentidos para preparar uma excelente refeição. Desses sentidos e de mais um, o sexto sentido na gastronomia, que eu chamo de intuição gastronômica.
Sabe aquela pitadinha a mais de sal salpicada diretamente na panela? Aquele ingrediente inusitado, que não constava na receita original? Aquela dose inesperada de conhaque no strogonoff? Aquele tiquinho de sal adicionado ao doce? Pois é a intuição gastronômica do – bom – cozinheiro que o inclina a adicionar, aumentar, reduzir ou eliminar determinado ingrediente, tempero ou especiaria. É bem verdade que muito estudo e bastante vivência na cozinha ajudam nessa percepção, mas uma boa intuição gastronômica não pode ser aprendida nem tampouco ensinada em uma faculdade. Pode, sim, ser desenvolvida e aprimorada.
Esse cara sabia o que estava dizendo...
A língua é a responsável pelo nosso paladar
De todos os sentidos aguçados na cozinha, o mais óbvio é o paladar. É o mais óbvio, mas é o último a ser acionado pelo cérebro, afinal, somente após provarmos de fato o alimento é que podemos dizer se o gosto nos agrada ou não. É o sentido que nos permite distinguir alimentos salgados, doces, azedos, amargos, ácidos. Antes do paladar entrar em ação, os outros sentidos já devem ter sido provocados pela comida que lhe será oferecida. Mas como, afinal, os outros sentidos agem na gastronomia?
O olfato: que cheirinho bom...
Desnecessário também explicar como o olfato é estimulado na gastronomia, certo? Você não precisa nem ver a comida, mas quando sente aquele cheirinho bom...já dá vontade de comer! Isso sem falar quando sentimos um cheiro de comida que nos remete à infância, ou à determinada viagem inesquecível que fizemos, ou ainda que nos faz lembrar de parentes e amigos queridos. O aroma que invade nossas narinas nos estimula e cria uma expectativa agradável em relação ao que nos será servido. O cheiro já nos faz relembrar dos bons momentos vividos. No meu caso, impossível assar uma carne na churrasqueira sem que o cheiro me traga de volta os momentos com meu avô no sítio em Sorocaba. Se você conseguir esse efeito nos seus convidados, o sucesso já está garantido!
O tato se faz sentir em nossa boca, permitindo-nos avaliar a textura do alimento, sua temperatura e densidade. Não é sensacional sentir aquela casquinha crocante do medalhão mal passado, que logo se desmancha e nos enche de uma alegria e nos oferece sensações incríveis? O tato também está presente naqueles alimentos que comemos com as mãos, como salgadinhos de festas, pipoca, etc. Quando criança, você nunca enfiou o dedo no meio do algodão-doce? Eu adorava fazer isso, sentindo o açúcar se desfazer entre meus dedos...Talvez as crianças sejam mesmo as que mais se utilizam do tato na gastronomia...
A audição também é importante na gastronomia...
E me diga uma coisa: tem barulhinho mais gostoso do que aquele emitido quando colocamos um pedaço de carne na frigideira com óleo quente?!? A audição também tem importância fundamental na gastronomia. O carvão estalando na churrasqueira, o açúcar queimado do creme bruleé sendo partido, a rolha do champanhe estourando e prenunciando grandes celebrações, o barulho crocante da bruschetta quando a mordemos, a feijoada borbulhando durante horas na panela...esses são sons de deixar maluco qualquer apaixonado por gastronomia! Até mesmo a algazarra emitida pelos feirantes e vendedores ambulantes (quem nunca ouviu a mais famosa gravação do Brasil: “Pamonha, pamonha, pamonha...pamonha de Piracicaba!”?) pode estimular nosso apetite.
Visão: quem nunca "comeu com os olhos"?
O sentido da visão já ganhou enorme importância e reconhecimento no mundo gastronômico. Uma apresentação feita com esmero valoriza o prato, aguça o apetite e é impactante e não estou exagerando quando digo que, em algumas ocasiões, o prato se mostra mais bonito do que saboroso - infelizmente. Algumas vezes temos até pena de desarrumar o prato à nossa frente, porque percebemos o cuidado e o carinho que o cozinheiro teve ao montá-lo.
Mas nenhum destes cinco sentidos faz um bom cozinheiro se este não possuir o sentido essencial: a intuição gastronômica. A intuição dá ao cozinheiro a exata noção de como os outros sentidos vão agir na mente do comensal. Intuindo, o cozinheiro sabe qual o impacto visual que sua comida terá, qual o barulhinho que será emitido quando alguém experimentá-la, quais sensações sentiremos em nossa boca, qual o cheiro que fará nosso cérebro viajar a outros lugares e, claro, qual o sabor delicioso que teremos o prazer de degustar.
Da próxima vez que você for a um restaurante, tente perceber como o seu cérebro está trabalhando naquele momento. Tente perceber, além do sabor, os cheiros, os sons, as texturas e a beleza dos pratos. E tente entender como o cozinheiro arrumou sua comida no seu prato, como os ingredientes estão dispostos, as cores que invadem sua retina. E, se estiver tudo a seu gosto, peça para falar com o cozinheiro, dê a ele os seus mais sinceros parabéns. Este é o melhor da nossa profissão, apesar de que, quando o garçom entra na cozinha e avisa que determinado cliente da mesa tal quer falar conosco, um inevitável friozinho percorre nossa espinha, mas nada é mais gratificante do que receber elogios ali, in loco, pessoalmente. Nada daqueles papeizinhos de pesquisa que muito raramente chegam ao conhecimento de quem merece. Gostou? Elogie! Você vai fazer um cozinheiro mais feliz, e isso é bom para todos, concorda? Não gostou? Critique, mas, por favor, seja educado em suas críticas, e dê uma segunda chance. Uma crítica justa, bem formulada e correta, às vezes é melhor do que um elogio!

