segunda-feira, 25 de abril de 2011

A GASTRONOMIA DO PARANÁ

Na segunda metade dos anos 80 eu fui morar em Curitiba, capital do Paraná, meio que a contragosto. Meu pai fora transferido pela empresa em que trabalhava, e eu não tinha opção a não ser ir morar em uma cidade que, para mim, naquela época, era o lugar onde Judas havia perdido as botas, virando à direita e mais alguns quilômetros adiante. Moleque que era, não queria me distanciar dos amigos do futebol, da escola e do clube e ter que começar tudo de novo: novos amigos, novas pessoas para aturar, outras regras para o jogo de truco, essas coisas que, quando temos quinze anos, são as coisas mais importantes do mundo.
Fiquei lá por cerca de seis anos, e devo confessar que as saudades são imensas. A cidade que funciona, limpa, linda, segura (na época), os amigos que me acolheram bem...Também tive sorte: no primeiro jogo de futebol em que fui com os colegas da nova escola, comecei na reserva e, quando entrei em campo, meu time já perdia por 3 a 1. Fiz sete gols, e ganhamos aquele jogo por 11 a 4! Nunca mais cheguei nem perto de ter uma atuação como aquela, mas, para “efeitos de entrosamento” com os piás (moleques, garotos, na "língua" paranaense), foi sensacional.
O Jardim Botânico de Curitiba: bem mais do que um cartão postal.
O Teatro Ópera de Arame, ao lado da pedreira Paulo Leminski. Fantástico.
Transporte público: mais um orgulho dos curitibanos.
Uma das coisas que me encantavam em Curitiba era o bairro de Santa Felicidade, o bairro gastronômico da cidade. Eram muitos e excelentes restaurantes, de diversas especialidades, especialmente os italianos. Entre estes, lembro-me do Madalosso, que era famoso por ser o maior do Brasil, com capacidade para mais de quatro mil e quinhentas pessoas! Não sei se ele ainda ostenta esse título, mas se você for à Curitiba, não deixe de conhecer o local.
O Restaurante Madalosso: símbolo do bairro de Santa Felicidade.
O salão do Madalosso: "apenas" 4.500 comensais de uma só vez!
Outra coisa que me deixou boquiaberto no Paraná foi a viagem de trem (conhecida como Litorina), que ia até a cidade de Morretes. A vigem é linda, as paisagens são de perder o fôlego (mesmo: às vezes, tem-se a impressão de que o trem vai simplesmente cair montanha abaixo...). Lá em Morretes, provei pela primeira vez aquele que talvez seja o maior clássico da gastronomia paranaense: o barreado. Trata-se de um prato feito, originalmente, pelas partes menos nobres do boi, porém de sabor delicioso, como o acém, o músculo e o patinho. Junte-se a isso cebola, alho, folhas de louro, toucinho, alguns temperos e água até cobrir. Tudo é colocado em uma panela que será vedada com uma goma de farinha de mandioca. A panela é enterrada em um buraco forrado com folhas de bananeira, sobre o qual uma fogueira é acessa. Tem quem deixe a panela enterrada por mais de doze horas, mas depois de seis horas cozinhando você já pode provar essa maravilha. Caindo no lugar comum, preciso dizer: ir à Morretes e não comer barreado é como ir à Roma e não ver o Papa.
Viagem de trem até Morretes: friozinho na barriga que vale a pena...

A cidade de Morretes: cadê o Papa?!?

