sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

O DIA EM QUE GANHEI O ANO + UMA RECEITA DE BRIOCHE


A razão de eu escrever este blog nunca foi a de relatar experiências pessoais, então vou camuflar este texto com um assunto de grande importância. Pode mudar o título para “A IMPORTÂNCIA DO PROFESSOR NA FORMAÇÃO DO ALUNO”, se desejar.
Na verdade já comentei um pouco sobre o assunto, nos textos “O Mito do Chefe Carrasco” e “Lições de Cima”, mas tenho um pouquinho mais a dizer. A experiência de dar aulas de panificação na Fundação Casa (antiga FEBEM) tem sido muito gratificante, com momentos de tensão, admito. A visão de moleques gritando e correndo pelo pátio em volta da sala onde estou dando aula, suas faces entre os vidros quebrados por onde os alunos tentam passar qualquer coisa escondido do monitor e do segurança, desde um copo com leite, um pedaço de pão ou até um papel em chamas, não é muito animadora, chega a ser assustadora até. Mas imaginem como é ficar do lado de fora de um lugar onde estamos preparando e assando pães quentinhos...Não, a aula não é para todos os internos, e quem fica de fora não fica muito contente, como é de se imaginar.
Por outro lado, ao final de cada aula, são quinze garotos satisfeitos, se não com o aprendizado, com ter alguma coisa diferente para comer naquele dia. Se, entre todos, um ou dois resolver seguir a carreira de cozinheiro, que conquista terá sido! Acha impossível? Pois no final de uma aula na semana que passou, um deles, mirradinho, me chamou de canto e, sorrindo, confidenciou baixinho, para não ser ouvido pelos outros:
_Professor, quando eu sair daqui, vou parar de vender drogas e vou vender brioches!
Foi o dia em que ganhei o ano.
E foi então que me dei conta do que estava acontecendo ali. Não é preciso que nenhum deles venha a trabalhar em uma cozinha profissional, basta dar-lhes uma perspectiva nova de vida. E a cozinha pode oferecer-lhes isso. Fazer pães e salgadinhos pode proporcionar-lhes isso. É aí que o professor entra. Um professor, além de servir de exemplo, deve demonstrar respeito pelos seus alunos, sejam eles idosos, crianças, ricos, pobres. Deve fazer o que for preciso para, mais do que ser correto com eles, parecer correto. É o exemplo. É sua função. Miep Gies, guardiã do diário de Anne Frank (publicado em 1947), disse certa vez que todos nós somos pessoas comuns. Mas que todas as pessoas comuns podem – e devem – ser capazes de acender uma luzinha em uma sala escura. Nada mais correto.
Quantos professores eu tive que me fizeram pensar de maneiras diferentes, sem que para isso eu tenha seguido suas profissões. Lembro-me do professor Cássio, de matemática, que dava aulas na Escola Morumbi. Ele me apresentou ao livro “O Homem que Calculava”, de Malba Tahan. Foram duas descobertas: a leitura e a matemática, que pode sim ser interessante. E o que dizer do professor Mocelin, de história, em Curitiba, com seu jeito eloquente, meio doido mesmo. Floriano, professor de inglês, que aproveitava o fato das aulas serem dadas em um palco, para cem estudantes, e passava uma hora tocando clássicos ao violão, transformando em shows as aulas mais aguardadas pelos alunos. Não vou comentar sobre minha avó, que me deu aulas particulares de matemática quando eu realmente precisava, para não ficar emocional demais. E foram tantos outros professores...
Chega de me desviar do assunto, que, afinal, é gastronomia. Para aqueles que me pedem para postar mais receitas no blog (apesar da minha resistência, pois não gostaria que este se tornasse mais um blog de receitas...), vou então passar a receita que me fez ganhar o ano: brioches. Neste caso, recheados com goiabada.
Brioches podem doces ou salgados, e têm seu lugar na história da humanidade graças à Maria Antonieta, rainha da França pré-revolução, quando pronunciou a célebre frase “se o povo não tem pão, que comam brioches”. Com certeza não foi a melhor frase a ser dita, e o momento não poderia mais inadequado. Não acredito que ela tenha comido mais nenhum brioche nem dito mais alguma frase de efeito após a população revoltada ter separado, na guilhotina, sua cabeça de seu corpo. Ironicamente, o brioche clássico possui uma pequena “cabeça” no topo do bolinho, colocada separadamente do “corpo”. Se já eram feitos assim antes da revolução? Não sei...imagino que sim, prefiro pensar que não: seria uma justa “homenagem” à rainha.
Para fazer o brioche com recheio de goiabada, você vai precisar de:
·         100g de leite (gramas mesmo, pese na balança)
·         35g de fermento biológico fresco
·         200g de manteiga sem sal
·         250g de ovos (uns 5 ovos) + 1 ovo para pincelar
·         70g de açúcar
·         10g de sal
·         500g de farinha de trigo
·         200g de goiabada, picadinha
Misture o fermento com o açúcar em uma tigela e espere até ficar meio líquido. Coloque metade do leite e um pouco da farinha, mexa, formando uma massa meio pastosa, que deve ser coberta com filme plástico até aumentar de volume. Depois coloque o resto dos ingredientes e misture tudo. Quanto à farinha, melhor colocar aos poucos, sentindo a textura da massa. Se não precisar usar tudo, tudo bem. Se precisar de mais, coloque, mas com parcimônia...Faça bolinhas (devem dar umas 20: lembre-se de separar um pouco da massa para as “cabeças” dos brioches). Coloque a goiabada no centro de cada bolinha, faça novamente as bolinhas com o recheio dentro. Coloque as massas recheadas em forminhas – existem formas próprias, mas pode ser de empada -, e pressione com o dedo no centro de cada uma, fazendo um pequeno “furo”. Com a massa restante, faça bolinhas pequenas (as “cabeças”) e encaixe-as nos furos das bolas maiores (fotos 1 e 2).
foto 1

