domingo, 8 de maio de 2011

CAMPOS DE CONCENTRAÇÃO E A GASTRONOMIA DE CAMPOS DO JORDÃO

Aparentemente, o título deste texto soa como algo irreal, non sense e até apelativo: afinal, o que teriam em comum campos de concentração com a gastronomia de Campos do Jordão? Muita coisa. Mas não me refiro aos temidos e cruéis campos de concentração nazistas alemães, e sim brasileiros(?!?), nas cidades de Pindamonhangaba e Guaratinguetá. Ficou ainda mais confuso? Calma, vou explicar.
 
Prisioneiros de um Campo de Concentação de Prisioneiros no Brasil
         A colonização alemã em Campos do Jordão tem uma história curiosa: no ano de 1939, o Windhuk, um navio cinco estrelas alemão carregado de turistas abastados que faziam safáris pelas colônias européias na África, foi pego de surpresa com o início da Segunda Guerra Mundial. Ele estava ancorado na Cidade do Cabo, África do Sul, com 250 tripulantes e 400 passageiros. Certa madrugada, clandestinamente, com as luzes apagadas e com as cores da bandeira japonesa (o Japão ainda não havia se envolvido no conflito) costurada sobre a bandeira alemã, o Windhuk partiu em direção ao Atlântico, chegando até onde seu combustível permitia e em um local até então neutro na guerra: Santos, Brasil. Mesmo o Brasil se mantendo neutro à guerra, até então, os tripulantes alemães foram impedidos de pisar no país, passando a viver no navio. Com o rompimento de relações entre Brasil e Alemanha em 1942, foram confinados em Campos de Concentração de Prisioneiros nas cidades de Pindamonhangaba e Guaratinguetá, onde permaneceram até o fim da guerra (1945). A partir de 1942, aproximadamente 3.000 pessoas de origem alemã, italiana e japonesa foram encarceradas em campos de concentração criados em sete Estados brasileiros (PA, PE, RJ, MG, SP, SC e RS).
Oficiais do navio Windhuk
Que fique registrado que em nada se comparavam aos campos de concentração nazistas: os espaços de confinamento brasileiros permitiam que os prisioneiros saíssem para fazer compras na cidade, receber visitas e até tocar em festas. Aqui, os soldados do Campo de Pindamonhangaba tomavam caipirinha com os prisioneiros. “O melhor campo de concentração do mundo”, segundo relatos dos próprios prisioneiros alemães.
Pois foram estes tripulantes que, ao término da guerra e ao subir a Serra da Mantiqueira, formaram a primeira leva de profissionais no ramo da hotelaria e gastronomia em Campos do Jordão. Hotéis como o Toriba e o Grande Hotel contavam com cozinheiros, garçons, cabeleireiros e músicos das orquestras do Windhuk.
O Windhuk, "berço" da gastronomia de Campos do Jordão
A imigração japonesa também marca forte presença na cidade e tem como um de seus símbolos a “Festa da Cerejeira em Flor”, comemoração tradicional no Japão e desde 1968 presente no calendário jordanense. A festa é ótima, mas um pouco ocidentalizada: vende de yakissobas a hambúrgueres e pastéis. Mas o palco é dos japoneses, com aqueles instrumentos exóticos (para nós, ao menos), tambores gigantes, vozes femininas cantando num agudo quase irritante palavras que nunca saberei o que significam. Enfim, imperdível!
No mês de agosto,as cerejeiras florescem: tempo de festa em Campos do Jordão
Do sul do estado de Minas Gerais veio a maioria dos antigos moradores da região, e ainda hoje muitos moradores são provenientes de cidades como Paraisópolis, Itajubá, Pouso Alegre, Gonçalves, Varginha e Candelária. Gente boa, uai.
Da mistura destes povos e culturas, surgiu a gastronomia de Campos do Jordão, simples (voltada aos moradores da cidade) e sofisticada (destinada aos turistas e moradores mais abastados). Cabe aqui uma triste constatação, quase uma crítica social: a discrepância de renda entre os moradores do município com a dos seus visitantes. Morei em Campos do Jordão por quatro anos, e o que vi foi um povo miserável, com poucas opções e alternativas de vida, morando em barracos de madeira em áreas de risco. Vi também o outro lado: por seis meses trabalhando e estudando no Grande Hotel SENAC, vi pratos magníficos serem servidos a milionários famosos e anônimos, vi playboys e patricinhas desfilando em Ferraris vermelhas, vi a linda arquitetura dos hotéis e casas de campo, enfim, tudo aquilo pelo qual a cidade é conhecida (num excelente golpe de marketing) como a “Suíça Brasileira”. Mas será que os pobres daqui são como os pobres de lá? Sei não...