Aí está o "Papa": o barreado ainda na panela vedada, e a cachaça de banana.
O barreado é influência e herança das comidas dos tropeiros e dos índios, mas o Paraná tem muitas outras influências em sua gastronomia. Imigrantes italianos, japoneses, poloneses e ucranianos deixaram suas marcas na culinária local. Dos cerca de 60 mil poloneses que chegaram ao Brasil entre o fim do século XVIII e início do século XX, 90% estabeleceram-se no Estado do Paraná. Depois de Chicago, nos Estados Unidos, Curitiba é a segunda cidade fora da Polônia com o maior número de descendentes de poloneses. Graças a eles, são encontrados no Paraná pratos típicos eslavos, como o pierogi (uma massa cozida recheada com batata e requeijão), o goulash (de origem húngara, mas trazido pelos poloneses) e o bigos (carne de porco cozida com chucrute).
Descendentes de polonoses no Bosque do Papa, em Curitiba.
A comunidade ucraniana também é imensa. Dos estimados 400 mil ucranianos que vivem no Brasil, 350 mil estão no Paraná, principalmente nas cidades de Prudentópolis, Guarapuava e na região metropolitana de Curitiba. Os pratos calóricos que serviam para aquecer as pessoas em seu país de origem tiveram adaptação perfeita no clima frio do Paraná, como, por exemplo, o borscht, uma sopa de beterraba, repolho, costela de porco defumada e creme de leite, servida com broa de centeio.
O Memorial Ucraniano na capital paranaense.
O Borscht, prato típico ucraniano.
Outros pratos imperdíveis paranaenses são o porco no rolete (um porco inteiro –sem as entranhas – espetado e assado na brasa), o boi no rolete ( o boi é espetado – sem a cabeça e as entranhas – e colocado sobre grandes churrasqueiras, sobre as quais se colocam cúpulas de metal, lembrando fornos. A carne fica assando por entre 12 e 16 horas!), e, claro, o pinhão (a araucária é a árvore-símbolo do Estado). Os índios comiam o pinhão cozido ou em forma de paçoca e farinha, porém os imigrantes adaptaram a semente da araucária em seus pratos: os italianos serviam o pinhão com arroz ou carne, e os eslavos o comiam assado na própria folha da árvore. O pinhão também permite receitas deliciosas de suflês, sopas, molhos, massas e farinha para pães.
Araucárias: símbolos do Paraná.
Lombo com pinhão, porco no tacho, churrasco de costela bovina, quirera com costelas de porco fritas temperadas com manjerona, cebolinha alho e cebola também são típicos da culinária paranaense. Completam o cardápio da região pratos feitos com charque (carne-seca), o feijão tropeiro, a polenta, o frango, a farinha de mandioca, o toucinho e o milho. Importante: faltou dizer que, para acompanhar o barreado, beber água é um pecado, assim como qualquer outro líquido que não seja a cachaça de banana.
Conheça o Paraná. Tão orgulhosos de seu Estado como os gaúchos, os paranaenses se orgulham de ser, como gostam de ser chamados, “bichos do Paraná”. Vá até lá e entenda o porquê. Lugares turísticos não faltam (as Cataratas do Iguaçu são maravilhosas) e bons lugares para comer não faltam. Se você for, escreva para este blog contando como foi e com novas dicas para este blogueiro. Afinal, faz quase vinte anos que não visito o Estado, e você sabe como é ter saudades do local de sua juventude. Não sabe? Se não sabe é porque você ainda está curtindo sua...um dia, saberá. Abraços a todos!!

Foz do Iguaçu: não conhece? Não perca mais tempo!


quarta-feira, 20 de abril de 2011

ALEX ATALA: ELE TEM O D.O.M.

No Brasil é assim: basta você fazer sucesso para surgirem inúmeros críticos sobre seu trabalho, ignorando todo o esforço e suor derramado para que tal sucesso ocorresse. Com Alex Atala, chef brasileiro premiado em todo o globo, não seria diferente. Nesta semana, um de seus restaurantes na capital paulista, o D.O.M., foi premiado como o sétimo melhor restaurante do mundo! É isso mesmo, eu não escrevi errado: nós temos, aqui no Brasil, o sétimo melhor restaurante do mundo. E tem mais: o restaurante Fasano, de Rogério Fasano, e o Maní, chefiado por Helena Rizzo, também estão na lista dos melhores entre os melhores. O que deveria ser motivo de orgulho para todos nós, brasileiros, mais uma vez vira motivo de discussões sem sentido.
Explico: o restaurante de Alex Atala não é para qualquer bolso. E as porções servidas não são para aqueles que gostam de entupir a pança quando saem para comer fora de casa. Mas qual é o problema, afinal? É assim no mundo todo, ou não é?!? Me parece que os críticos aos seus restaurantes (o outro restaurante de Atala é o Dalva e Dito, especializado em cozinha brasileira regional e também não é para bolsos rasos) se escondem atrás de uma panela de inveja, uma boa dose de desinformação e uma pitada de dor de cotovelo.

O restaurante Dalva e Dito
Alex Atala conhece profundamente os produtos que utiliza, está sempre em busca de novos ingredientes, valoriza (e quando digo valoriza, é também no sentido econômico: graças a Alex Atala alguns produtos da Amazônia, por exemplo, têm hoje mercado no mundo inteiro) os produtos nacionais, é um craque no marketing (algum problema nisso?) e colocou o Brasil definitivamente na rota gastronômica mundial.
E vamos ser sinceros: dos críticos de Alex Atala e de sua comida, quantos REALMENTE estiveram no D.O.M. ou no Dalva e Dito? Não muitos, posso apostar. Como eu também não estive em nenhum deles, não escrevo uma vírgula para criticar aquele que é considerado no mundo todo como o melhor chef de cozinha da América Latina e um dos mais promissores chefs em atividade no planeta Terra.
Ele tem o D.O.M.  E tem também o Dalva e Dito.
Quando saímos para fazer uma refeição fora de casa, não é só pela comida que pagamos. Pagamos também pelo requinte do ambiente, pela excelência do serviço, pelo gostinho bom de dizer aos amigos que sim, eu estive lá! Alex Atala conseguiu criar um lugar assim. Palmas para ele! Deveríamos todos comemorar as oportunidades que surgirão com esse reconhecimento mundial. Portas serão abertas para novos chefs brasileiros, nossos produtos ganham em interesse e admiração, trazendo portanto dividendos para nossos produtores e para o país.
Você já viu como é o restaurante D.O.M. e alguns de seus pratos? Então, vamos às fotos:



