Utilizar ingredientes locais na gastronomia é, definitivamente, uma tendência mundial. Essa nova atitude tem uma série de razões, econômicas, qualitativas e ambientais. Economicamente, é claro que utilizar produtos e ingredientes que foram plantados e colhidos (ou criados) em locais próximos (às vezes, nem tão próximos assim...) custa menos e, portanto, o lucro é maior. Usando produtos locais, o frescor dos alimentos fica evidente nas preparações, resultando em um prato com qualidade insuperável. Ecologicamente, a utilização desses produtos agride menos o meio-ambiente, pois reduz os danos causados pelo transporte e o custo ambiental cai consideravelmente.
Em Roma, faça como os romanos. Em Parma, peça o presunto local...delicioso! |
Isso sem falar no grande barato que é provar produtos locais. Em minhas viagens (que não são muitas, infelizmente) procuro sempre saber qual o ingrediente local, o orgulho da região. Quando passava minhas férias em Balneário Camboriú, Santa Catarina, nos distantes anos 80, eu adorava acordar cedo e escolher os peixes ali, na praia, logo que os pescadores punham os pés na areia. Produto mais fresco, impossível. Lembro-me de nadar até uma pequena ilha (agora sei seu nome: Ilha das Cabras) e, lá chegando, observar uma fileira de tubarões expostos sobre uma pedra. Eram cações, que na época eu já adorava comer, sem saber, contudo, a melhor maneira de prepará-los. Mas que surpresa vê-los ali, enfileirados na pedra e quase vivos. Na verdade, alguns ainda se debatiam, transmitido ao mesmo tempo uma sensação de tristeza ao vê-los à espera do fim inevitável e uma sensação de vida, de respeito ao saber que eles eram o ganha-pão (seria ganha-peixe?!?) daquela pequena comunidade.
A Ilha das Cabras, em Balneário Camboriú, SC. |
Outra vista da ilha, com a praia e a cidade ao fundo |
_Onde o senhor pescou esses tubarões? – perguntei ao velho pescador que expunha, com orgulho, o resultado de seu trabalho.
_Aí mesmo, no mar! – Fiquei com cara de otário, claro. Onde mais ele poderia ter pescado os tubarões?!?
Um cação, em seu habitat...não são tão grandes, mas são tubarões... |
Olhei para o mar, em cujas águas eu acabara de nadar para alcançar a ilha, e um calafrio percorreu minha espinha. Eu não voltaria nadando até a praia, de jeito nenhum! Fiquei ali jogando conversa fora com o pescador (uma figura fantástica!), disfarçando meu receio de cair naquelas águas novamente. Fiquei sentado nas pedras, e algum tempo depois sua mulher chegou com um delicioso prato de postas de cação com pimentões vermelhos. Comemos com as mãos, um contando histórias para o outro, muitas das quais desconfio que eram legítimas histórias de pescador. Sem problemas, foi uma tarde fantástica! Aliás, um problema: o problema era que a noite não tardaria a chegar, e eu ainda tinha um mar repleto de tubarões para enfrentar até chegar à praia de Camboriú. Nadar de volta, nem pensar. Quando já estava quase pedindo ao meu novo amigo uma carona em sua “voadeira” (aquelas estreitas canoas motorizadas), eis que chega meu salvador. Aliás, salvadores.
Postas de cação são deliciosas! |
Um casal paulista com sua filha acabava de chegar em um pedalinho, onde cabiam quatro pessoas. Eles estavam em três, então logo tratei de puxar uma conversa e conquistar uma vaga no “Pedalinho da Salvação”. Depois de mais uma porção de cação regada a cerveja beeem gelada, mais histórias de pescador contadas, voltamos (de pedalinho, claro) à praia da qual eu havia partido. Não revelei ao casal e à sua filha o porquê de eu solicitar a carona, afinal minha recente fama de “corajoso-nadador-do-mar-cheio-de-tubarões” me garantiu a comida daquela tarde...depois de comer tanto e tomar algumas cervejas, vocês sabem, não devemos entrar na água. Desculpa perfeita!
Um pedalinho semelhante ao "Pedalinho da Salvação". Salvo, afinal! |
Voltei algumas vezes àquela ilha, sempre de caiaque ou pedalinho, e sempre voltei de lá com cações deliciosos para o jantar. Impossível ser mais ecológico e econômico, já que o pescador fazia questão de me dar alguns peixes além do preço pago pelo tubarão. Faça isso você também (não, não estou querendo que você vire comida de tubarão): em cada viagem, procure conhecer os sabores locais, produtos e ingredientes ali plantados, os animais criados com fins culinários. Mais do que isso, faça amizades com o povo da terra. Amigos são o alimento da alma, renovam nossa vontade de existir. Afinal, de que serviria um perfeito e grandioso banquete sem os seus amigos ao redor da mesa?
Um pescador em sua "voadeira", em Camboriú: peixes mais baratos e saborosos |
Procure usar ingredientes locais em suas preparações, você vai se divertir e ajudar pessoas da comunidade, que são, quase sempre, simples e interessantes. Se você for cozinhar utilizando produtos de sua região, me chame. Se for cair num mar com tubarões, me desculpe, mas dispenso o convite...não devemos dar sopa ao azar, já dizia minha avó...Abraços a todos!
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