sexta-feira, 27 de julho de 2012

BOLO SOUZA LEÃO


No distante povoado de Muribeca, encravado no município de Jaboatão dos Guararapes, no belo Estado de Pernambuco, havia, há muitos e muitos anos, um engenho de onde saíam, além dos produtos naturais de um engenho, delícias caseiras – especialmente doces – que conquistariam todo o Estado e fariam fama no resto do país. O coronel Agostinho Bezerra da Silva Cavalcanti era o orgulhoso senhor do Engenho São Bartolomeu, mas a responsável pelas delícias caseiras era sua esposa, Dona Rita de Cássia Souza Leão Bezerra Cavalcanti. O bolo que levava o nome do engenho ( “Bolo São Bartolomeu”) ganhou fama e até hoje é servido nas festividades pernambucanas.
A casa do Engenho São Bartolomeu, em foto recente
Mas o maior legado de Dona Rita de Cássia para a cultura pernambucana é, sem dúvida, o “Bolo Souza Leão”, considerado o mais aristocrático bolo nordestino. Corria o ano de 1859 quando, de passagem pelo Estado, foi servido a Dom Pedro II e a sua esposa, D. Tereza Cristina, fatias do “Bolo Souza Leão”. Dom Pedro II e toda sua comitiva ficaram maravilhados com a iguaria, e até hoje manda a tradição que fatias desse bolo sejam servidas apenas em pratos de porcelana ou cristal. Para se ter uma ideia da força desta tradição, no dia 22 de maio de 2008, foi sancionada pelo governador Eduardo Campos, a Lei nº 357/2007, que deu ao “Bolo Souza Leão” o título de Patrimônio Cultural e Imaterial do Estado de Pernambuco.
O Bolo Souza Leão 
Cozinheira de mão cheia, Dona Rita de Cássia foi adaptando as receitas de sua cozinha (naquela época, a quase totalidade das receitas em território nacional eram da culinária portuguesa, utilizando ingredientes europeus) para os novos padrões gastronômicos que surgiam naturalmente. Como no restante do país, a gastronomia pernambucana é resultado da fantástica mistura das culturas europeia, africana e indígena. Na cozinha do Engenho São Bartolomeu, o trigo foi substituído pela massa de mandioca, a manteiga francesa “Le Pelletier” perdeu espaço para a manteiga fabricada na própria cozinha, a aguardente portuguesa de uva foi alegremente trocada pela cachaça produzida a partir do caldo da primeira fervura da cana moída no próprio engenho. Há quem diga que o uso de produtos genuinamente nacionais era um gesto de compromisso com a terra, mas provavelmente foi apenas um natural processo de formação de nossa cultura.
O brasão usado por alguns ramos da família Souza Leão
A receita original do “Bolo Souza Leão” é reivindicada pelos diversos ramos da família Souza Leão espalhados por Pernambuco - os descendentes da família Souza Leão são provenientes de onze engenhos do Estado - e provavelmente nunca teremos certeza de qual receita é realmente a original. Gilberto Freyre, em seu livro “Açúcar”, escreve: “Consegui várias receitas desse manjar, mas todas se contradizem, a ponto de me fazerem duvidar da existência de um bolo Sousa Leão ortodoxo [verdadeiro]. Consegui-as quase como quem violasse segredos maçônicos”. (Freyre, 1987, p. 77).  Mas isso não é motivo para você chorar, e sim para comemorar, afinal, existem várias receitas do “Bolo Souza Leão” e todas elas são muito saborosas.
A primeira edição do livro de Gilberto Freyre, de 1939
Edição atualizada do livro de Freyre
As diversas receitas do Bolo Souza Leão têm proporções discrepantes na quantidade dos ingredientes: algumas chegam a pedir um quilo de manteiga, em uma outra são necessários 450 gramas; uma fala em 12 gemas, outras indicam 15 ou 18. Sem falar na quantidade de açúcar e leite de coco. Há receitas com leite de sete cocos, outras quatro ou dois. No final tem-se vários bolos, que têm em comum o fato de assemelhar-se a um pudim e são muito saborosos. Vou colocar aqui apenas uma receita, mas você encontra muitas outras livros e internet afora. Escolha a receita e mãos à obra!

RECEITA 

 Bolo Souza Leão 

Ingredientes:
- 18 gemas;
- 6 xícaras de leite de coco puro;
- 1 kg de açúcar;
- 1 kg de massa de mandioca;
- 2 colheres de sopa de manteiga;
- Sal a gosto. 
Preparo:
- Com açúcar, faça uma calda em ponto de fio;
- Junte a manteiga e depois as gemas;
- Acrescente a massa lavada, espremida e peneirada. E, por fim, leite de coco e sal a gosto;
- Passe toda a mistura em peneira muito fina, várias vezes;
- Coloque em fôrma untada com manteiga e forrada com papel impermeável, também untado. Asse em forno regular.