Gel de tomate verde com brotos e ervas da Floresta

Mini lulas cozidas, servidas a frio com creme de beterraba e algas marinhas e vinagrete de priprioca

Palmito Pupunha laminada com Vieiras e molho de coral da própria vieira

Ostras empanadas com sagú de tapioca e ovas de salmão

Arroz negro com legumes verdes regados por leite de castanha do Pará

Dourado com creme gelado de salsão, banana, brotos e flores

Raia na manteiga de garrafa e tomilho limão com mandioquinha defumada, brócolis e espuma de amendoim

Filet de Javali com Mandioca Brás

Ravioli de Limão e Banana Ouro e Caramelo de Priprioca

Bolo de Castanha do Pará com sorbet de whisky, rúcula selvagem, chocolate amargo com pimenta, flor de sal e curry
       São ou não são obras de arte? Eu também gosto de comer bem (por comer bem, entenda-se: gosto de ver o prato cheio), de porções grandes, de arroz com feijão com bife à cavalo acompanhado de farofa com ovo cozido e azeitonas. Mas reconheço que não acharia nada ruim de provar essas delícias, feitas pelo chef sensação do momento, em um local agradável e serviço impecável. E, até que este dia chegue, nada de críticas. Como criticar sem conhecer? Apenas elogios e felicitações pelo excelente trabalho desenvolvido!
Ah, o endereço: o D.O.M. fica na Rua Barão de Capanema, 549, Jardins – São Paulo. E, claro, se você ficou curioso e quiser fazer uma visita, não se esqueça de fazer uma reserva. O telefone é (11) 3088 0761 e o site é http://www.domrestaurante.com.br/.

domingo, 17 de abril de 2011

PERU PARA TODOS OS GOSTOS

Em português, “peru” pode ter diversos significados. Se você é louco por futebol, ao ler a palavra “peru” já imagina uma falha incrível do goleiro (do time adversário, de preferência. Neste caso, também é feita alusão a outro animal: o frango). Se você é católico e glutão, ao ouvir “peru” já lembra logo da ceia de Natal, familiares e amigos reunidos em torno da mesa para devorar o pobre bicho (acompanhado de Champagne, bien sûr...). Até mesmo o órgão sexual masculino é chamado de “peru” quando somos mais jovenzinhos: “A bola bateu no peruzinho dele, coitadinho...” (também neste caso o frango é lembrado, porém em sua fase mais jovem: o pintinho). Não é sobre nada disso que vou escrever hoje – ainda bem!