foto 2

Pincele com ovo as bolas e coloque no forno baixo, uns 160ºC. Quando estiverem douradas, estarão prontas (foto 3).
foto 3

ATENÇÃO: cuidado com o recheio de goiabada quente, que queima como fogo na língua!

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

SUA MAJESTADE, O BOI ou TODA CARNE É NOBRE

Amigos e amigas, parece que o pior já passou, mas ainda assim é um escândalo (pode escolher a palavra: assalto, roubalheira, sacanagem, abuso) o preço da carne nos supermercados. Quando eu comecei a escrever este blog, logo na primeira postagem, postei a foto de um canelonni de filé de mignon com uma observação de que você deveria fazê-lo, pois, além de muito saboroso, não pesava muito no bolso. Mas o quilo do filé mignon atingiu a estratosfera, então me vejo obrigado a dar alguma opção (bem) mais barata e, ainda assim, deliciosa.
O brasileiro, em geral, adora carne. Não é o seu caso?!? Tá bom, confesso: EU adoro carne. Me perdoem os vegetarianos e veganos, mas meus dentes caninos necessitam sentir o rasgar de uma carne para satisfazê-los, se possível acompanhada de um suculento, saboroso e vermelho sangue animal. Carne é proteína, e precisamos dela para mantermos nossos corpinhos em pé. Se você quer procurar alguma alternativa protéica à carne, tudo bem, faça-o. Eu entendo e respeito qualquer opção culinária, mas não abro mão da carne em meu cardápio.
Apesar desta paixão pela carne, não faz muito tempo que o brasileiro incluiu o gado em suas refeições cotidianas. Até por volta dos anos de 1920/1930, a carne de gado era muito difícil de ser encontrada pelas cozinheiras de nossas roças, razão pela qual não são muitas as receitas com carne bovina deixadas por elas. A razão para tal fato era que o gado, que vinha do Rio Grande do Sul ou do Nordeste, custava muito caro. Os grandes fazendeiros de São Paulo e aqui da região do Vale do Paraíba possuíam pequenos rebanhos, mas as prioridades para o gado eram outras do que servir simplesmente de alimento. As fêmeas serviam para procriar e dar leite, e os machos para puxar carros-de-boi. Como muitas fazendas da região chegavam a possuir vinte carros-de-boi puxados por quatro bois cada um, percebe-se a importância econômica do boi.
Por esta razão, o gado abatido era constituído basicamente de vacas velhas, que não prestavam mais para procriação, com 15 ou 20 anos de idade. Até hoje o termo “carne de vaca” é usado de maneira pejorativa por este motivo. Os bois trabalhavam a vida inteira, e só eram abatidos quando não conseguiam mais cumprir esta função. Nos dois casos, bois e vacas, a carne era muito dura, tanto pela velhice como pelo esforço a que fora submetido a vida toda.
 