terça-feira, 3 de julho de 2012

RECEBENDO CONVIDADOS

A pergunta que mais escuto quando alguém me pede ajuda para preparar uma recepção ou uma simples reunião de amigos é: “Quanto de comida devo preparar?” No ranking de perguntas mais frequentes, a quantidade de comida a ser servida aos convivas glutões ocupa o honroso primeiro lugar, seguida, de longe, pela pergunta “O que devo servir?” Já tratei destes assuntos neste blog, mas as indagações estão sempre em pauta. Afinal, existem respostas à estas questões? Sim. E não.  Não existe uma resposta absoluta, mas existem, sim, respostas. As respostas a estas questões são inúmeras, pois inúmeras são as variáveis da equação. Neste artigo tentarei responder a campeoníssima interrogação receptivo-gastronômica. Definitiva? Nem sempre, amigos, nem sempre...sempre pode haver algum imprevisto, e por isso mesmo devemos tentar prever o imprevisível...mas isso é assunto para outro texto.
Imprevistos acontecem...como neste nada cordial café da manhã com Fernanda  Montenegro e Paulo Autran em "Guerra dos Sexos"
Eu disse que existem algumas variáveis para estas respostas, vamos a elas então: as pessoas que você vai receber são seus amigos? Amigos íntimos ou apenas conhecidos? São desconhecidos? São colegas de trabalho? Seu chefe estará lá? Se o seu chefe estiver lá, você sabe qual o prato predileto dele? E qual prato ele não pode nem sentir o cheiro? É uma reunião da qual dependem seus negócios futuros? É apenas uma reunião festiva? A que horas será servida a refeição? Terá entrada antes, um aperitivo, alguns coquetéis? Será necessário servir entrada, prato principal e sobremesa? Terão crianças? E idosos? Algum convidado tem alguma restrição alimentar? O ambiente será formal ou informal? Essas e outras dezenas de perguntas devem ser feitas para auxiliá-lo em sua recepção, além, é claro, da grande questão: Quantas pessoas estarão presentes?
De maneira geral, você pode calcular de 400 a 450 gramas de comida para os homens, de 300 a 400 gramas para as mulheres, de 250 a 350 gramas para as crianças e idosos. Não inclua nesta conta a sobremesa. E seja coerente com a situação: se no ambiente houver apenas amigos, a comilança será, provavelmente, maior do que em um almoço formal de negócios (e a comida poderá ser menos "incrementada..."). Se forem familiares, prepare-se para um ataque à sua mesa. Se bebidas alcoólicas forem servidas antes da refeição, é provável que os convidados se refestelem mais à mesa. Se a quantidade de bebida servida for absurda e todos estiverem bêbados, não cozinhe mais nada e encha a cara também.
Fala a verdade: para quê servir comida se seus convidados estiverem assim?!?
Perguntar se algum convidado tem alguma restrição alimentar é sempre simpático, e pode livrá-lo de situações constrangedoras, como deixar alguém sem opção de comida, ou seja, com fome. Falando em situações constrangedoras, lembre-se de SEMPRE identificar o que você está servindo. Servir bolinhos recheados com camarão sem que nada indique do que se trata e presenciar algum convidado alérgico ao molusco ficar inchado, vermelho, cheio de manchas e protuberâncias horrorosas e com a garganta perigosamente se obstruindo será muito, mas muito desagradável. Vegetarianos e veganos também devem ser considerados, apesar de eu não entendê-los. Quem em sã consciência recusaria um apetitoso filé de picanha mal passada?!? De qualquer forma, lembre-se de preparar opções que não levem carne. No caso dos veganos, nada de origem animal pode ser servido, incluindo-se aí derivados do leite (queijo, manteiga, creme de leite, etc.) e ovos, por exemplo. E tem quem ainda me chame de maluco...

Na dúvida de quanto servir, tenha a certeza de que é melhor sobrar comida ao final do evento do que faltar. O que fazer com o que sobrou? Congele, distribua, doe para instituições do seu bairro. O importante é você preparar (ao menos, tentar com esforço sincero) uma refeição da qual todos terão ótimas lembranças. Vá em frente, encare o fogão com coragem e, principalmente, divirta-se! E nunca é demais lembrar...qualquer dúvida, entre em contato e...Chame o Chef!! 
Você não precisa esperar até 5 de novembro para doar alimentos...procure em seu bairro, com certeza tem alguém que precisa!

domingo, 3 de junho de 2012

FILÉ MIGNON



_Uau, que filé, hein?
A frase acima pode ser usada em diversas situações. Alguns homens (nada elegantes, é preciso dizer) se referem às moças bonitas com esse termo, e me parece que infelizmente já não é raro encontramos moças utilizando-se da péssima cantada para se referir aos moçoilos de boa aparência. Um belo gol também pode ser chamado de filé (“você viu aquele gol ontem? Filé, cara!”), assim como um bom emprego (rapaz, arrumei um emprego muito bom, filé mesmo...!”). A comparação é clara: o termo filé é sempre usado popularmente para se referir ao melhor de algo ou de alguma coisa, porque o filé é, de longe, o corte bovino mais apreciado no Brasil (acredito que no mundo...).
 O Filé Mignon é o número 5
Filé Mignon. Entre os apreciadores do delicioso pecado da carne, não há dúvidas ou contestações: o pedaço mais gostoso, suculento e saboroso do boi é o filé mignon. Melhor ainda se mal passado, para alguns (eu incluso), quase ou totalmente cru (adoro um bom carpaccio...), para outros, bem passado (nunca vou entender...). Para o cozinheiro, trabalhar com filé mignon é o paraíso. É uma carne de aparência nobre, macia, fácil de trabalhar, não precisa de nada além de sal e pimenta-do-reino para deixá-la com sabor impecável. Sucesso garantido.

O grande problema para os admiradores desta parte do boi costuma ser um só: o preço. Realmente, o preço do filé mignon limpo e já cortado costuma assustar até os mais abastados donos de restaurantes – pode custar entre quarenta e sessenta reais! Ou compramos a peça inteira ou precisamos desembolsar uma fortuna para termos à disposição um belo e vistoso pedaço de carne. Mas comprar a peça inteira também não sairá muito caro? E o que fazer com tanta carne?
O quilo do filé mignon (peça inteira) nos mercados costuma custar algo entre vinte e cinco e quarenta reais, o que significa dizer que uma peça de pouco menos de dois quilos pode custar mais de setenta reais. E você ainda precisará limpar e cortar toda a peça. Depois de cortar a peça, será necessário embalar e congelar os pedaços cortados que não serão devorados naquele instante. Será mesmo que vale a pena todo esse custo e trabalho, afinal?  
Vale. Vale muito. Mas só vale se você souber limpar corretamente a carne, perdendo no máximo de 10 a 15% do peso total da peça, e depois cortá-la adequadamente, respeitando o tamanho e o formato da carne. A peça de filé mignon pode ser dividida, grosseiramente falando, em três partes: a “cabeça” é o chateaubriand (de 350 a 400g, em geral), parte da peça que pode ser preparada inteira ou cortada em tournedos (200 a 250g), medalhões (de 90 a 120g) , escalopes ou escalopinhos (ambos são cortes transversais à fibras da carne, e pesam entre 60 e 70g) . O “corpo” é perfeito para fazer lindos medalhões e tournedos, além do chateaubriand. E a “cauda” pode ser cortada em escalopes, escalopinhos ou em emincè, que são iscas de filé, aquele corte que você utiliza para preparar um estrogonofe. 