Um peru sendo "preparado" na última Copa do Mundo...
       Hoje vou escrever sobre o Peru – o país, destino turístico de milhares de brasileiros que retornam encantados com a cultura, com o povo, os costumes, os animais exóticos, as paisagens, a história e, certamente, com a gastronomia peruana. Uma grande amiga minha, de mais de vinte anos, está morando agora no Peru, em um local maravilhoso que, infelizmente, conheço apenas pelas fotos postadas por ela no facebook. Fernanda, que é seguidora deste blog, me cobrou uma postagem sobre o país em que ela agora decidiu amarrar seu bode – ou seria sua lhama? Mas e você, o que você conhece do Peru?
A lhama, animal típico peruano: será que a carne é boa?!?
Bom, todos conhecemos (se não pessoalmente, ao menos por revistas e/ou jornais) os lugares turísticos peruanos, como Macchu Picchu e Cuzco, já lemos histórias fantásticas sobre a civilização Inca, já vimos imagens aéreas das enigmáticas imagens no solo peruano (seriam mesmo os deuses astronautas?) e, se você gosta um pouco de gastronomia, com certeza conhece o ceviche, um clássico no país andino. Mas a gastronomia peruana é muito rica e vai além, muito além do ceviche (que eu adoro!Falaremos sobre ceviches mais adiante.).
Macchu Picchu: destino turístico imperdível!
Vista aérea de um dos desenhos de Nazca: mistério.
Reza a lenda que os peruanos aprenderam a cozinhar com as técnicas e as artes dos próprios deuses. Há séculos, quando os deuses estavam criando o Peru, resolveram fazer uma pausa na criação do país para que os homens pudessem se alimentar. Para esta tarefa, enviaram Chiwake, um semideus em forma de colibri, porém muito distraído e brincalhão. Chiwake tinha uma tarefa simples: deveria apenas levar aos homens uma panela mágica, da qual sairiam os pratos mais saborosos, suculentos e delicados, tudo já preparado. Distraído que era, Chiwake perdeu a panela e, para evitar levar uma bronca digna dos deuses, decidiu ele mesmo ensinar aos homens como preparar os alimentos, selecionar os ingredientes, combinar sabores, aromas e temperos, como controlar o fogo, as diferentes formas de cozimento, as maneiras harmoniosas de apresentar os pratos, enfim, todos os segredos de seus “superiores”. E foi assim que o povo peruano aprendeu todos os truques e manhas da cozinha dos deuses.
Existem, no mundo todo, 104 diferentes tipos de ecossistema. Destes, 84 podem ser encontrados no Peru, agrupados em 3 grandes regiões: a costa, a serra (os Andes) e a selva (Amazônia). Na costa são encontradas mais de mil espécies comestíveis de peixes e frutos do mar, como a lagosta, a corvina e o linguado. Da serra, são aproveitados na gastronomia a batata, o milho, o ají (um tipo de pimenta) e a carne de um animalzinho parecido com o porquinho-da-índia, o cuy. Finalmente, da selva, os peruanos aproveitam a carne de caça e os peixes dos rios, geralmente acompanhados de mandioca e banana.
A pimenta ají: diversas cores e formatos.
A batata tem papel de destaque na culinária peruana: são mais de 4 mil tipos do tubérculo, das mais variadas cores (brancas, negras, diversos tons de amarelo), tamanhos, formas e consistências. Como não poderia deixar de ser, também no Peru a gastronomia é resultado de uma fantástica mistura de culturas diversas. Influências árabes foram levadas pelos escravos que acompanhavam os descobridores espanhóis, que por sua vez também contribuíram para enriquecer a culinária local, combinando seus temperos e aromas com o que os indígenas e incas já preparavam. Dá para imaginar a riqueza desta cozinha...
Não deixe de experimentar pratos típicos com sabores originais como a pachamanca (um dos emblemas da cozinha peruana), a maca, a chirimoya, a camote, o camu camu e o yacón. E, claro, os já citados ceviches. Os chilenos disputam com os peruanos sobre quem faz o melhor ceviche, que nada mais é do que uma saborosa mistura de peixes e frutos do mar (geralmente a corvina), que são servidos sem qualquer cozimento, marinados em limão-siciliano, limão-galego, cebola e pimenta ají. Uma delícia, imperdível em qualquer canto do planeta! As variações também são excelentes: ceviche com camarão, lula, polvo, vieiras, mexilhões, caranguejo e os mais diversos tipos de peixe de carne branca. No Peru, normalmente o ceviche é servido com grãos de milho tostados (chamados cancha) e uma porção da marinada restante em um pequeno copo.
Clássico peruano: ceviche.
Para terminar esta breve viagem ao país andino, falta falar sobre a bebida original do Peru, motivo de orgulho entre seus habitantes: o pisco. Trata-se de uma aguardente de cor pálida, base do famoso pisco sour. O pisco é elaborado a partir de uma única espécie de uva, geralmente a Quebranta tinta (que foi introduzida pelos espanhóis), e tem teor alcoólico que varia de 19% a 23%. Existem piscos aromáticos elaborados com moscatel e outras uvas verdes, e a capital do pisco no Peru é o vilarejo-oásis de Ica, a 320 km de Lima. Se você tiver a oportunidade de visitar o local, não deixe de ir até Huacachina, um verdadeiro oásis, com uma paisagem de tirar o fôlego, que inclui um lago que causa um impacto indescritível e tranqüilizador.
O oásis de Huacachina ao anoitecer: paisagem fantástica e tranquilizadora
Mas não deixe para depois para provar as iguarias peruanas. Pesquise, compre produtos originais (hoje você encontra praticamente de tudo, até mesmo pela internet) e elabore suas receitas. E prove – com moderação – o pisco. Saúde, e bom apetite! E faça como minha amiga do Peru: dê suas sugestões sobre postagens, diga sobre o quê gostaria de ler aqui no blog, certo? Abraços a todos!

quinta-feira, 14 de abril de 2011

AMUSE BOUCHE: O QUE É ISSO???