O Grande Hotel SENAC de Campos do Jordão. Impecável.
O Home Green Home Hotel. Maravilhoso.
Casa típica dos jordanenses: esta, felizmente, não está em área de risco.
Entretanto, uma coisa é inegável: em Campos do Jordão come-se (e paga-se) muito bem. Restaurantes internacionais de diversas origens (alemães, franceses, suíços, portugueses, japoneses, etc.), excelentes fondues (de tudo o que você pode imaginar: queijo, carne, chocolate, carnes exóticas, frutos do mar), um serviço impecável (graças também a escolas como o SENAC, que foi o precursor e consagrou a excelência do serviço na cidade), restaurantes e hotéis  maravilhosos.
Pergunte a qualquer turista qual o prato típico de Campos do Jordão, e ele responderá: o fondue. O fondue, claro, não foi criado na cidade, nem tão pouco faz parte dos hábitos culinários de seus moradores, mas sua identificação com o município é tão grande que precisa ser registrado. O prato original, suíço, surgiu como sendo a mistura de diversos queijos fundidos (daí o nome fondue). Nada mais natural, então, que na “Suíça Brasileira” o fondue tornasse-se também um clássico. Em Campos do Jordão, são oferecidas diversas opções, existindo inclusive restaurantes que oferecem rodízio de fondues.
O fondue do Restaurante Só Queijo: você PRECISA provar...
O fondue não é a única influência suíça na gastronomia da cidade. O chocolate fabricado na cidade ganhou fama a partir dos anos 70. Ele é consumido em sua maioria pelos turistas, e é encontrado na forma de tabletes, trufas, ramas, bombons, sólidos e líquidos (chocolate quente). Ao final da tarde, quando o sol já não aquece as faces vermelhas, é comum encontrarmos centenas de turistas de gorro e luvas deliciando-se com um copo de chocolate bem quente entre os dedos. Uma delícia, apesar de bastante caro.
Chocolates artesanais: tradição jordanense
A gastronomia alemã, trazida pelos imigrantes, também se faz presente. Joelho de porco, repolho, salsichões e doces típicos alemães podem ser encontrados sem dificuldade. O mais badalado restaurante da cidade é especializado neste tipo de gastronomia: o Baden Baden, que aproveitando-se da ótima qualidade da água da montanha, também fabrica sua própria cerveja, distribuída nacionalmente e com boa reputação no mercado (na fábrica da cervejaria, localizada na cidade, você pode ver a cerveja sendo fabricada e, com moderação, pode provar o produto final ali mesmo!).
Mesinhas na calçada do Baden Baden: point no bairro Capivari
Enfim, o pinhão. Indiscutivelmente, o modo mais tradicional de consumo do pinhão é o de cozinhá-lo em uma panela de pressão por pelo menos quarenta minutos, descascá-lo e comê-lo com sal. Tropeiros comiam o pinhão jogando-os na fogueira. Hoje, nos restaurantes, o fruto da araucária é consumido na forma de doces, farofas, molhos, recheios de carnes, recheio de massas, assados, cozidos ou fritos. O bolo de pinhão das quituteiras jordanenses já pode ser considerado um clássico.
Truta recheada com pinhão
Posta de robalo com crosta de pinhão
Paçoca de pinhão com carne seca e purê de banana
Torta doce de pinhão
Pinhão: eu gosto, tu gostas, todo mundo adora!
Algumas dicas: o Restaurante Araucária, do Grande Hotel Senac, de cozinha internacional, e o Restaurante Só Queijo (que não serve apenas queijo, mas serve o melhor fondue de queijo que você jamais sonhou). Nestes locais, você também encontra uma extensa e perfeita carta de vinhos, para qualquer ocasião. Vá também ao Baden Baden, o lugar mais badalado do Capivari (bairro onde tudo acontece em Campos), especializado em culinária alemã. Conheça a Fábrica de Chocolates Araucária, onde você pode acompanhar a fabricação do produto.
N.B. (Nota do Blogueiro): este blog não tem nenhum vínculo, de qualquer espécie, com qualquer estabelecimento comercial. Os locais aqui citados são apenas sugestões deste blogueiro...

2 comentários:

  1. Adorei o Blogg, muito instrutivo com relação aos aspectos historicos e útil como referência gastronômica, nas encantadora Campos do Jordão

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    1. Obrigado, Arthur...morei em campos do Jordão e sou um apaixonado pela cidade também! Um abraço!

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