sexta-feira, 26 de junho de 2015

SE JOGA: UM MUNDO NOVO A CADA DIA

 
A humanidade vem experimentando sabores desconhecidos desde...Bem, desde que somos humanidade. Primeiro, claro, por necessidade, pois era um instinto natural e vital comer o que se apresentava à frente para colhermos, pescarmos ou caçarmos. Assim fomos aprendendo quais alimentos podíamos comer tranquilos, quais nos deixavam enjoados ou doentes e quais acabariam por ser a nossa última refeição. Depois descobrimos os sabores que mais nos agradavam, e descobrimos que podíamos prepará-los de maneiras distintas, transformá-los e deixá-los ainda mais gostosos! Aprendemos que comer poderia ser, além de uma necessidade, um prazer (ou deveria ser, sempre), e então nos lançamos aos mares na busca por sabores inéditos, novas especiarias e novos ingredientes e assim novos mundos foram descobertos. Se houvéssemos descoberto algum ingrediente excepcional na Lua, teríamos hoje voos regulares até lá apenas para termos acesso ao sal lunar ou a salsinha celeste, pode ter certeza (tudo bem, não precisa ter certeza, mas a ideia é legal ou não é?!?).   
 
Enfim, o que estou querendo dizer é que tudo, sem exceção, TUDO o que comemos hoje, teve que ser provado pela primeira vez, algum dia, por alguém, em algum momento, certo? Quem descobriu o frescor da hortelã ou o adocicado do abacate? E quem foi o primeiro a arrancar uma mandioca do solo e prová-la? Escargots, quem teve a coragem de comê-los primeiro? Trufas? Rãs? Pizza? Cérebro de macaco? Rúcula, quem se ajoelhou na terra, colheu e provou pela primeira vez seu gostinho amargo e delicioso? E o gênio que fritou a primeira batata, quem foi?
Provar uma comida nova, um sabor desconhecido, é algo extraordinário – apesar de nem sempre agradável. Infelizmente não trago na memória a lembrança de cada primeira vez que experimentei algum prato novo, mas me lembro, sim, de algumas dessas vezes. Lembro-me da primeira vez que minha mãe serviu folhas de alcachofra apenas com azeite, limão e sal. Estranhei, chiei, e, depois, adorei. A primeira vez que comi banana amassada com aveia em flocos foi minha avó quem serviu, no sítio em Sorocaba. Foi no sítio também que comi minha primeira manga no pé, sentado no tronco da árvore. Strognoff foi amor à primeira bocada: “O que é isso aqui, mãe?” “Champignon, meu filho, experimenta”. Enlouqueci, raspei o prato e pedi mais. E com batata palha. Batata palha! Aquilo sim era uma novidade boa demais! E o que dizer da primeira vez que provei aquelas barrinhas de chocolate recheadas com marzipã, da Kopenhagen? Não fossem tão caras teriam se tornado um vício.
Alguns alimentos, entretanto, não foram assim tão arrebatadores em minhas primeiras impressões. Abobrinha, que hoje eu adoro, definitivamente não fazia parte das minhas comidas favoritas quando garoto. O mesmo vale para alho, brócolis e coração de frango. Cebolas demoraram a aparecer no meu prato, já que eu sempre pedia à minha mãe que preparasse “bife acebolado sem cebola”. Língua de boi eu adorava, até um dia entrar na cozinha e vê-la ali, repousada em uma bacia, inteira, como uma língua deve ser, e em pé, a seu lado, nossa sorridente empregada Terezinha (queridíssima) empunhando uma enorme faca afiada. Cena de filme de terror. Só então associei o nome à comida. Fiquei anos sem degustar língua, que hoje em dia, quem diria, eu adoro novamente.
 