Para preparar um carpaccio, congele a carne enrolada em papel alumínio, bem apertada. Depois de congelada, corte a carne em fatias bem finas e sirva de acordo com sua receita. Simples e delicioso.
Depois de limpar e cortar a carne em pedaços, basta envolver cada pedaço em filme plástico e congelar. Se quiser, pode já temperar a carne com sal e pimenta-do-reino, mas não se esqueça de etiquetar cada pedaço, anotando a data de congelamento e se a carne já está temperada.
Limpar e cortar um filé mignon não é difícil. Com um pouco de prática, é um trabalho até fácil e rápido, e um bom corte valoriza muito o produto. Veja como fazer:
Uma peça de pouco menos de 1,5kg

Deslize a a faca por debaixo da fibra
Limpe bem a carne com o mínimo de desperdício possível

     Receitas com filé mignon são inúmeras. Do carpaccio ao Filé Wellingnton (filé mignon envolto em massa folhada), há um mundo de sabores esperando para ser preparado, degustado e servido por você. Arrisque-se! 
Filé Wellington




quinta-feira, 3 de maio de 2012

LOMBO DE PORCO COM DAMASCOS



Para quem acompanha este blog, já sabe que o preconceito com a carne de porco não é algo que me incomode, já que é pura bobagem. Muito pelo contrário, a carne de porco é saudável e, se bem feita, fica muito macia e saborosa. Ou você consegue ficar impassível ao sentir o inebriante cheiro do bacon dançando na chapa escaldante do botequim? E ainda nem falamos da calabresa, do toucinho crocante, das bistecas grelhadas, da costelinha ao molho barbecue, do pernil assado, do leitão à pururuca, da feijoada...quem resiste a estas tentações, afinal?!? Recentemente, durante minhas férias, fui a Campos do Jordão rever antigos lugares e velhos amigos naquela cidade onde passei alguns dos melhores anos de minha vida, onde comecei a cozinhar de verdade, onde conheci minha esposa e onde me casei. E foi nesta cidade onde eu preparei meu primeiro prato, digamos, “gastronômico”. E a carne que preparei era carne de porco. Vou contar como aconteceu e, ao final do texto, postarei uma receita inspirada neste prato, ok?
Depois de passar seis meses aprendendo a cozinhar e cozinhando de fato no Grande Hotel Senac de Campos do Jordão, período que durou o curso de Cozinheiro Básico, nosso último dia de curso/cozinha nos reservava a melhor parte (ao menos para mim, que aguardava este dia com ansiedade): a prova final. Neste último dia, cada aluno recebia dois convidados para um almoço nas dependências da instituição, em um almoço servido pelos formandos do curso de garçom. Era um acontecimento, em um ambiente decorado, com cardápio na entrada, garçons circulando pelo salão e recepcionista na porta. Éramos doze alunos, o que significava que cada um de nós tinha que elaborar e preparar um prato em quantidade suficiente para servir a todos os presentes: vinte e quatro convidados, mais seis “jurados” que iriam dar a nossa nota final e mais nós mesmos, os doze alunos. Quarenta e dois pratos para cada aluno, sendo que todos os pratos poderiam ser servidos ao mesmo tempo, devendo sair da cozinha impecavelmente iguais quanto ao sabor, apresentação e temperatura.
O Grande Hotel, em Campos do Jordão
Cada pessoa presente ao almoço poderia pedir o prato que quisesse aos garçons, mas é claro que os convidados (com algumas surpreendentes exceções) pediram o prato de quem os convidara e, no final, cada aluno serviu em média apenas de seis a oito pratos – cada jurado, é claro, pediu TODOS os pratos do cardápio. Mas precisávamos estar todos preparados para servir as quarenta e duas pessoas se por acaso isso acontecesse, e os chefs/professores estavam todos de olhos atentos a qualquer deslize de seus alunos.
Os alunos eu (acima, à esq.), Marcelo (abaixo), um quarto traseiro de boi pendurado, Fábio e o cozinheiro/professor  Zé Fernandes, em dia de curso no açougue do hotel.
Éramos informados desta prova final já no primeiro dia de curso e teríamos todo o período de duração das aulas para elaborarmos e aprimorarmos algum prato de nossa escolha, sem restrições. Ao final das apresentações deste primeiro dia, fui à biblioteca buscar inspiração – naquele tempo (o ano era 2001), acredite, a internet ainda não era essa fonte impressionante, inesgotável e nada confiável de pesquisas, esse assombro de hoje em dia. Eu, aliás, ainda prefiro pesquisar em livros quando o assunto é gastronomia. E foi em um livro da conceituada escola francesa de gastronomia “Le Cordon Bleu” (Le Cordon Bleu - Todas as Técnicas Culinárias, de Jeni Wright e Eric Treuille, editora Marco Zero) que me deparei com uma foto daquele que decidi que seria o meu prato na prova final: um tenro lombo de porco recheado com damascos e folhas de sálvia.
O livro "Le Cordon Bleu - Todas as Técnicas Culinárias"
Treinei o preparo do lombo por pelo menos quatro vezes no decorrer do curso, avaliando, provando, escolhendo o melhor molho (teria molho?) e quais as guarnições que o acompanhariam. Me decidi por servi-lo com arroz de ervas frescas e batatas duchèse. Um prato simples, mas confesso que fiquei preocupado em servir carne de porco no dia do grande evento final. O lombo deveria estar no ponto exato, nem muito assado para não ficar rijo, nem pouco assado, já que seria imperdoável – e perigoso - servir carne de porco mal assada. Por “imperdoável” leia-se: “Você conseguiu ser reprovado no curso depois de seis meses ralando em uma cozinha! E que cozinheiro você pensa que é se serve aos seus convidados uma carne que pode ser perigosa para a saúde deles?!? Você está louco?!? ”. Foi para evitar algum discurso similar que eu pratiquei – bastante - naquela cozinha. Pratiquei até o último dia de curso, esperando o momento mais aguardado pela maioria dos alunos e candidatos a cozinheiros.