No século XIX até o início do século XX, comia-se muito a carne-seca, e o roceiro dizia que quando tinha carne de vaca fresca na mesa era “dia de rico”, apenas se dando a esse luxo no início da quaresma e nas festas de Fim de Ano. Quando a oferta de carne aumentou na região, o que se comia muito era o que chamavam de “espeto paleolítico”: pedaços de carne enfiados em um espeto e colocados para assar.
Cabe aqui contar um capítulo à parte na gastronomia caipira: a origem do “fogado” ou “afogado”, até hoje muito comum nas roças. Os fazendeiros matavam suas vacas para fazer a carne-seca, guardadas e conservadas no sal. As pernas e patas inteiras eram destinadas aos escravos, que as cortavam em pedaços e as colocavam em grandes panelas para cozinhar apenas com sal. Desta maneira, a carne ficava a noite toda “afogando” em fogo brando para amolecer. Depois de cozida, entrava o molho à base de urucum, alho, cheiro verde, além da alfavaca e hortelã pimenta, plantas que os negros sabiam que ajudavam na digestão. O prato não tinha gordura, apenas o mocotó e o tutano do osso, que lhe conferiam um sabor especial.
Com o aumento do rebanho de gado a partir de 1930, o fogado ganhou o interesse dos políticos por ocasião das eleições, quando era oferecido em troca de votos. Mas como eram muitos eleitores para comer, acabavam usando o boi quase inteiro, descaracterizando a receita original com o uso de carnes mais gordurosas e mais moles. Nas festas religiosas, onde se matavam até 30 bois para servir ao povo, novos elementos entraram na composição do prato, como a batata, o macarrão e a mandioca, dando origem a outro clássico caipira, que ganhou o nome de “Vaca Atolada”.
Vamos deixar a história um pouco de lado, e voltar aos dias atuais. Ainda hoje alguns cortes são classificados como “de primeira” e “de segunda”, criando uma classificação injusta para com algumas partes do boi. Todos admiram o filé-mignon, a picanha e a alcatra, relegando a um segundo plano outras partes, como o acém, a fraldinha e o músculo. Ora, nada mais injusto. O que seria justo dizer é que existem cozinheiros “de primeira” e “de segunda”, até mesmo “de quinta”. O que dizer da costela, que quando bem feita possui sabor e maciez inigualáveis? E do músculo, ingrediente original e essencial do clássico francês “Boeuf Bourguignon”? E o que faz da maminha assada na cerveja um prato menor do que um escalope de filé-mignon? Tudo é uma questão, portanto, de como cada carne deve ser preparada, pois cada corte possui um sabor único, merecedor de sua degustação e aprovação.

Quando fui ao mercado e levei um susto com o preço do filé-mignon, logo procurei uma alternativa para meus caninos sedentos: fraldinha! Um pedaço de mais um quilo de fraldinha custava o equivalente a um mediano medalhão da “nobre” carne. Juro! O modo de preparo? Simples: retirei o excesso de gordura, separei a carne em dois pedaços de pouco mais de meio quilo cada um (fotos 1 e 2), temperei com sal e pimenta-do-reino e “selei”-os em uma panela bem quente, para formar aquela “casquinha” crocante e dourada, cheia de sabor  (foto 3 - para os gastrônomos: lembram-se da reação de Maillard?).
foto 1

foto 2

foto 3

Feito isso, coloquei ambos os pedaços em uma panela de pressão (salvação de toda carne dura...) e cozinhei por meia hora com caldo (pronto) de costela. À parte, fiz um molho branco (molho bechamel: 30g de farinha de trigo, 30 g de manteiga. Deixe cozinhar a farinha um pouco, acrescente 300ml de leite -aos poucos- , misture e cozinhe em fogo baixo, até atingir uma consistência cremosa. Acerte o tempero com noz-moscada e sal) com pedaços de queijo gorgonzola e cubos de bacon. Depois de pronto, decore com salsinha e cebolinha picada. Simples e delicioso (foto 4 - desculpem a falta de nitidez...)! Vale dizer que os pedaços de carne diminuem de tamanho ao cozinhar, então não se assuste com os pedaços de 500g. Pronto! Pode acompanhar uma massa, uma salada ou o que você quiser. No meu caso, comi apenas a carne com o molho de gorgonzola sobre ele, sem acompanhamento algum. Nhac! Viva a carne!
foto 4

Satisfeitos meus instintos carnívoros, ainda havia sobrado metade da carne. Solução para o dia seguinte: desfiei a carne, esquentei o que restou do molho gorgonzola com extrato de tomate e fiz pimentões recheados. Tudo isso por muito menos que trezentos gramas de filé-mignon. Gostou? Então faça, prove e aprove!