Talvez você não suporte mais esses termos culinários que, na verdade, são uma chatice mesmo. Assim como há algum tempo tivemos que agüentar os “eco-chatos”, depois os “eno-chatos”, depois ainda os “politicamente-corretos-insuportáveis”, chegou a vez dos “gastro-chatos”. E assumo: por vezes me vejo em situações que me colocariam no “top 10” dos gastro-babacas: situações em que expressões escapam da boca sem querer, e que eu sei que ninguém tem o dever, nem mesmo um porquê de se interessar em saber qual o significado de tais palavras. Se eu quero que algum amigo pique uma cebola bem picadinha, às vezes digo sem pensar:
_Pique a cebola brunoise!
Brunoise: qualquer alimento cortado em cubinhos pequenos...
Brunoise?!? Por que não dizer simplesmente para picar a maldita cebola bem picadinha?  E o que você faria se, num almoço de domingo, eu, o gastro-insuportável, me oferecesse para fazer a refeição e você, na maior boa vontade de ajudar, me ouvisse dizer:
_Os legumes em julienne precisam ser branqueados para acompanhar a carne lardeada e servidos à la minute.
Legumes cortados à julienne são tirinhas de legumes!!
Com toda razão você jogaria a frigideira fervendo em minha cabeça. Um termo que não suporto ver nos restaurantes, festas e recepções em geral é o “amuse buche”. Você já comeu amuse buche? Posso afirmar, sem medo de errar, que sim, você já comeu amuse buche. E gostou.
Amuse buche, finger food (outra expressão metida à besta), tapas (na Espanha), todas essas são palavras e expressões para designar uma mesma coisa: aquelas comidinhas que você devora em uma ou em duas bocadas, no máximo. Sabe aquela coxinha de casamento que todos adoram? Aquelas empadinhas deliciosas que você provou na festinha de aniversário do filho do vizinho? Pois então, elas podem ser consideradas um amuse buche, ou finger food, ou qualquer outra expressão que você possa ter ouvido mundo afora. Em alguns locais, o amuse bouche precede uma refeição. É um couvert, uma "cortesia" oferecida para que você não fique verde de fome até ser servido o prato principal.

Coxinhas com "gravatinhas" de cebolinha: o salgadinho virou amuse bouche!
É claro que, quando apresentadas como finger food ou amuse buche, geralmente essas comidinhas vêm acompanhadas de uma decoração mais elaborada, cheia de “glamour” (leia-se: uma pontinha de frescura). Nada contra, eu acho o máximo uma comidinha com apresentação de restaurante chique. Mas a postura do garçom e/ou do anfitrião poderia ser um pouco menos blasé:
_O senhor (senhora) aceitaria um amuse buche de carne bovina desfiada e empanada salpicada com ervas finas?
Oras, traga-me logo o croquete! E cadê o garçom com as coxinhas? A empada é de frango ou de palmito? Tem azeitona? Preta ou verde? Sem caroço?
Vai uma Finger Food aí, doutor?
Mas vamos deixar bem claro: eu ADORO essas comidinhas, venham elas com o nome que vierem. E também admiro muito o esforço de alguém para agradar e impressionar, transformando um salgadinho em uma experiência gastronômica fantástica. E também adoro fazer amuses buches, fingers food, tapas...e, dependendo da ocasião, da apresentação e dos ingredientes utilizados, sei que o mais correto é mesmo chamá-los destes nomes estranhos. Mas, por favor, se me contratarem para que sua recepção ou festa seja inesquecível, deixem-me servir dizendo:
_Gostaria de provar uma destas magníficas COXINHAS de frango?
Tenho certeza de que todos irão provar, gostar, aprovar e pedir mais, virando suas cabeças à procura do garçom dizendo:
_Onde está o garçom com aquelas coxinhas maravilhosas?