A cozinha poucas vezes esteve tão quente, agitada e insana como naquele dia. Tínhamos, cada um dos alunos, uma “praça” à disposição: um fogão de quatro bocas, um forno, uma grelha, panelas e utensílios à vontade. A tensão dos alunos, alguns mais outros mais ainda, deixava o ar ainda mais nebuloso. A fumaça que subia das grelhas e frigideiras e se misturava ao vapor úmido sobre as panelas de pressão e panelões de caldo fervendo em dezenas de bocas de fogão criava aquilo que eu chamo de “fog gastronômico”. Uma névoa cheirosa e mágica. E tensa. Risadas altas, choros contidos, suor, sangue (sempre acontece numa cozinha...), ansiedade, euforia, tristeza por ser aquele o último dia juntos depois de seis meses, incertezas em relação ao futuro...tudo isso junto na minha cabeça e eu ainda tinha que me concentrar em servir o mais perfeito lombo de porco recheado que os convidados e jurados jamais haviam provado até então. 
Os pedidos começaram a chegar do salão. Muitos pedidos, muita agitação, muito trabalho a fazer.
_Edu, pediram dois pratos de lombo recheado na mesa 3! – essa era a mesa onde estavam minha mãe e minha irmã, minhas convidadas. Os primeiros pedidos, claro, só poderiam ser delas. Cortei o lombo, arrumei dois pedaços em cada prato, retirei as batatas no forno, enformei o arroz, despejei o molho de damasco que acabei inventando em cima da hora e pedi ao garçom para levar os dois primeiros pratos.
Assim que o garçom atravessou a porta com meus dois pratos na bandeja, resolvi fazer algo básico: provar o lombo que havia servido. Ops. Sem sal. Completamente sem sal. Nunca entendi o porquê, afinal deixei os lombos em uma marinada por quase dois dias. Corri ao salão, tomando o cuidado para não ser visto pelos chefs/professores, cheguei ao lado de minha mãe e comentei:
_Sem sal, né? – não era bem uma pergunta, apenas uma afirmação aguardando confirmação.
_Um pouquinho, filho. – Minha irmã concordava com a cabeça. “Um pouquinho”, vindo da boca de sua mãe e da cabeça concordante da sua irmã quer dizer “MUITO sem sal”.
Corri de volta à cozinha, retirei do forno os outros dois lombos que ainda estavam inteiros, salguei-os um pouquinho e temperei com pimenta-do-reino moída diretamente sobre eles. Fatiei-os e corrigi novamente o sal. Quando os pedidos dos jurados chegaram, o lombo estava perfeito! Ufa! O serviço correu perfeitamente, os pratos saíram em poucos minutos, todos elogiaram e rasparam seus pratos. Para um cozinheiro, não há melhor elogio do que um prato vazio, raspado até a última migalha, até o último vestígio de comida. Tudo perfeito, menos o fato que minha mãe e minha irmã comeram um lombo insosso, quase sem sabor. Ficou a lição – lição que, aliás, era exaustivamente repetida pelos cozinheiros do hotel durante o curso: SEMPRE prove o prato que você vai servir. E, claro, faça isso ANTES de servir! Você NUNCA saberá ao certo como está a comida se não PROVÁ-LA. Lição aprendida, bola prá frente.
Opa, calma lá...não foi isso que eu quis dizer com sempre provar a comida...
Depois do sucesso daquele dia, refiz o lombo recheado por diversas vezes, e resolvi postar aqui uma versão um pouco mais simples daquela servida no almoço em Campos do Jordão. Digo mais simples apenas porque não será preciso amarrar o lobo depois de recheado, já que não serão dois cortes horizontais nas laterais da carne, e sim apenas furos por onde serão colocados s damascos. E resolvi envolver o lombo com bacon, porque assim não tem como dar errado, certo? Dito isso tudo, vamos à receita.
Para fazer o seu esplendoroso lombo de porco recheado com damascos e envolto em bacon você irá precisar de:
·         1 lombo de porco de aproximadamente 800g
·         10 a 15 damascos
·         300g de bacon em fatias
·         Vinho branco seco para a marinada
·         2 cebolas e 1 cabeça de alho
·         Salsinha e cebolinha
·         Sal e pimenta-do-reino
Prepare a marinada onde o lombo deverá ficar até o dia seguinte, dentro da geladeira: tempere o lombo com sal e pimenta-do-reino. Pique a salsinha e a cebolinha e passe sobre o lombo. Faça furos por sobre a carne, onde posteriormente serão colocados os damascos. Coloque-o em uma tigela com as cebolas cortadas e os dentes de alho inteiros (amasse-os um pouco para liberar o sabor) e adicione vinho branco seco até completar ao menos 2/3 da tigela. Cubra com papel alumínio e leve à geladeira. Vire a carne de vez em quando. No dia seguinte, retire o lombo da marinada e preencha os furos com os damascos. Coloque as fatias de bacon ao redor e asse por cerca de uma hora e meia em forno baixo. Se quiser dourar mais, aumente a temperatura do forno até que doure. Para acompanhar, as opções são muitas: arroz branco, arroz à grega, farofa, batatas assadas...é um excelente prato para o fim de ano, e, para beber, também são diversas as opções, como um bom e encorpado vinho tinto, um vinho branco doce ou um espumante bem gelado. Mãos à obra, treine, pratique e bom apetite!
O lombo na marinada, o bacon em fatias e os damascos
Coloque os damascos nos furos da carne:
Envolva o lombo com bacon:
E assim ele vai ficar depois de assado:

         
          Arrisque-se na cozinha!! Abraço a todos!!




domingo, 1 de abril de 2012

HISTÓRIAS DE BAR & MINI-POLPETONES RECHEADOS COM MOLHO PESTO


Outono em Campos do Jordão: imperdível! 
Durante o tempo em que fui proprietário de um café-lanchonete-bar na cidade de Campos do Jordão, o saudoso Trilili Café, me aperfeiçoei na função de atender - bem e com prazer - a todo tipo de público. Estudantes universitários, empresários, advogados, excursões de terceira idade, skatistas chapados, roqueiros, pagodeiros, menores de idade querendo mentir a idade para tentar um golinho só de cerveja (o que nunca conseguiram no Trilili, eu garanto), desocupados, travestis, prostitutas, turistas, gente da terra, gente fina e gente grossa. Eu já aprendera a gostar de atender as pessoas nos anos em que meu pai e eu possuíamos uma pastelaria na Rua Teodoro Sampaio, em Pinheiros, São Paulo. Mas, na pastelaria, o público era quase que totalmente formado por músicos que iam comprar instrumentos nas lojas da rua e músicos que trabalhavam vendendo instrumentos musicais para outros músicos.