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

POSSO FALAR COM O CHEF?

_Posso falar com o chef, por favor?
No Brasil, quando ouvimos essa frase em um restaurante, quase podemos ver um brilho no olhar sádico e uma gotinha de veneno escorrendo em um discreto sorriso na boca do garçom: geralmente, a frase precede a uma reclamação monstruosa e nem sempre educada por parte do cliente em relação a comida que lhe foi servida. E garçom, por alguma razão, ADORA quando o alvo das críticas vem da cozinha e não do salão.

Ouvir reclamações faz parte de uma profissão que lida com pessoas diferentes a cada dia, cada qual com suas preferências, humores, gostos e desgostos. Saber ouvir reclamações (até mesmo quando elas vêm acompanhadas de uma desnecessária grosseria) deveria fazer parte da grade curricular do cozinheiro. Não sabe ouvir reclamações? Está reprovado! Um mesmo prato, preparado da mesmíssima maneira, pode agradar a uns e desagradar a outros. O melhor é que o garçom, antes de sugerir e servir o prato, explique detalhadamente como este será preparado, quais os ingredientes em sua composição e, em alguns casos, qual a maneira correta de degustá-lo.
Não sou um cliente fácil de se agradar, admito. Quando saímos, eu e minha esposa, para comer fora, procuro não criar muitas expectativas, porque detesto ser chato (embora às vezes seja necessário) e adoro comer bem. E não tem nada mais chato do que sentar em uma mesa e ficar pensando (ou pior, falando): eu faria melhor, eu faria de outro jeito, eu faria...já que estamos ali, vamos curtir o momento, perdoar pequenos deslizes. Se aprendemos com nossos erros, aprendemos com erros alheios também. É assim que procuro encarar as falhas (minhas e de outros): uma chance de aprender e melhorar.
Nos melhores restaurantes, toda a equipe de garçons prova cada prato, sabe como foi executada cada preparação, conhece os ingredientes e, quando sugere o prato ao cliente, o faz com conhecimento de causa. Mas mesmo com todas essas preocupações e precauções, as reclamações vão surgir, ou por erro do cozinheiro (acontece, e muito), ou porque o serviço não agradou ou porque o cliente é chato mesmo.

Felizmente, a frase “posso falar com chef?” já não quer dizer única e exclusivamente que a comida não agradou. Pelo contrário, já é comum os clientes tecerem elogios às habilidades culinárias do chef, chamando-o à mesa e fazendo-o corar de satisfação. Não há nada melhor para o cozinheiro do que receber elogios daqueles que acabaram de provar sua comida. Elogios são bem vindos, aliás, em qualquer profissão, mas para o cozinheiro essa costuma ser a única gratificação (além do salário, claro), já que a caixinha raramente (para não dizer nunca) atravessa as portas da cozinha.
Não entendo muito das regras de etiqueta para ofertar um dinheirinho extra ao cozinheiro que preparou aquela comida que você provou e aprovou. Mas posso afirmar que aquela caixinha dada ao garçom JAMAIS chegará ao cozinheiro. Penso que o melhor a fazer é o seguinte: se gostou do serviço, dê a caixinha ao garçom. Se gostou da comida, chame o chef à sua mesa e faça-o saber de sua satisfação e que será dada uma caixinha a ele (dar dinheiro na hora não me parece ser o mais apropriado). Ou dê uma passadinha na cozinha (agora é lei, você tem o DIREITO de conhecer a cozinha do local onde sua comida foi preparada). De qualquer maneira, esforce-se para que da próxima vez em que proferir o famoso “posso falar com o chef?” não seja apenas para criticar. Elogie. Faz bem para alma, sua e a do cozinheiro.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