segunda-feira, 11 de abril de 2011

ENTRADAS: UM BOM COMEÇO

Seja em um restaurante, seja em sua casa, servir um caprichado prato de entrada é geralmente garantia de sucesso no restante da refeição. A entrada é a primeira impressão e, como dizem, é esta impressão que ficará na memória de seus convidados. Claro que essa regra não é exata: uma bela entrada, uma refeição apenas regular e uma sobremesa medíocre não deixarão boas lembranças. De qualquer forma, a entrada vai criar uma expectativa no comensal: o que virá a seguir?
Você precisa ser coerente e pensar na refeição como um todo. Se o prato principal for pesado, prepare uma entrada leve, e vice-versa. Melhor se você souber se aproveitar das estações do ano: pratos leves no verão – entradas frias; pratos mais pesados no inverno – entradas quentes são a melhor opção. E utilize os produtos da época, o que demonstrará que você está preocupado com o frescor de seus pratos. Importante: evite a repetição de ingredientes no cardápio. Se o prato principal for um belo e suculento lombo de bacalhau, não sirva trouxinhas de bacalhau como entrada, por mais deliciosas e bonitas que fiquem.
Existem entradas que são super simples de serem preparadas, e que requerem um mínimo de ingredientes. Por outro lado, existem entradas bem complexas, que demandam um longo tempo de preparação e uma certa habilidade culinária. Busque inspiração nas influências gastronômicas mundiais: existem opções de deliciosas entradas francesas, tailandesas, chinesas, japonesas, mexicanas, italianas, brasileiras. Vou listar algumas opções de entrada frias e quentes, algumas delas sugeridas por Anne Willian, autora de livros sobre gastronomia e famosa na Europa por ter dirigido a escola culinária La Varenne, na França. Ao final, uma receita para você fazer, provar, aprovar e apresentar aos amigos.
Entradas frias:
Ø  Carpaccio: fatias finíssimas de carne (lagarto, filé mignon) crua acompanhadas de um molho de mostarda Dijon com alcaparras. Pode vir com rúcula, e o queijo parmesão ralado na hora contribui com o sabor. Sou tão fã de carpaccio que sou capaz de trocar meu prato principal por um carpaccio enorme. Adoro. O molho pode variar: um molho pesto, feito de manjericão fresco, alho, pinoles (ou nozes), queijo parmesão e azeite de qualidade fica sensacional!
Ø  Carpaccio: você deve estar se perguntando: ué, carpaccio de novo? Explico: se antes só encontrávamos o carpaccio de carne, hoje as opções são inúmeras: faça carpaccio de abacaxi polvilhado com pimenta rosa! Carpaccio de polvo, de lula, de camarões, abobrinha, berinjela...qualquer ingrediente finamente fatiado pode ser apresentado como carpaccio, e o sucesso é garantido! Juro!
Ø  Torradas à italiana: crostini com azeitonas, tomates e anchovas guarnecidos com folhas de manjericão. Faça!
Ø  Torradas à italiana com rúcula e ricota: escarola refogada no azeite, temperada com vinagre balsâmico (suave) e misturada com ricota. Tudo isso sobre torradas de pão italiano. Já imaginou?
Ø  Tomates recheados à chinesa: tomates maduros recheados com camarões grandes e broto de feijão.
Ø  Tomates recheados com camarão, queijo feta e azeitonas. Uma entrada colorida e com “sotaque” mediterrâneo. Delícia!
Ø  Folhas de uva recheadas: faça o recheio com carne de cordeiro e arroz. Outro recheio? Lá vai: arroz, uvas passas e pinoles.
Ø  Legumes picantes à moda grega: cogumelos e funcho (erva doce) são fervidos em separado com cebolinha, sementes de coentro, tomate, ervas e vinho branco. Sirva frio.

Entradas quentes:
Ø  Salada de queijo de cabra à milanesa: passe o queijo na farinha de rosca e frite rapidamente. Sirva com salada de agrião e alface.
Ø  Rolinhos primavera com alface e hortelã: trouxinhas crocantes recheadas com carne de porco moída, cogumelos e macarrão chinês, servidas com alface e hortelã fresca e molho de pimenta malagueta.
Ø  Cogumelos recheados com ervas: cogumelos paris (champignons) grandes recheados com shitake, nozes, alho e ervas. O aroma é delicioso, o sabor divino.
Ø  Cogumelos recheados com tomate seco e queijo. Se você tiver mussarela de búfala, tanto melhor.
Ø  Carolinas de queijo com espinafre e salmão defumado: carolinas são feitas com massa choux (a mesma massa da bomba de chocolate), e o recheio quente valoriza e acentua o sabor. Coloque cream cheese, não tem erro.
Ø  Vieiras ao molho de sidra: as vieiras são aferventadas em sidra e servidas em suas próprias conchas, com as bordas decoradas com purê de batatas aromatizadas. Um show de sabores! Veja a receita abaixo.
Ø  Mexilhões à marinheira: mexilhões cozidos no vapor, tornando o liquido de cozimento em um irresistível caldo.
Ø  Espetinho de camarão à moda tropical: camarões grandes grelhados em espetos são marinados em gengibre fresco, suco de limão e folhas de coentro. Prove!

A lista não tem fim. Você improvisar, modificar, acrescentar, criar...