O movimento no Trilili era eclético, mas organizado. Às segundas e terças-feiras nós recebíamos os cozinheiros e garçons dos hotéis e restaurantes da cidade. Quarta-feira era a noite dos empresários, donos de pousadas, proprietários de restaurantes tradicionais da cidade e comerciantes em geral. As noites de quinta eram animadas, com shows variados e público idem. Sextas e sábados, você deve imaginar, eram noites de baladas, e não raro eu ficava até quase seis horas da manhã trabalhando – e bebendo. Estudantes universitários e desocupados em geral compareciam todos os dias – e noites, claro. Domingo nos dávamos ao luxo de não abrir o Trilili Café, motivo de reclamações de muitos clientes que se diziam “órfãos dominicais”.
O Trilili Café, em Campos do Jordão...quem viveu, viu...
Um dos grandes baratos em ter um negócio de balcão, como era o caso, é você poder despender um tempo de prosa com seus clientes e mergulhar em suas vidas que, com a ajuda generosa do álcool, passeiam voando rasante direto para o interior de seu ouvido. Histórias tristes, melancólicas, alegres, saudosistas, esperançosas, duvidosas, histórias alegres, escancaradamente mentirosas, surpreendentemente verdadeiras, interessantes, chatas. Mas, nas ocasiões em que eu e minha esposa éramos “descobertos” como cozinheiros, ela recém-saída do Grande Hotel Senac para abrirmos nosso negócio e eu cozinheiro recém-formado, as coversas se resumiam a uma só: gastronomia. 
Muitas receitas foram trocadas nas mesas do Trilili Café. Outras foram formuladas, aperfeiçoadas ou simplesmente descartadas. Impressionante como algumas pessoas têm verdadeira paixão pela gastronomia, sempre querendo saber mais, as novidades, as receitas tradicionais, os pratos de determinado restaurante. Donos de churrascarias argentinas se encontravam com proprietários de restaurantes franceses, italianos, brasileiros. Um dos mais animados era o baixinho e roliço Dadão, que sempre que aparecia vinha acompanhado da sócia e de alguns dos empregados de seu estabelecimento, o Brigitte, um lindo e elegante restaurante instalado a caminho do Horto Florestal, em um local belíssimo. Ele adorava entrar em um restaurante italiano, por exemplo, e pedir um clássico francês, só prá ver a cara do garçom. Algo como ir numa pizzaria e pedir ao garçom Lagosta ao Termidor. Se o garçom se saísse bem nas explicações, tinha grande chance de ser incluído na folha de pagamento do divertido restaurateur.
Era noite de segunda quando Dadão adentra o Trilili com toda a sua trupe de cozinheiros e garçons e me diz sorridente e com ar desafiador:
_Edu, abre aí umas seis cervejas e manda uma dose da sua melhor cachaça. Uma dose, não. Traz logo a garrafa! Ah, e me traga dois polpetones recheados com queijo, por favor.
Polpetone recheado com queijo
Eu não servia polpetones. Eu tinha salgados, porções, sanduíches, doces e todo o tipo de bebida. Polpetone, não. Dadão sabia que não tínhamos polpetones no cardápio, mas aquele pedido soou como um desafio ao recém-formado cozinheiro. Eu poderia simplesmente avisá-lo de que eu não fazia polpetones, mas não foi o que fiz. Afinal, fazer polpetones não é nada complicado. Grosso modo, são almôndegas grandes. Eu havia feito aproximadamente 50 hambúrgueres há poucos instantes, eles já estavam embrulhados no freezer mas ainda não estavam congelados completamente. Nosso hambúrguer era, modéstia à parte, uma delícia. Cem gramas de acém moídos por duas ou três vezes, muita salsinha e cebolinha bem picadas, sal e pimenta-do-reino moída na hora. Chefs e donos de restaurantes vinham ao Trilili para degustar lanches como o cheese Trilili burguer ou o cheese Trilili escarola com bacon.
Retirei quatro hambúrgueres do freezer e dei uma corrida à churrascaria Pequena Querência, que ficava ao lado do Trilili e era tocada pela família do Gaúcho, todos muito simpáticos conosco desde quando abrimos as portas. De vez em quando, de madrugada, o Gaúcho aparecia em meu bar com um pobre infeliz apanhado pela gola da camisa e me “devolvia” o cliente. Alguns clientes (geralmente estudantes) simplesmente não aguardavam na fila do banheiro e tinham a brilhante ideia de esvaziar suas bexigas na lateral da churrascaria, na calçada, bem ao lado de onde o Gaúcho, sua esposa e suas duas filhas dormiam. Alceu, o Gaúcho, claro, não gostava nada desta história. Mas mesmo assim ele e sua família eram muito amistosos conosco, e não houve problemas em me arrumar um pouquinho do molho de tomate que Maria, sua esposa, havia preparado para a janta daquela noite. Abusei da boa vontade deles e ainda pedi umas folhinhas de manjericão e um prato fundo.
Nosso molho de tomate...
De volta ao Trilili Café, desembrulhei os quatro hambúrgueres já totalmente descongelados, misturei-os em uma tigela e fiz duas bolas de carne de tamanhos iguais. Abri cada bola com o rolo e coloquei queijo no centro de cada uma. Fui generoso com o queijo. Depois, foi só fechar as bolas de carne e voilá: dois lindos e enormes polpetones recheados com queijo que, depois de prontos, seriam servidos com o delicioso molho caseiro de Maria Gaúcha, requentado no microondas e servido no prato fundo momentos antes e decorado com folhas de manjericão. Tive que fazer na chapa mesmo, já que não possuíamos fogões no Trilili. Quando Dadão cortou seu primeiro polpetone, o queijo derreteu perfeita e lindamente, unindo-se ao molho e me fazendo lembrar de que deveria ter servido algumas fatias de pão junto. Mais uma rápida corrida ao restaurante vizinho e logo retorno com algumas torradinhas do couvert alheio. Perfeito. Quando você vê o proprietário de um restaurante que você admira comendo a sua comida e se deliciando, a sensação é boa demais!
O Restaurante Brigitte: assim como o Trilili, ficou na memória de quem conheceu
Dadão me confessou depois que realmente não esperava que eu lhe servisse os polpetones, e ficou surpreso e agradecido pelo prato servido. A partir daquele dia, sempre que ia ao Trilili café, Dadão me ligava antes avisando que iria e eu lhe preparava e servia os polpetones. Fiz meu próprio molho de tomate caseiro e o congelei em porções individuais, cada porção suficiente para apenas um prato. As torradinhas de acompanhamento continuaram sendo retiradas do couvert do Gaúcho que, apesar da relutância em receber uns dois reais pelos pães, acabava sempre aceitando o dinheiro com sorriso amarelo.
_Vai lá, tchê, servir teu prato! – era o que ele dizia enquanto derramava um pouco do excelente azeite de oliva por sobre cada torradinha.
Foi lembrando destes fatos que resolvi postar aqui a receita – facílima – dos mini-polpetones recheados com molho pesto que fizemos aqui em casa outro dia (sei que vão me criticar por batizar o prato de mini-polpetone, afinal, a terminação “one” em italiano sugere um formato grande. É assim também com o conchiglione e o farfalone, por exemplo. Talvez fosse melhor batizar o prato de polpetine, mas tenho receio em derrapar no italiano, língua que desconheço quase que completamente...).
Então, vamos lá. Para preparar os mini-polpetones recheados com molho pesto para 5 pessoas você irá precisar de:
- 1 kg de carne moída
-150 ml de molho pesto (30g de nozes, ½ maço de manjericão, sal, azeite de oliva, alho)
-molho de tomate
-Farinha de rosca ou de pão de forma ralado
-1 ovo
-5 dentes de alho
- 2 cebolas
-salsinha/ cebolinha
-folhas de manjericão para decorar
-sal
-pimenta
Façamos primeiro o molho pesto: triture um pouco de nozes (ou pinholes, ou amêndoas, ou até mesmo castanha de caju), pique bem o manjericão e dois dentes de alho. Coloque tudo em uma tigela, acrescente um pouco de azeite e misture bem, adicionando sal aos poucos. O molho deve ter a consistência um pouco espessa, não muito rala. Prove o sabor, que não deve ficar muito salgado. Não coloquei as medidas aqui porque realmente vai depender do seu gosto. Em geral, para 150ml de azeite, use uma dúzia de nozes, meio maço de manjericão e dois dentes de alho. Sal, a gosto. Esse será nosso recheio. Reserve.
Vamos aos polpetones (veja as fotos no final do texto):
Em uma tigela, coloque a carne moída, o ovo, salsinha e cebolinha bem picadas, o alho também bem picado, sal e pimenta (foto 1). Misture tudo e adicione aos poucos a farinha de rosca ou o pão de forma ralado. Quando estiver bem consistente, faça pequenas bolas de carne. Abra cada bola na palma da mão, recheie com uma colher (café) de molho pesto e molde as bolas com o recheio dentro (foto 2). Frite os polpetones imersos em óleo bem quente. Assim que corarem, retire-os do óleo (foto 3). Em uma panela à parte, esquente o molho de tomate (melhor se for caseiro, sempre...). Coloque os polpetones no molho de tomate e deixe o molho engrossar um pouco, em fogo baixo. É isso, está pronto. Sirva em um prato fundo, com folhas de manjericão decorando e, se quiser dar um toque ainda mais especial, polvilhe um bom queijo parmesão ralado na hora e leve ao forno para gratinar. Aqui em casa, servimos com penne al dente (foto 4).
Fica aí a sugestão para você que, quando encontra aquela bandejinha de carne moída escondida no congelador, não consegue pensar em outra coisa que não seja um molho bolonhesa...E, lembre-se: o recheio dos polpetones pode ser feito com qualquer coisa que você goste! Ouse! Grande abraço a todos.
Os ingredientes
foto 1
foto 2
foto 3
foto 4

