sábado, 22 de junho de 2013

COMIDA DE PASSEATA

Vem prá rua...mas alimente-se!
Depois de anos dormindo em berço esplêndido, o gigante despertou para uma nova era. Já era tempo, Brasil! Eu assisti de camarote as passeatas pelas eleições diretas, lembro-me perfeitamente de palanques compostos por Ulisses Guimarães, Tancredo Neves, Brizola, Montoro, Suplicy, Fernando Henrique Cardoso, Lula (pois é, quem poderia imaginar...), Mário Lago, o doutor Sócrates, Chico Buarque, entre muitos outros notáveis - e outros nem tanto. Isso é democracia! E me lembro do povo nas ruas, lutando pelo direito de poder votar em seus representantes. Lembro-me da frustração de não termos conseguido, naquele ano, as tão almejadas eleições diretas para Presidente da República. Lembro-me das eleições indiretas que opuseram Paulo Maluf e Tancredo Neves, este último encarnando todas as esperanças brasileiras. E, mais uma vez, a frustração com a morte do recém-eleito Tancredo, a choradeira nas ruas, o hino cantado por Fafá de Belém, a bandeira do Brasil protegendo centenas de pessoas contra a chuva na Capital Federal...
 Eu era novo nesta época – tinha de 12 para 13 anos, mas, anos depois, nas manifestações pelo impeachment do então presidente Fernando Collor, eu estava nas ruas. Já tinha votado para presidente e para um congresso que escreveria uma nova constituição – as passeatas dos anos anteriores não tinham sido em vão, afinal. Lembro-me dos panfletos explicando o que era um impeachment, a estranheza que essa palavra causava aos nossos ouvidos, do ódio e a vergonha que senti por me sentir enganado, afinal, eu tinha votado em Collor no segundo turno – a outra opção seria Lula. Seríamos, então, caras-pintadas de verde e amarelo para tentar retirar do poder o canalha que nós havíamos colocado lá (e que hoje, vejam só, é senador da República...Acorda, Brasil!). Collor convocou a nação a sair vestidos com as cores da bandeira nacional e todos saíram de preto – e, naquela época, não havia facebook nem outra espécie de comunicação em massa. Estávamos todos na mesma sintonia. No dia 29 de setembro de 1992, eu e mais uma dezena – que logo se transformariam em centenas, milhares, centenas de milhares, milhões – estávamos na Avenida Paulista acompanhando a votação no congresso que culminaria com o impeachment do presidente. Desse dia, tenho várias recordações.

Lembro da alegria nos rostos pintados, do aplauso coletivo, dos apitos, da agradável tempestade de papel picado sobre nossas cabeças, do choro alegre que tomou conta de todos nós, do sentimento de que, unidos, jamais seríamos vencidos, do orgulho de ser brasileiro, e me lembro, também, de um sentimento menos nobre: lembro-me de que, naquela hora, eu estava com fome. Muita fome.
Descendo um pouco a Rua Augusta, parei num carrinho de lanche e comi dois cachorros-quentes, que não me foram cobrados pelo vendedor em êxtase. Hoje, nas manifestações, há pouquíssimos carrinhos nas ruas ou comércio aberto ou, se há, são logo fechados com medo das ações criminosas dos vândalos covardes que se aproveitam da multidão para se esconderem e praticarem seus atos imbecis. Naquela época, também houve tumulto, eu me lembro. Mas pelo menos eu pude matar a minha fome. Pensando nisso, resolvi escrever para você, que está indo às ruas defender e lutar por nossos direitos e que, depois de algum tempo, encontra-se faminto no meio de alguma rua com comércios fechados.
Se você tiver uma daquelas bolsas térmicas, perfeito! Embrulhe em papel alumínio um sanduíche de pão de forma integral, recheado com queijo branco, peito de peru, cenoura ralada, um tomate finamente fatiado e uma folha de alface americana. Faça alguns desses lanches e distribua para seus colegas de manifestação! Se você não quiser tão saudável, faça um lanche de salame com queijo provolone num pão francês e embrulhe-o em alumínio (adoro!). Frutas são excelentes. Eu vi na televisão uma senhora em Fortaleza que levava na mochila um frango com farofa, sem nenhum cuidado...aí já é demais! Mas, um salpicão de frango é uma boa. Acondicionar a comida em alumínio e sacolas térmicas é importante para você não comer algo que te pegue de surpresa numa vontade incontrolável de ir ao banheiro – nossas ruas, como sabemos, não têm banheiros públicos, embora muitos façam dela um imenso mictório a céu aberto. Higiene e segurança dos alimentos, em qualquer ocasião.
Em resumo, a comida de passeata é a mesma que você levaria para um delicioso pic nic ao ar livre, lembrando-se de não levar nada que possa se tornar “arma” nas mãos dos mais exaltados, como garrafas de vidro e latas de alumínio. Comidas leves, nada de comidas "com sustância", pesadas, difíceis de serem digeridas. Salgadinhos (melhor escolher os assados), bolachas salgadas e doces, pães de queijo, pedaços de bolos, tortas, frios em geral, tudo é válido. Leve a comida, e leve o lixo de volta para casa. Acrescente na sua cesta um pouco de vinagre, eficaz contra os efeitos do gás lacrimogêneo lançado por alguns policiais nesta que já está sendo chamada de “A Revolução do Vinagre”. Água e suco também ajudam na hidratação e podem te aliviar no calor das ruas efervescentes por mudanças. Quer ser simpático? Leve algumas flores para distribuir. Brade retumbantemente, vá para as ruas, mas seja consciente e alimente-se bem!
Se você tiver um espírito empreendedor, prepare os lanches, embrulhe-os, coloque-os num isopor e vá prá rua ganhar um dinheirinho! Mas cobre um preço justo para não virar você alvo dos manifestantes.
Tomate e ovo, você também pode levar, mas apenas use-os no caso de encontrar pela frente algum ilustre político do naipe de um José Dirceu, Collor, Maluf, Renan Calheiros, Zé Genuíno, enfim, destes maus exemplos que merecem uma recepção “orgânica”.

Não sou nenhum Martin Luther King, mas eu também tenho um sonho: sonho como seria bonito milhares de pessoas sentadas nas ruas e avenidas, com suas cestas de comida (e toalhas bordadas, por que não?!?), oferecendo e trocando comidas entre palavras de ordem! Sonho com a Avenida Paulista transformada num imenso parque, com famílias, amigos e desconhecidos realizando o maior pic nic da história! Sonho com a polícia distribuindo brigadeiros e beijinhos (os doces) ao invés de sprays de pimenta e bordoadas. Sonho com manifestantes comemorando debaixo da chuva de papel de balas ao invés de se desviando das balas de borracha. Enfim, sonho com um Brasil melhor, com um povo educado, culto, honesto. E com uma classe política que finalmente represente seu povo. E sonho acordado, porque o Brasil não pode dormir de novo. Isso não!


Nenhum comentário:

Postar um comentário