Geralmente fica mais fácil de lembrarmos qual nossa sensação ao provar algo novo quando o fato ocorreu em alguma viajem. Lembro-me perfeitamente de como gostei daquele marreco em Brusque, Santa Catarina, quando viajei até Blumenau para a Oktoberfest. Blumenau que foi, aliás, palco da minha primeira degustação de um saboroso joelho de porco, perfeitamente preparado pelos alemães e alemãs vestidos à caráter – e, acho, já meio bêbados. Leite condensado com Nescau foi em Barra Bonita que provei pela vez. Foi ali também que pesquei, fritei e comi minha primeira sardinha, no limpo Rio Tietê (bons tempos...)!  Minha primeira fondue de queijo foi em Curitiba, com meus pais e minha irmã, na segunda metade dos anos 80, e foi paixão à primeira mergulhada de pão crocante no queijo derretido. 
Alguns restaurantes também são responsáveis por “primeiras vezes” inesquecíveis. Me lembro da primeira vez que provei o famoso contra-filé do Sujinho, em São Paulo. Fantástico. Do Mercado Municipal de São Paulo, impossível não recordar do primeiro pastel de bacalhau e do primeiro lanche de mortadela. A primeira pizza de mussarela no Michellucio, que já encerrou as atividades. O primeiro filé mignon que comi no Rubayat, Deus do céu, o que era aquilo?!? Amém. A primeira sopa de shimeji servida no pão italiano do saudoso Restaurante Champignon, em Campos do Jordão, foi também marcante. E quem se lembra do seu primeiro hambúrguer no McDonald’s? Eu me lembro, pois quando era garoto ainda não existiam McDonald’s tupiniquins e, quando finalmente abriram as portas por aqui, devo ter comido uns cinco ou seis hambúrgueres com picles (que, para mim, era outra deliciosa novidade, além daquele queijo cremoso e o pão com gergelim) de uma vez. Hoje, passo longe.
É claro que você não precisa – e nem deve – sair por aí provando tudo à torto e à direito. Eu tenho comigo uma regrinha simples, que garante, quase sempre, a minha integridade estomacal, intestinal e/ou até psíquica: experimento de tudo, desde que eu veja alguém comendo antes, para eu ver como se come e se realmente é comestível. Muitas das coisas que eu provei eu provavelmente (notem o uso do “provavelmente”) nunca mais comerei novamente. Sabe por quê? Porque eu não gostei. Sabe como eu sei? Porque eu provei. Nada me deixa mais doido do que aquela história de “Não comi e não gostei.”! Se você estiver em viagem, pode ser até falta de educação se recusar a provar algum prato típico que para nós pode soar, digamos, exótico demais. Encare o desafio e prove, quem sabe você gosta? Mas prove de mente aberta, sem cara feia, sem preconceitos tampouco nojinhos infantis.  Quem mandou você viajar para a Coreia do Norte? Agora prove os cachorrinhos...
Brincadeiras à parte, provar um novo alimento é, além de uma ótima chance de conhecer um novo sabor, uma deliciosa oportunidade de conhecer mais sobre a cultura de um povo, seus hábitos e costumes. O povo de uma região costuma ter orgulho de seus pratos típicos, e prová-los in loco, junto a este povo, é sempre uma experiência inesquecível. Pratos típicos costumam levar, claro, ingredientes típicos, e carregam consigo não só o sabor descoberto e aprimorado pelos antepassados de uma localidade, mas também suas histórias, segredos e preferências gastronômicas.
Como a grande maioria dos apaixonados pela gastronomia, eu assisto a mais programas relacionados ao assunto do que provavelmente deveria. Em um desses programas (Receitas de Viagens), a chef Bel Coelho preparou e provou ensopado de macaco com os índios Ianomâmis. Segundo ela, estava gostoso. Muito educada a moça. Outro prato provado foi carne de arara, depenada e preparada ali mesmo, o que para muitos de nós pode parecer cruel, mas, ali na tribo, é uma questão de sobrevivência mesmo. A interação da chef com a cultura Ianomâmi foi total e, por isso, emocionante. Em seu programa de viagens “Lugar (In)Comum” gravado na Tailândia, a apresentadora Didi Wagner não teve coragem de provar nenhum dos petiscos servidos na barraquinha que vendia espetinhos de escorpiões, gafanhotos e aranhas, entre outras delícias igualmente atraentes. Mas ao menos ela pagou para alguns corajosos brasileiros que assistiam à gravação e, no final, devo ser justo e dizer que ela provou, sim, uma perninha do gafanhoto: “Humm, crocante!”. Pessoas que são chatas para comer ganharam até seu programa próprio, o “Chato para Comer” – óbvio – apresentado pelo chef francês mais brasileiro do país, Claude Troigros.
Faça um favor a você mesmo. Da próxima vez que for a um restaurante ou fizer uma viagem, prove algo novo. Dê uma chance a novos sabores, aprimore seu paladar. Se ainda não te convenci de que provar algo novo é sempre a melhor pedida, agora vou jogar sujo: pense no seu prato favorito. Picanha na brasa? Lasanha? Sorvete de pistache? Já imaginou se você nunca tivesse provado essas maravilhas? Pois no mundo existem bilhões de pessoas que nunca provaram o seu prato predileto, seja ele qual for. E não estou aqui falando apenas de pobreza, mas de cultura também. Pode ter certeza (e agora pode realmente ter certeza) que algumas pessoas têm como pratos favoritos algo que nós nem imaginamos que exista. Temos que aceitar o triste fato de que, mesmo que pudéssemos provar algo novo a cada dia, sempre haverá algo que nunca teremos noção de como é a sensação de prová-lo, sempre haverá sabores desconhecidos. Então, não perca tempo, se joga no mercado a procurar algo novo para você provar e aproveite, porque existe sempre um mundo novo a ser descoberto. E, se houver alguma dúvida no preparo, não se acanhe: Chame o Chef!