Agora vá para a cozinha, coloque seu cérebro para funcionar, pense em todos os sentidos que você quer despertar e, se a intuição vier, acredite nela! Pode dar certo! Bom apetite!

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

OS CINCO SENTIDOS NA COZINHA E O RAMEQUIM

Talvez tão importante como a qualidade da comida servida em um restaurante ou evento (seja ele um evento de trabalho, um cofee-break ou uma festinha de aniversário) seja a apresentação dos pratos levados à mesa. Nada mais verdadeiro do que aquele antigo jargão: “comer com os olhos”. Realmente, o impacto visual tem enorme importância na gastronomia, visto que esta é uma ciência que mexe com todos os nossos sentidos: o paladar (óbvio), o olfato (quem resiste àquele cheirinho delicioso vindo da cozinha?), o tato (quando comemos com as mãos, ou quando sentimos o alimento se desfazendo em nossa boca), a audição (não é lindo o barulhinho crocante ao quebrar-se o creme brulée? E o barulhinho de uma peça de carne indo à frigideira quente, não te deixa louco de desejo de devorá-la?) e, finalmente, a visão.
Os cinco sentidos: importantes também na cozinha!
A decoração dos pratos pode ser feita de diversas maneiras: salpicando salsinha sobre o prato, arrumando delicadamente cebolinhas cortadas na diagonal nas laterais do prato, cortando legumes à julienne (tiras finas), equilibrando ceboletes sobre a comida para conferir “altura” ao prato – uma tendência. Para nos ajudar nesta tarefa de aguçar o sentido da visão em nossos convidados, as lojas de utensílios gastronômicos têm de tudo: pratos de diferentes formas e tamanhos, travessas de diferentes materiais e cores, talheres diversos, entre outros produtos. E, entre esses produtos, encontra-se um que eu considero um “coringa” da cozinha: o ramequim. 
Ramequins são aqueles recipientes de cerâmica, que podem ser levados ao forno, de diversas formas (geralmente redondo) e tamanhos.  No ramequim você pode colocar saladas, doces, pequenas porções (amendoim, por exemplo), saladas de frutas, geleias, molhos. E, como ele pode ser levado ao forno, você pode preparar um delicioso escondidinho! E o escondidinho, você sabe, é uma ótima maneira de “reciclar” aquele almoço de ontem. Como fazer? É simples. Veja antes alguns exemplos de diferentes ramequins:
Se sobrou algum pedaço de carne da sua refeição (qualquer carne: de frango, de boi, de porco...) e você não quer repetir o menu, basta colocar esse pedaço (ou pedaços) de carne em uma panela de pressão (pode colocar um tablete de caldo de sua preferência: carne, frango ou legumes) e cozinhar até pegar pressão por uns 25 minutos. Desligue o fogo, espere esfriar e desfie a carne. Não jogue fora a água do cozimento! Corte então tiras de cebola, de pimentão (verde, amarelo ou vermelho, ou os três!) e de cenoura e leve ao fogo. Passe levemente a carne desfiada em farinha de trigo, e coloque-a na panela junto com a cebola, o pimentão e a cenoura em tiras. Deixe cozinhar um pouco (eu prefiro não cozinhar muito, para que fiquem crocantes e não muito amolecidos). Junte então, aos poucos, a água do cozimento que você separou, até que engrosse um pouco e não fique água na panela. Quando os ingredientes estiverem cozidos, você ainda pode misturar mais alguns, como azeitonas, champignon ou alcaparras, por exemplo. Se for carne vermelha, eu colocaria uvas passas também...O recheio do escondidinho está pronto! Imagine só as cores! A textura! Imagine o sabor! E o cheiro que vai invadir sua cozinha! Todos os sentidos serão ativados!
E como vamos “esconder” esse recheio? Ora, com purê! Você pode fazer um purê de batatas, de mandioquinha, de cenoura...de qualquer coisa que você possa cozinhar e depois passar por uma peneira. Cozinhe pedaços pequenos para acelerar o cozimento, passe esses pedaços por uma peneira e volte ao fogo. Tempere com sal, pimenta e noz-moscada a gosto. Acrescente um pouco de leite e mexa, até ficar na consistência de purê. Pronto!
Coloque o recheio nos ramequins e espalhe um pouco do purê sobre eles. Para arrematar seu escondidinho e deixá-lo com uma aparência ainda mais saborosa, rale um pouco de um bom queijo parmesão e polvilhe por cima do purê. Leve ao forno (se o seu forno tiver um gratinador, melhor. Se não tiver, sem problemas, deixe o forno bem quente) até o parmesão começar a dourar. Está pronto seu escondidinho. Na hora de servir, despeje um fio de azeite de oliva sobre cada um deles. Hummm...
Escondidinho gratinado...uma delícia!
Prepare-se para os elogios. Desta maneira, sua família não vai ficar reclamando de comer a mesma comida do dia anterior! E fica uma delícia!
Quando for receber convidados, lembre-se dos cinco sentidos. Imagine como a comida que você pretende servir vai impressionar pelo visual, pela textura, pelo som, pela audição e, claro, pelo sabor. Procure nas lojas especializadas por algo fora do cotidiano, como pratos quadrados ou retangulares, travessas coloridas, talheres diferentes, enfim, lembre-se de que seus convidados merecem essa distinção! Sirva entradas em ramequins, ou deixe castanhas e amendoins para que cada um se sirva. Arrisque-se nos sabores inusitados, nas cores vibrantes, nas texturas de cada alimento. Saia do lugar comum! Bom apetite!