VIEIRAS AO MOLHO DE SIDRA
Para preparar esta entrada, você vai precisar de:
·         300g de purê de batatas
·         Salsinha e folhas de estragão bem picados
·         500g de vieiras
·         2 echalotas (ou cebolas pequenas)
·         2 limões
·         125ml de sidra
·         250ml água
·         125ml de vinho branco seco
·         30g de manteiga
·         30g de farinha de trigo
·         2 gemas
·         125ml de creme de leite
·         Ovo para pincelar
·         sal

Faça um purê de batatas, misturando a salsinha e o estragão bem picados. Coloque este purê em um saco de confeitar e faça pequenas rosas (ou pitangas) nas bordas das conchas. Pincele com gema de ovo temperada com sal e coloque as conchas em uma assadeira.
Vieiras: se necessário, retire a membrana rija das vieiras. Enxágüe em água fria e corte as vieiras grandes. As pequenas podem ficar inteiras. Em uma panela, coloque as echalotas picadas junto com a sidra, o suco de limão, a água, o vinho branco. Acrescente as vieiras e aqueça apenas para chegar ao ponto de fervura. Tampe e escalde por 40-60 segundos, até que as vieiras fiquem opacas. Tire a panela do fogo. Retire as vieiras com uma escumadeira e reserve. (Atenção: não cozinhe demais, senão as vieiras ficarão duras!)
Volte a panela com o líquido de cozimento ao fogo e deixe ferver. Cozinhe em fogo brando até reduzir a cerca de 250ml (1 xícara de chá). Retire do fogo. Em outra panela, derreta a manteiga e junte a farinha, batendo constantemente para não queimar. Quando a manteiga misturada à farinha espumar, tire do fogo e continue batendo. Tire a panela do fogo, coe o líquido reduzido nesta mistura de farinha e manteiga e bata para misturar. Volte a panela ao fogo por mais um minuto, batendo sempre, até que o molho ferva e fique consistente. Tire a panela do fogo. Em uma tigela pequena, misture as gemas e o creme de leite e bata. Em seguida coloque algumas colheradas do molho quente e bata até misturar. Junte esse creme ao molho. Coloque novamente a panela no fogo e cozinhe em fogo brando, com cuidado para não talhar, por 1-2 minutos, até ficar consistente.
Aqueça o forno. Junte as vieiras ao molho e corrija, se necessário, o tempero. Coloque as vieiras ao molho nas conchas e leve ao forno por 4-5 minutos, até dourar o purê das bordas das conchas e o molho das vieiras. Sirva imediatamente em uma travessa ou em pratos individuais.
Não é uma receita simples, eu sei. Mas vale a pena tentar. Para ganhar tempo, o purê de batatas, as vieiras e o molho podem ser preparados e arrumados nas conchas até 8 horas antes. Mantenha-os cobertos e refrigerados e gratine na hora de servir.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

PEIXES: COMO COMPRAR? QUANTO COMPRAR?