A PRAIA DO COZINHEIRO

Muito já se falou sobre o quão árduo é o trabalho de um cozinheiro, seja ele um chef ou não. Chegar cedo, sair tarde, trabalhar em um ambiente onde a temperatura não raro ultrapassa os cinqüenta graus centígrados e os humores nem sempre são os melhores, conviver com pessoas que têm como material de trabalho facas afiadíssimas e personalidades distintas (pela minha experiência, posso afirmar: nunca conheci um cozinheiro que fosse assim, digamos, uma pessoa normal. Todos temos – e precisamos de - uma pitada de loucura para suportar a pressão).
E mais: trabalhar enquanto os outros estão se divertindo, dar o sangue e o suor (literalmente) para que aquele momento de descontração dos comensais seja um inesquecível momento de prazer. Dia de folga? Só às segundas ou terças-feiras. Feriado prolongado? Sinal de trabalho dobrado. Natal e Ano-Novo? Pode esquecer...Mas se a cozinha é o escritório do cozinheiro, o que faz este em seus momentos de lazer?
Se for um cozinheiro apaixonado por gastronomia (muitos cozinheiros não o são, infelizmente), aproveitará os curtos espaços de folga para fazer uma visita a um local mágico. Não, não estou falando da “Fantástica Fábrica de Chocolate”, tampouco de Nárnia ou o país das maravilhas de Alice. A praia do cozinheiro, o local onde ele realmente se diverte e sente-se uma criança diante de brinquedos sempre novos e de última geração, só poderia ser o Mercado. Assim mesmo, com letra maiúscula. E quanto mais barulhento e confuso, melhor.
Há dez anos morando no Vale do Paraíba, já fui freqüentador assíduo dos Mercados de Campos do Jordão (ingredientes sempre frescos, apesar do local não ser muito atraente aos endinheirados turistas da cidade), Taubaté e São José dos Campos. Até mesmo as cidades menores têm seu Mercado: Cunha, a “Cidade dos Fuscas”, possui um pequeno mercado onde você encontra de tudo (ok, nem tudo...aliás, não muito) para sua cozinha, além dos apetrechos indispensáveis aos cidadãos, como botas, chapéu de vaqueiro, canivetes e facões. Em recente visita a Natividade da Serra, tive a oportunidade de conhecer o Mercado local. Minúsculo, sem muitas opções, mas ainda assim encantador para um gastrônomo.
Mercado de Campos do Jordão - Precisando de reformas...

Mercado de Taubaté - Inaugurado em 1889, cinco dias antes da proclamação da República

O Mercado de São José dos Campos: desde 1921

Como bom paulistano que sou, não posso deixar de citar o Mercado Municipal de São Paulo, este sim um local onde você encontra de tudo, de todas as procedências, todos os ingredientes e produtos, todo o tipo de gente, aromas ainda desconhecidos e sabores inusitados. Famoso por sua arquitetura e pelos lanches (gigantes) de mortadela e pelos pastéis de bacalhau – que realmente valem o passeio -, o Mercado Municipal é muito mais que apenas um lugar para comer. Andar por entre suas barracas, parar para conversar com os vendedores, aproveitar para saber o que há de novo, provar pequenos e deliciosos pedaços de frutas, queijos, frios e o que mais cair em sua mão, isso tudo é um paraíso para os cozinheiros! Não conhece o Mercadão? Não deixe de visitá-lo, você vai se divertir - mesmo não sendo um profissional da cozinha.
O Mercadão de São Paulo à noite: famoso pelos vitrais, arquitetura e quitutes

E, como bom brasileiro que também sou, preciso citar um local que ainda não conheço pessoalmente, mas sua fama compete com a do Mercadão de São Paulo: o Mercado Ver-o-Peso, em Belém, no Pará. Ali estão os sabores da Floresta Amazônica (são mais de duas mil barracas!), comidas típicas daquela região, peixes e frutas desconhecidas no resto do país. Ou você conhece produtos como taperebá, bacuri e uxi? Isso sem falar no açaí, hoje mundialmente famoso e que pode ser encontrado nas mais variadas versões (os moradores da região – entre eles os índios -, por exemplo, consomem o fruto com farinha de mandioca, como acompanhamento para peixes e carnes. Bem diferente, portanto, da versão mais conhecida por nós aqui do Sul e Sudeste, em forma de polpa e consumido com açúcar e granola).
O Ver-o-Peso, em Belém, Pará: construído em 1625!!

