Vem prá rua...mas alimente-se! |
Depois
de anos dormindo em berço esplêndido, o gigante despertou para uma nova era. Já
era tempo, Brasil! Eu assisti de camarote as passeatas pelas eleições diretas,
lembro-me perfeitamente de palanques compostos por Ulisses Guimarães, Tancredo
Neves, Brizola, Montoro, Suplicy, Fernando Henrique Cardoso, Lula (pois é, quem
poderia imaginar...), Mário Lago, o doutor Sócrates, Chico Buarque, entre
muitos outros notáveis - e outros nem tanto. Isso é democracia! E me lembro do povo nas ruas, lutando pelo direito de poder
votar em seus representantes. Lembro-me da frustração de não termos conseguido,
naquele ano, as tão almejadas eleições diretas para Presidente da República.
Lembro-me das eleições indiretas que opuseram Paulo Maluf e Tancredo Neves, este
último encarnando todas as esperanças brasileiras. E, mais uma vez, a frustração
com a morte do recém-eleito Tancredo, a choradeira nas ruas, o hino cantado por
Fafá de Belém, a bandeira do Brasil protegendo centenas de pessoas contra a
chuva na Capital Federal...
Eu era novo nesta época – tinha de 12 para 13
anos, mas, anos depois, nas manifestações pelo impeachment do então presidente
Fernando Collor, eu estava nas ruas. Já tinha votado para presidente e para um
congresso que escreveria uma nova constituição – as passeatas dos anos
anteriores não tinham sido em vão, afinal. Lembro-me dos panfletos explicando o
que era um impeachment, a estranheza que essa palavra causava aos nossos
ouvidos, do ódio e a vergonha que senti por me sentir enganado, afinal, eu
tinha votado em Collor no segundo turno – a outra opção seria Lula. Seríamos,
então, caras-pintadas de verde e amarelo para tentar retirar do poder o canalha
que nós havíamos colocado lá (e que hoje, vejam só, é senador da
República...Acorda, Brasil!). Collor convocou a nação a sair vestidos com as
cores da bandeira nacional e todos saíram de preto – e, naquela época, não
havia facebook nem outra espécie de comunicação em massa. Estávamos todos na
mesma sintonia. No dia 29 de setembro de 1992, eu e mais uma dezena – que logo se
transformariam em centenas, milhares, centenas de milhares, milhões – estávamos
na Avenida Paulista acompanhando a votação no congresso que culminaria com o
impeachment do presidente. Desse dia, tenho várias recordações.
Lembro
da alegria nos rostos pintados, do aplauso coletivo, dos apitos, da agradável tempestade
de papel picado sobre nossas cabeças, do choro alegre que tomou conta de todos
nós, do sentimento de que, unidos, jamais seríamos vencidos, do orgulho de ser
brasileiro, e me lembro, também, de um sentimento menos nobre: lembro-me de que,
naquela hora, eu estava com fome. Muita fome.
Descendo
um pouco a Rua Augusta, parei num carrinho de lanche e comi dois cachorros-quentes,
que não me foram cobrados pelo vendedor em êxtase. Hoje, nas manifestações, há pouquíssimos
carrinhos nas ruas ou comércio aberto ou, se há, são logo fechados com medo das
ações criminosas dos vândalos covardes que se aproveitam da multidão para se
esconderem e praticarem seus atos imbecis. Naquela época, também houve tumulto, eu me
lembro. Mas pelo menos eu pude matar a minha fome. Pensando nisso, resolvi
escrever para você, que está indo às ruas defender e lutar por nossos direitos
e que, depois de algum tempo, encontra-se faminto no meio de alguma rua com comércios
fechados.
Se
você tiver uma daquelas bolsas térmicas, perfeito! Embrulhe em papel alumínio
um sanduíche de pão de forma integral, recheado com queijo branco, peito de
peru, cenoura ralada, um tomate finamente fatiado e uma folha de alface americana. Faça alguns
desses lanches e distribua para seus colegas de manifestação! Se você não
quiser tão saudável, faça um lanche de salame com queijo provolone num pão
francês e embrulhe-o em alumínio (adoro!). Frutas são excelentes. Eu vi na
televisão uma senhora em Fortaleza que levava na mochila um frango com farofa,
sem nenhum cuidado...aí já é demais! Mas, um salpicão de frango é uma boa. Acondicionar
a comida em alumínio e sacolas térmicas é importante para você não comer algo que te pegue de
surpresa numa vontade incontrolável de ir ao banheiro – nossas ruas, como
sabemos, não têm banheiros públicos, embora muitos façam dela um imenso
mictório a céu aberto. Higiene e segurança dos alimentos, em qualquer ocasião.
Em
resumo, a comida de passeata é a mesma que você levaria para um delicioso pic nic
ao ar livre, lembrando-se de não levar nada que possa se tornar “arma” nas mãos
dos mais exaltados, como garrafas de vidro e latas de alumínio. Comidas leves, nada de comidas "com sustância", pesadas, difíceis de serem digeridas. Salgadinhos
(melhor escolher os assados), bolachas salgadas e doces, pães de queijo, pedaços de bolos,
tortas, frios em geral, tudo é válido. Leve a comida, e leve o lixo de volta
para casa. Acrescente na sua cesta um pouco de vinagre, eficaz contra os
efeitos do gás lacrimogêneo lançado por alguns policiais nesta que já está
sendo chamada de “A Revolução do Vinagre”. Água e suco também ajudam na hidratação
e podem te aliviar no calor das ruas efervescentes por mudanças. Quer ser simpático? Leve algumas flores para distribuir. Brade retumbantemente, vá para as ruas, mas seja consciente e alimente-se bem!
Se
você tiver um espírito empreendedor, prepare os lanches, embrulhe-os,
coloque-os num isopor e vá prá rua ganhar um dinheirinho! Mas cobre um preço
justo para não virar você alvo dos manifestantes.
Tomate
e ovo, você também pode levar, mas apenas use-os no caso de encontrar pela
frente algum ilustre político do naipe de um José Dirceu, Collor, Maluf, Renan
Calheiros, Zé Genuíno, enfim, destes maus exemplos que merecem uma recepção “orgânica”.
Não
sou nenhum Martin Luther King, mas eu também tenho um sonho: sonho como seria bonito
milhares de pessoas sentadas nas ruas e avenidas, com suas cestas de comida (e
toalhas bordadas, por que não?!?), oferecendo e trocando comidas entre palavras
de ordem! Sonho com a Avenida Paulista transformada num imenso parque, com
famílias, amigos e desconhecidos realizando o maior pic nic da história! Sonho
com a polícia distribuindo brigadeiros e beijinhos (os doces) ao invés de
sprays de pimenta e bordoadas. Sonho com manifestantes comemorando debaixo da
chuva de papel de balas ao invés de se desviando das balas de borracha. Enfim,
sonho com um Brasil melhor, com um povo educado, culto, honesto. E com uma
classe política que finalmente represente seu povo. E sonho acordado, porque o
Brasil não pode dormir de novo. Isso não!
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