quinta-feira, 8 de março de 2012

ATENDIMENTO NÃO É TUDO, MAS É 100%

O título deste texto é inspirado no nome de um clássico da cultura brega nacional: o disco “O dinheiro não é tudo, mas é 100%”, de 1994, do “bonito, lindo e joiado” (nome de seu primeiro disco), músico, compositor, ator, autor e arquiteto Marcondes Falcão Maia, o hilário Falcão. De sua maneira única, Falcão deixa claro que dinheiro, claro, não é tudo na vida. Mas tê-lo é 100%, ou seja, ter dinheiro é bom demais da conta! Como este é um blog sobre gastronomia e não um blog financeiro...O atendimento não é a única preocupação que devemos ter em um restaurante. A comida deve ser boa, o ambiente deve ser agradável, a decoração deve agradar a todos, os cozinheiros devem ser ágeis e hábeis, devem ser impecáveis a administração de materiais, de recursos humanos, de marketing...tudo isso é essencial. Cada um desses fatores, assim como o atendimento, têm que ser 100% para o restaurante funcionar de maneira adequada, ou seja, para que o restaurante abra as portas e dê lucro.
Falcão, o cearense "bonito, lindo e joiado"
Diariamente, uma das tarefas mais persistentes e árduas de meu trabalho atual é manter a equipe focada no atendimento. Atender bem o cliente é fundamental, como já escrevi antes aqui neste blog. E, acredite, não é uma tarefa fácil. São horas de trabalho em pé na frente dos clientes e dos frequentadores do shopping, preparando, picando, salteando, cozinhando, temperando, servindo, sorrindo...enfim, não é simples manter todos concentrados e focados em cada atendimento e sempre lembrando-os de que CADA cliente é o nosso MELHOR cliente...Ao escrever o texto deste blog, minha intenção era a de escrever sobre a fantástica e picante gastronomia mexicana, mas alguns acontecimentos me levaram a discorrer novamente sobre (mau) atendimento. A história que segue é verídica, talvez acrescentada de pitadas de sutil dramaticidade para dar um sabor mais leve e pitoresco. Ao final do texto, receitas mexicanas para você saborear.