Cada um desses locais merece um artigo próprio, cada um apresenta suas particularidades e peculiaridades, cada um é merecedor de sua ilustre visita. Então, se você tem algum amigo cozinheiro, ou se você mesmo é um apaixonado pela gastronomia, já sabe qual programa escolher. E olha que nem falamos das feiras-livres, outra grande atração gastronômica presente em todas as cidades do Brasil e que também merecem uma atenção toda especial – a sua.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

FASES GASTRONÔMICAS – RECEITA DE COXINHA DE FRANGO

Durante nossas vidas, passamos por diversas fases, de todos os tipos e espécies. Temos, claro, as fases físicas: nascemos, viramos crianças lindinhas, adolescentes chatinhos, jovens cheios de razão e revolucionários, adultos ambiciosos e conservadores. Passamos também por aquelas fases em que preferimos a praia ou a montanha, o calor ou o frio, noites badaladas ou de sossego. Frequentamos locais específicos em determinadas épocas, escolhemos amizades que não nos acompanharão por toda a vida. Temos as fases de filmes: hoje gostamos mais de comédias, mas já fomos admiradores de dramas, aventuras, filmes de ação, filmes nacionais, franceses, filmes “cabeça”, filmes bobos, e por aí vai.
E atravessamos também por fases gastronômicas. Podemos ficar dois meses sem comer carne bovina, e algum tempo depois não conseguimos passar um dia sequer sem a visão esplendorosa de um filé mal-passado, sangrando, quase mugindo...Algumas fases são voluntárias, modismos, outras nos chegam sem nos darmos conta. Pois eu estou agora na fase coxinha. De duas semanas para cá, parece que o salgado empanado mais popular do Brasil me persegue sistematicamente.
Na semana que passou, fiz o “teste da coxinha” para um jornal de São José dos Campos e Taubaté (veja no site da Rede Bom Dia, “versão impressa”, publicada em 07/02: http://www2.redebomdia.com.br/flip/sjcampos/2011/2/7/index.html). Como se não bastasse comer 16 coxinhas em 2 dias, fui surpreendido pelos meus alunos da Fundação Casa (antiga FEBEM): a aula seria de panificação, mas os rapazes, naquela fase de revolução, promoveram uma insurreição interna, da qual não sobraram ingredientes para fazermos os pães. Solução encontrada pelo professor aqui: vamos fazer coxinha!
Cabe aqui um parênteses: não me interessa saber quem estragou os produtos, ou o quê motivou a rapaziada a incendiar colchões e mesas. Me interessa, sim, dar uma nova perspectiva aos internos, ensinar-lhes algo que pode ser útil não só a eles, mas para a sociedade em geral (claro: se eles aprendem a fazer salgados, se interessam e têm a oportunidade – que talvez nunca tenham tido – de ajudar financeiramente suas famílias, a sociedade perderá um potencial criminoso para ganhar um cozinheiro. Não seria fantástico se tudo funcionasse assim?!?). Então não pensem que estou sendo bonzinho, estou pensando também no bem estar de todos nós.
Já que quando não se pode vencê-los, o melhor é unir-se a eles (estou falando da coxinha e de sua perseguição à minha pessoa), resolvi postar aqui a receita de coxinha que, espero, dará um novo alento a essas crianças (pois é, são crianças sim, mesmo que, ao olhar nos olhos de cada um, percebo mais experiências vividas do que em muitos de nós, adultos (in)conformados) e, quem sabe, a você leitor:
INGREDIENTES:
Recheio:
1 peito de frango
1 cebola média
Cheiro verde (salsinha/cebolinha)
1 tomate não muito maduro
Massa:
750 ml de água
500 g de farinha de trigo
2 tabletes de caldo de galinha
150 g de manteiga
Para empanar:
Ovo (apenas a gema, à qual que você pode acrescentar leite ou água para render um pouco mais)
Farinha de rosca
Modo de preparo:
Em uma panela (funda, para fazer menos sujeira), coloque a água, a manteiga e o caldo de galinha. Quando começar a ferver, acrescente a farinha de trigo e mexa rapidamente com uma colher de cabo longo (para não se queimar...). Rapidamente uma massa homogênea se formará, que se desgruda facilmente da panela. Pronto: a massa está feita. Deixe esfriar um pouco para conseguir trabalhar com ela. Para o recheio, basta cozinhar bem o peito de frango, até ser possível desfiá-lo sem dificuldade. Refogue a cebola cortada em pequenos cubos (para os gastrônomos: brunoise), acrescente o frango desfiado e, no final, o tomate também em cubinhos. Desligue o fogo, adicione o cheiro verde bem picado e acerte o sal (lembre-se que a massa está com caldo de galinha; cuidado com o sal, portanto). Modele as coxinhas com o recheio dentro , passe-as na gema de ovo, na farinha de rosca e frite em óleo quente.
Acabou? Acabou. Fácil demais, não é? Essa receita rende ao menos 100 coxinhas de festa (aquelas pequenas) ou 15 grandes (aquelas de padaria). E não se esqueça: você pode variar o recheio, colocar camarão, catupiry, lombo desfiado, etc. E tem mais: com essa mesma massa, você pode fazer risólis (carne moída fica muito bom como recheio) e bolinhas de queijo! Mãos à obra!!