Bom, a Páscoa está chegando e, se você sobreviveu à chuva de ovos de chocolate nos mercados, já deve estar se preocupando com o almoço do feriado. O que servir? Não vou fugir do óbvio: peixe! São excelentes fontes de proteínas, uma ótima alternativa alimentar nesses dias de privação bovina.
O Brasil possui cerca de oito mil quilômetros de litoral, com inúmeras espécies de peixes (que, por sua vez, possuem inúmeros e diferentes nomes, dependendo da região em que são pescados), e nossos rios são habitat de cerca de mil e quatrocentas espécies deste alimento. Ops, deste animal...
Se você não mora próximo à praia e não tem a oportunidade de comprar seu peixe diretamente do pescador (de longe, a melhor maneira de garantir que o produto está fresco), existem alguns itens que você pode – e deve – verificar na hora da compra. No caso de peixes inteiros, verifique sempre os olhos, as guelras, a pele e o corpo em geral. E, importante, o cheiro. Peixe fresco quase não tem cheiro algum, então fuja dos produtos com cheiro forte de peixe.
30 toneladas pescadas em SC: não precisava tanto...
Os olhos devem estar “vivos”, quase que piscando. Devem estar úmidos, inteiros, brilhantes e salientes. Se os olhos do peixe estiverem escuros, opacos, secos ou murchos, NÃO compre!  
As guelras devem estar limpas, róseas ou vermelhas e úmidas, embora alguns comerciantes de má fé façam uso de corantes para alterar a aparência do produto.
A pele deve ser brilhante e úmida, nunca sem brilho e seca. As cores variam para cada espécie: a tainha e o vermelho, por exemplo, devem apresentar um vermelho claro e brilhante; o salmão, levemente prateado; a truta, a cavala e o arenque devem ser iridescentes (dicionário do blogueiro: iridescente = que reflete as cores do arco-íris).
O corpo deve estar sempre firme, rígido e liso, nunca mole, flácido ou apresentando protuberâncias. Não deve haver marcas na barriga, o que pode significar que as vísceras (barrigada) foram deixadas tempo demais no peixe, fazendo com que bactérias e enzimas decomponham a carne ao longo da espinha dorsal. Não hesite em pedir para passar a mão no peixe. A carne deve estar firme e resistir ao toque. Se houver escamas, devem estar aderentes e brilhantes. As barbatanas e caudas devem ser flexíveis e devem estar inteiras.
Se você optar por comprar o peixe já cortado em postas ou filés, observe também a textura e o odor. A carne deve estar firme, e em alguns tipos, como o bacalhau, salmão ou hadoque, ela não deve ter começado a se quebrar. A carne deve ainda estar brilhante e encorpada, nunca mole, sem vida, sem graça...
Há ainda uma outra dúvida comum quando vamos preparar peixe: qual a quantidade correta que devo comprar?
Se for comprar peixes inteiros, limpos e com a cabeça, lembre-se que você poderá perder até metade do peso do produto ao retirar a pele e a cabeça (não jogue fora: coloque numa panela com água, cenoura, salsão, cebola, alho, e deixe esquentar, em fogo baixo. Você terá um excelente caldo de peixe). Para peixes menores (inteiros) como a truta e o robalo pequeno, calcule um peixe por pessoa. De qualquer forma, calcule de 300 a 400 gramas de peixe inteiro por pessoa.
Para os peixes cortados em filés, reserve de 120 a 150 gramas por pessoa (peso limpo. Um filé de peixe com pele de 150 gramas pesará cerca de 120 gramas após a retirada desta).Um pedaço  de peixe de 500 gramas serve quatro pessoas (lembre-se: com acompanhamento, claro...). Se for servir um peixe mais encorpado, como atum ou salmão, calcule um pouco menos por pessoa. Se o peixe escolhido for salmão defumado servido em fatias finas ou gravalax, 100 gramas por pessoa já está ótimo.
Mas, em se tratando de Páscoa, o grande escolhido é mesmo o bacalhau, certo? Então vou passar uma receita que você poderá preparar para seus amigos e familiares e, com toda certeza, fará bonito. Esta receita é do estrelado, temido, mau humorado e ótimo chef Gordon Ramsay: bacalhau com crosta amanteigada de ervas.
Para servir quatro pessoas, você precisará de:
·         1 colher (sopa) de um BOM azeite
·         100g de cogumelos (champignons) fatiados
·         2 tomates sem pele e sem sementes
·         4 postas de 150g cada de bacalhau (sem pele)
·         1 colher (sopa) de mostarda em grãos
·         Sal e pimenta-do-reino moída na hora
Para a crosta de ervas, você vai precisar de:
·         40g de folhas de salsa crespa
·         1 colher (chá) de tomilho fresco
·         50g de manteiga em temperatura ambiente
·         150g de farelo de pão fresco

Cozinhe os cogumelos em uma caçarola até sair todo o líquido (se for em conservas, levará menos tempo do que cogumelos Paris comprados frescos). Enquanto isso, no processador, faça um purê com os tomates. Retire e reserve.
Para a crosta de ervas: pique as ervas no processador, acrescente a manteiga e bata novamente. Acrescente o farelo de pão e bata até obter uma pasta. Raspe a pasta, colocando-a sobre uma folha de filme plástico ou de alumínio. Usando uma espátula, espalhe a massa, formando um retângulo que seja suficiente para cobrir os quatro pedaços de bacalhau. Cubra com outra folha de filme plástico ou alumínio e passe o rolo por cima para alisar, delicadamente. Deixe na geladeira por cerca de 2 horas, até que firme bem.
Pré-aqueça o forno a 200ºC. Tire a crosta de ervas da geladeira e retire a folha superior de filme plástico (ou alumínio). Corte em quatro retângulos para cobrir as postas. Espalhe a mostarda sobre o peixe, despeje o purê de tomate por cima e cubra com os cogumelos. Coloque um retângulo da crosta sobre cada pedaço de peixe e coloque-os numa assadeira.
Asse por aproximadamente 15 minutos, ou até que a carne comece a lascar. Enquanto o peixe assa, aqueça uma grelha. Retire o peixe do forno e coloque-o na grelha para que a crosta de ervas fique crocante. Sirva imediatamente.
Acompanhamentos: sirva com espinafre, arroz, batatas assadas, legumes salteados, etc. Você pode substituir o bacalhau por filés grossos de hadoque, vai ficar muito bom! Bom apetite, e Feliz Páscoa!