Dias atrás, enquanto eu praticava aquela caminhada diária (não tão diária assim...) recomendada pelo médico, passei em frente a um restaurante novo, muito pequeno, bem arrumadinho, espremido entre uma pastelaria e outra lanchonete também bem simples. Para minha agradável surpresa, notei tratar-se de um restaurante mexicano (difícil não notar a decoração com sombreros, fotos desérticas e desenhos de pimentas) e, melhor, não pertencia a uma daquelas famosas redes de franquias. Dias depois, como eu estava decidido a escrever sobre a cozinha mexicana, resolvi levar minha esposa para um final de tarde agradável no local recém-inaugurado. Minha intenção era a de, entre mordidas e bocadas suculentas de tacos e burritos e goles de chope gelado, as ideias para escrever o texto me viessem à cabeça.
Nossa última experiência anterior em um restaurante mexicano aqui na cidade, este sim pertencente a uma grande rede de franquias, não havia sido muito agradável, especialmente pelo desastroso atendimento e a impressionante impressão de descaso com os clientes. Era uma segunda-feira, e nós dois e mais um amigo éramos os únicos clientes. Não pelo fato de estar vazio, mas pelo total abandono do local, a impressão que ficou foi péssima. Banheiros sujos, garçons conversando entre si e esquecendo-se dos (únicos) clientes, pratos errados trazidos à mesa...enfim, toda essa situação acabou com nossa experiência naquele local, apesar de a comida ser boa e a margherita farta e gelada.
Mas, neste restaurante novo, a situação era outra. Era uma sexta-feira de carnaval, quase oito horas da noite, o sol há pouco ainda judiava das carcaças dos habitantes de São José dos Campos, e havia mais clientes no local – um bom sinal. Dentro do restaurante, das quatro mesas disponíveis, duas estavam ocupadas por grupos de amigos. Do lado de fora, próximo à calçada, escolhemos uma das seis pequenas mesas e nos sentamos. Pouco tempo depois, mais duas pessoas ocuparam uma das mesas de fora. Ao nosso lado, nas mesas da calçada, os clientes da pastelaria conversavam bastante animados, e do outro lado, as mesas vazias da lanchonete.
Um tempo depois de nos sentarmos, chega o garçom. Suado. Muito suado. Suando em bicas. Realmente molhado. Parecia um atleta em final de maratona. Alguém deveria ter dado a ele, junto com kit básico do garçom – abridor, isqueiro, caneta -, uma toalhinha para trabalhar...mas, como o calor estava realmente de matar, tudo bem. Ele nos entregou o cardápio (até bem extenso) e sumiu antes de eu conseguir pedir um chope. Chamei ele correndo, pois minha garganta estava seca como carne de sol pendurada no varal por nove dias. Aproveitamos e pedimos dois chopes e dois tacos de carne com tutu de feijão. Picante, muchacho.
Os pedidos chegaram à mesa, pedimos mais dois chopes, uma margherita, um burrito de filé mignon e nachos com algumas salsas (molhos) de acompanhamento, entre elas um tradicionalíssimo guacamole. Antes de concluirmos o pedido, tivemos o cuidado de perguntar se havia guacamole, e o garçom prontamente respondeu que “é claro, né, senhor!”...Me senti um estúpido, afinal quem poderia imaginar um restaurante mexicano sem abacates para o guacamole dos clientes?!?
Passados dez minutos, o garçom-maratonista volta à mesa com os chopes e nos informa que, infelizmente, os abacates haviam acabado, e não seria possível servir o guacamole. Como nosso desejo era justamente pelo clássico mexicano, cancelamos o pedido dos nachos, pois as outras salsas (sour-cream e tomates) não nos despertaram interesse. Dois minutos se passaram até que o garçom viesse com a boa notícia de que eles haviam “encontrado” (?!?) um pouco de guacamole, e poderiam nos servir. “Tá bom, então pode trazer...” Aproveitei e já pedi mais dois chopes, já que a demora era de quase vinte minutos, naquele calor...
Margherita (ou margarita): Forte e refrescante
O garçom voltou depois de muito tempo, trazendo os chopes, o burrito, os nachos acompanhados de guacamole, molho de tomates e sour-cream. “Mas e a margherita?”
_Margherita? – surpreendeu-se o garçom
_É, a margherita que pedimos há algum tempo – respondi.
_Achei que você tinha cancelado o pedido da margherita quando cancelou o pedido dos nachos, antes de eu te dizer que tinha encontrado o guacamole... – enrolou-se o garçom...- “Mas posso trazer daqui a pouco, quer?”
_Não, obrigado...só me traz mais dois chopes, por favor – lamentei. Esse simples erro do garçom fez o restaurante deixar de arrecadar mais de vinte reais. Com um garçom desses, a concorrência agradece.

Quando provamos os nachos, o guacamole realmente estava muito bom (embora em pouquíssima quantidade). O molho de tomate, bem razoável. O sour-cream, horrível. Era um chantilly salgado, sem acidez nenhuma. Chamamos o garçom:
_Este sour-cream está muito ruim, me desculpe. Está puro chantilly! – disse minha esposa. Nós conhecemos o sabor de um bom sour-cream. Aquele molho, definitivamente, não era sour-cream...e estava, realmente, ruim.
_Esse molho é assim mesmo... – disse o garçom, sem aparentar constrangimento.
_Você tem certeza?
_Tenho sim. Esse molho é assim mesmo!
_Assim como? Ruim?!?
_É. Muitos clientes reclamam.
_Ah, tá...pode mais trazer mais dois chopes, por favor?
Garçom! Tem alguma coisa errada neste molho...
Quando estávamos bebendo nossos dois últimos chopes (que demoraram – de novo - mais do que o desejado), eis o acontecimento mais surreal da noite: bem em nossa frente, pela calçada (pois as vagas na rua estavam ocupadas), um carro preto todo reluzente e imponente, passa lentamente em nossa frente, fazendo barulho, como se a calçada fosse sua rua particular. Dirigindo, um rapaz não muito bem encarado, não muito bem vestido, com a grande barriga sobrando na camiseta curta e os (poucos) cabelos compridos presos em um ralo e mal feito rabo-de-cavalo. Ao seu lado, uma mulher loira igualmente com cara de poucos amigos, com o cotovelo apoiado para fora do carro, encarando a todos enquanto desfilavam pela improvisada passarela urbana. Ao passar pelo restaurante onde estávamos, vejo a luz de ré se acender e juro que logo pensei que iria presenciar uma chacina carnavalesca. Na verdade, ele estava estacionando seu possante ao lado das mesas do restaurante mexicano, bem onde a pastelaria havia colocado suas mesinhas e que agora estavam cheias de clientes. Ao lado da mesa onde EU estava.
Estacionar na calçada: por que alguns PENSAM que podem?!?
Foi uma correria. Todos se levantaram e arrastaram as mesas e cadeiras para que o espertão e sua cúmplic...ops, companheira pudessem deixar descansar o carrão com rodas de Saturno e pintura com pigmentos platinados de pó de Júpiter. Na mira de alguns olhares espantados e de outros nada amistosos, saíram ambos do carro e entraram no local onde eu comia. “Pronto, vai começar a chacina...”, pensei. A mulher ficou em uma mesa do lado de fora, com uma garrafinha de água balançando em uma das mãos, e o sujeito entrou cumprimentando secamente os garçons. Passou reto por nossa mesa sem sequer notar nossa presença, deu a volta no balcão, abriu o caixa e começou a contar o dinheiro. Aquele só poderia ser o assaltante mais tranqüilo e cara de pau do mundo. Errei. Era o próprio dono do restaurante que estava ali, contando dinheiro na frente de todos os clientes, depois de sua chegada triunfalmente inusitada e equivocada.