sábado, 5 de fevereiro de 2011

ORGANIZANDO A DESPENSA

Quando o assunto é comida, uma das lembranças que trago da infância são os ataques noturnos à geladeira. Em casa ou no sítio, os ataques eram meticulosamente articulados e executados por mim, minha irmã e meus primos. Em casa, lembro-me de criar alguns códigos que fariam inveja a Samuel Morse, inventor do mais famoso deles. Como meu quarto e o quarto de minha irmã eram separados apenas por uma parede, tínhamos combinado algumas batidas na parede, cada qual com seu significado. Uma batida: “Vamos atacar a cozinha!”; duas batidas: “Ainda não, acho que mamãe ainda está acordada...”; uma batida, uma pausa, duas batidas: “Vamos logo!”, e assim por diante.
Não raro éramos flagrados em pleno delito, mas isso não importava. E as batidas na parede, que julgávamos serem audíveis apenas por nós, crianças, eram alvo de questionamentos maternos: “O que é que está acontecendo aí?”. “Nada, mãe...”. Na verdade, esses “assaltos” não rendiam mais que um danoninho e um Yakult, mas tinham um sabor todo especial.
Já adolescente, descobri que, além da geladeira, tínhamos também uma despensa! Uau! Um mundo de novas possibilidades se escondia atrás da porta do armário! Agora eu podia fazer lanches, me lambuzar com geléias e enlatados. Mal sabia eu que trinta anos depois essa mania de fuçar a despensa e preparar alguma coisa rapidamente me seria útil na faculdade. Não foram poucos os dias em que precisávamos exercer nossa criatividade gastronômica com aquilo que tínhamos no estoque, e não nego que eu simplesmente adorava esse tipo de aula/avaliação.
Mas nada disso seria possível se não houvesse na despensa um mínimo necessário para as preparações. Por isso, vou listar aqui alguns ingredientes que você deve ter sempre à mão, itens que podem ajudar quando receber alguma visita inesperada, quando bater aquela fome no meio da tarde ou no silêncio solitário da madrugada. Abasteça sua geladeira e sua despensa, e ponha a imaginação para funcionar. Vamos a eles:
Arroz, feijão, batatas, leite, açúcar e sal.
Massa seca (espaguete, talharim, fusili, lasanha, capeletti, ravióli)
Farinha de trigo, farinha de rosca, fubá, flocos de milho, amido de milho (maisena), farinha de mandioca – 1 pacote de cada na despensa está ótimo!
Óleo (de soja, de milho, de girassol, de canola) – 1 de cada
Azeite de oliva – lembre-se: um bom azeite faz TODA diferença!
Vinagre (de vinho tinto, de vinho branco, balsâmico, de maçã)
Manteiga, margarina
Molho inglês, molho de soja (shoyu)
Frios (da sua preferência – presunto, salame, mortadela, lombinho) e queijos (parmesão, mussarela, prato, cheddar, camembert, brie, ementhal, ricota)
Pão (italiano, francês, de fôrma, integral)
Ervilha, milho, molho de tomate, creme de leite, leite condensado – 1 lata de cada
Palmito, atum, tomate seco, azeitonas, alcaparras
Catchup, mostarda (se tiver Dijon, melhor, se não, tudo bem), maionese
Especiarias (noz-moscada, páprica, pimenta-do-reino em grãos, sementes de coentro, mostarda em grãos, cominho, cravo-da-índia, canela)
Ovos
Mel (compre vidros pequenos, pois o mel tende a açucarar)
Cebola, alho, ervas frescas ou secas (se frescas, comprar toda semana), chás, café, geléias, achocolatado (chocolate em pó), biscoitos, bolachas
Caldos (de carne, de frango, de legumes)
Vinho tinto, vinho branco, conhaque, cerveja clara e escura, rum, licor, vodka
Frutas secas, frutas frescas, verduras e legumes
Isso é apenas o essencial, você pode ainda ter cogumelos, aspargos, arroz para risoto (arbóreo é o mais barato), picles, ou o que mais você apreciar. Lembre-se de manter a despensa e a geladeira abastecida, repondo sempre que usar algum produto. Lembre-se também de escolher bem os produtos e verificar sempre se o prazo de validade não está se esgotando. Faça isso e não tenha mais receio que seu vizinho bata à sua porta na hora do jogo de domingo. Bom apetite, a qualquer hora!!

