Existem pessoas que passam pela vida e transformam o mundo. Transformam conceitos, transformam opiniões, oferecem novas possibilidades de pensar e agir, definem seu tempo. Sendo este um blog apaixonado pela gastronomia em todos os seus aspectos, não pude resistir à tentação de contar aqui, da maneira mais breve possível, a vida de um ícone gastronômico: Antonin Carême, o “rei dos cozinheiros e o cozinheiro dos reis”.
Nascido em Paris, filho de pais miseráveis que o abandonaram nas ruas da “Cidade Luz” no ano de 1792, em meio aos caos que imperava devido à Revolução Francesa, Carême foi buscar auxilio em um restaurante barato da capital francesa, onde foi contratado como auxiliar de cozinha em troca de ter o que comer e onde dormir. Em 1798, um famoso pâtissièr da época, Sylvain Bailly, o contratou como aprendiz. Foi então que Carême começou a fazer fama com esculturas detalhadas em açúcar, massas e marzipans, suas famosas pièces montées. Com sua obsessão por arquitetura histórica, criava obras de arte comestíveis em forma de templos gregos, pirâmides e ruínas antigas, e alguns de seus trabalhos, de tão meticulosos, sólidos, bem elaborados e perfeitos, serviam como pista de dança onde cortesãos se apresentavam para o entretenimento do rei. Logo, todos comentavam entusiasmados sobre as esculturas na vitrine da loja de Bailly, sinal de que já estava sendo escrita a história: Paris nunca mais seria a mesma depois de Carême.
Foi Carême quem deu à gastronomia o status de arte. Foi o primeiro chef-celebridade, e soube se aproveitar da fama cobrando caro para trabalhar para clientes como o imperador Napoleão Bonaparte, o banqueiro James Mayer Rothschild, o Czar Alexandre I e o príncipe regente George IV, do Reino Unido.
Napoleão, profundo conhecedor das artimanhas diplomáticas, não era lá muito chegado em questões culinárias, mas compreendeu como poucos a importância de contar com um excelente cozinheiro sob seus domínios (a conversa não fica sempre mais fácil depois de uma boa refeição?). Em 1804, Carême foi então enviado para uma propriedade fora de Paris, chamada Château de Valençay, uma espécie de centro de atividades diplomáticas. Talleyrand, político e diplomata francês responsável pela propriedade, logo pôs as habilidades de Carême para serem testadas: ele deveria criar um menu para o ano inteiro, sem repetição e usando apenas os produtos da estação. Passou no teste, claro. Finda a temporada na cozinha de Talleyrand no Château de Valençay, a fama do cozinheiro já havia atravessado as fronteiras da França, e o mundo gastronômico entrava em uma nova era.
Aos 48 anos de idade, Carême morreu vítima do veneno da fumaça tóxica dos carvões que queimavam nos fogões que o lançaram à fama. A ele é creditado a criação do “toque” (o tradicional chapéu de chef), a criação do vol-au-vent (uma evolução fantástica no preparo da massa folhada) e a elaboração e difusão da estrutura das refeições no modo como conhecemos hoje, com entrada, prato principal e sobremesa. Foi o inventor do suflê e do merengue, e foi o primeiro a exigir que se usassem uniformes em sua cozinha. Criou centenas de sopas, embora sua fama seja mesmo de pâtissièr. Criou ainda novos molhos e pratos, publicou uma classificação de todos os molhos em grupos, baseado em 4 molhos básicos, utilizados até hoje. Escreveu “L'Art de la Cuisine Française” (1833-34), uma obra em 5 volumes que ensinava como planejar cardápios e como organizar uma cozinha, além de contar a história da gastronomia francesa e que ainda incluía, claro, centenas de receitas. Foi ele também o primeiro a designar o que fazia de “nouvelle cuisine”, expressão que ficou mundialmente conhecida ao expressar uma ruptura nos padrões gastronômicos vigentes.
É pouco ou quer mais? Perfeccionista, incansável na busca pela perfeição, Carême definitivamente transformou a gastronomia mundial e dividiu sua história em AC/DC (antes de Carême, depois de Carême). É com esse espírito inovador e revolucionário que todos nós, profissionais da área ou não, devemos encarar nossas cozinhas. Da próxima vez que for preparar aquele seu prato que faz sucesso, inove nos ingendientes, capriche na apresentação, descubra novos sabores e espalhe a notícia. É claro que sempre há o risco de algo não dar certo...então, se não ficar bom, não precisa espalhar, combinado? Mas não deixe de tentar! E não se esqueça, se precisar de ajuda, Chame o Chef! Abraços a todos!
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