Na hora de pagarmos a conta fomos até o caixa, onde o proprietário agora estava instalado, com a inocente boa intenção de “darmos uns toques” ao homem, afinal, eu e minha esposa somos cozinheiros, sabemos fazer um molho sour-cream delicioso e adoramos ser bem atendidos quando comemos fora de casa. Mas a indiferença dele quanto a nossa observação ao molho foi tão arrogante que preferimos deixar prá lá. Saímos arrependidos de termos pago os 10% da conta.
A cidade onde moro, infelizmente, ainda está anos aquém do desejado no quesito “atendimento”. Lojas de roupas, de material de construção, de móveis, de utensílios domésticos, lanchonetes, restaurantes...a grande maioria ainda não sabe valorizar seu cliente como ele realmente merece ser tratado. E o que você pode fazer a respeito disso? É simples: não volte ao lugar onde foi mal atendido (eu costumo voltar mais uma vez, como uma “segunda chance”...) e, importante, faça o seu desagrado chegar ao conhecimento do proprietário. Dê esta chance ao pobre homem (ou mulher) que, às vezes, não percebe que seu negócio pode estar indo para o beleléu. Se este não demonstrar interesse em sua reclamação, paciência.
Para aqueles que ficaram com vontade de saborear alguns quitutes da extraordinária gastronomia mexicana, vou postar aqui as receitas que compõem uma perfeita entrada mexicana: tortillas (com as quais você faz nachos, flautas e tacos), o tradicional guacamole, a salsa ranchera (um molho de tomate, ótimo para acompanhar tortillas) e o verdadeiro – e delicioso - sour-cream. Aproveite!
tortillas
TORTILLAS
Se você não possui um cilindro manual de massas em sua casa, talvez seja melhor optar por comprar tortillas prontas ou Doritos® no supermercado, que também vão muito bem com as salsas que você irá preparar. Você pode tentar utilizar o rolo de macarrão, mas o resultado raramente fica satisfatório...Esta receita eu faço de olho, portanto as medidas não são muito exatas. Sinta a massa em suas mãos para avaliar quando ela está pronta. Deve ser uma massa lisa, de cor levemente avermelhada. Para prepará-la, você precisará de:
250g de fubá
1kg de farinha de trigo
450ml de água, aproximadamente
250ml de óleo de soja (atenção: óleo de soja! Não terá o mesmo resultado se você utilizar óleo de girassol ou de canola, por exemplo. Por quê? Não sei, mas já fiz o teste e realmente não funciona...)
Sal e colorau o quanto baste
Misture 700g de farinha de trigo, 200 ml de água e os outros ingredientes. O restante da farinha e da água você vai colocando aos poucos, e somente se necessário. Quando a massa estiver lisa e homogênea, envolva-a em filme plástico e deixe na geladeira por pelo menos 40 minutos. Abra no cilindro, deixando-a bem fina. Se for fazer nachos, corte a massa em triângulos. Para os tacos e flautas, corte círculos. Ponha para assar no forno, sempre verificando o ponto da massa, que deve ficar crocante. Os nachos devem ficar bem crocantes, quebrando mesmo. Tacos e flautas devem ainda estar flexíveis, certo?
guacamole
GUACAMOLE
1 abacate maduro
3 tomates
1 cebola pequena (opcional)
3 limões
Sal e molho de pimenta: o quanto baste
Pique os tomates (melhor se retirar a pele e as sementes) em cubos bem pequenos e rale a cebola. Amasse o abacate, tempere com sal e molho de pimenta a gosto (eu uso Tabasco), junte os pedacinhos de tomate e cebola, adicione o suco de 3 limões (coloque aos poucos: o molho deve ser levemente azedinho e picante) e leve à geladeira. Sirva frio.
salsa ranchera
SALSA RANCHERA
Este molho é super simples de se fazer e uma delícia se bem feito. Você precisará de:
5 tomates
20ml de azeite
10 ml de vinagre
Açúcar, pimenta Jalapeño e sal: o quanto baste
Frite os tomates sem pele e sem sementes (o que os gastrônomos chamam de tomate concassé) no azeite, até formar um purê. Tempere com o sal, e adicione o açúcar, as pimentas picadas e o vinagre. Misture tudo muito bem e coloque na geladeira. Sirva frio.
sour-cream
SOUR CREAM
Para o molho sour-cream, você precisará de poucos ingredientes:
 Creme de leite sem soro (150g – ½ caixinha)
 Cream cheese (200g)
 Sal e pimenta-do-reino, o quanto baste
 Suco de 3 limões
Basta bater rapidamente no mixer ou no liquidificador e pronto. Atenção: bata rapidamente, ou seu molho se transformará em um chantilly salgado, horrível como o servido pelo restaurante. Este molho também é conhecido como creme azedo, portanto, deve ficar bem azedinho, certo?
Então, mãos à obra! Espero que realmente façam esta entrada em suas casas, que gostem e que os elogios à sua comida mexicana venham com sinceridade. Arriba