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

LIÇÕES DE CIMA

No artigo de última página da última edição da revista Veja (edição 2202, 2 de fevereiro de 2011), do qual, aliás, peguei emprestado o título, J.R Guzzo discorre sobre como os maus exemplos de nossos políticos nas mais altas esferas da República refletem nas ações de nós, que estamos aqui “em baixo”. Como este é um blog sobre gastronomia, e não de política, vamos tratar sobre o exemplo do chef.
Em uma cozinha, o exemplo tem que vir do chef. Até pouco atrás, quando ainda não havia cursos universitários de gastronomia, a grande maioria (se não a totalidade) dos chefs tinha que percorrer um árduo caminho até alcançar o mais alto posto da hierarquia culinária: começava lavando pratos e panelas (ou mesmo na faxina), para depois atuar como ajudante de cozinha (fazendo toda a preparação para os cozinheiros, como os cortes, a higienização dos alimentos, etc.). Se demonstrasse capacidade e vontade, era escalado para cobrir as folgas de um cozinheiro, passando pelos diversos setores da cozinha: garde manger, açougue, confeitaria, etc., até ser chamado para pilotar os fogões de fato. Depois de anos poderia se tornar um chef, com um real conhecimento de como funciona todos os departamentos daquela cozinha. Esse longo percurso o capacitava para exercer a função.

O bom chef sabe como é difícil a tarefa do lavador de pratos, sabe como é minucioso o trabalho do ajudante de cozinha, sabe da importância de cada um daqueles que formam sua equipe. O bom chef não tem preguiça de arregaçar as mangas e se enfiar dentro de uma câmara fria (não raro abaixo de zero grau centígrados) para conferir se a limpeza está sendo feita corretamente e, se não estiver, ensinar a pessoa responsável a fazer o serviço direito. O exemplo, também na cozinha, vem de cima. Um cozinheiro não vai respeitar o chef que chega tarde, passa as horas dentro de uma salinha em frente ao computador, dá umas voltas pelo salão cumprimentando os clientes e depois sai mais cedo que os demais, com seu uniforme impecável e limpinho. E que ainda tem coragem de gritar exaltado quando percebe (veja bem: quando percebe) um serviço mal executado.
O bom chef se preocupa em saber se sua equipe está motivada, se algum problema externo está influindo no bom andamento de sua cozinha ou se problemas internos (fofocas são insuportáveis) poderão vir a ser um estorvo em sua vida. O bom chef faz escalas de serviço respeitando a vida pessoal de cada um. O bom chef se informa, pesquisa, estuda sempre novos ingredientes e maneiras de preparo. O bom chef sabe ouvir críticas e sabe criticar sem ser injusto, sabe que, às vezes, alguma coisa dá errado mesmo, e o melhor a fazer é reconhecer o erro, corrigi-lo e aprimorar-se para não mais cometê-lo. O bom chef dá o exemplo correto, é o modelo a ser seguido.
Ser o chef de uma cozinha profissional não é tarefa fácil. E ser um bom chef, respeitado e admirado não apenas pelos comensais, mas principalmente entre seus colegas e subordinados, é tarefa hercúlea. Hoje, depois de apenas dois anos em uma faculdade, o aluno já acha que pode exercer a função de chef sem maiores complicações. A faculdade nos ensina muitas coisas, mas a prática do dia-a-dia é insubstituível. E é essa prática que vai fornecer conhecimento suficiente para tornar um chef um bom exemplo de profissional. Então, se você já é ou pretende ser um chef de cozinha, almeje também ser um bom exemplo a ser seguido, concilie seus desejos e atitudes profissionais com ética, respeito e humildade. E pratique. Muito.