segunda-feira, 25 de abril de 2011

A GASTRONOMIA DO PARANÁ

Na segunda metade dos anos 80 eu fui morar em Curitiba, capital do Paraná, meio que a contragosto. Meu pai fora transferido pela empresa em que trabalhava, e eu não tinha opção a não ser ir morar em uma cidade que, para mim, naquela época, era o lugar onde Judas havia perdido as botas, virando à direita e mais alguns quilômetros adiante. Moleque que era, não queria me distanciar dos amigos do futebol, da escola e do clube e ter que começar tudo de novo: novos amigos, novas pessoas para aturar, outras regras para o jogo de truco, essas coisas que, quando temos quinze anos, são as coisas mais importantes do mundo.
Fiquei lá por cerca de seis anos, e devo confessar que as saudades são imensas. A cidade que funciona, limpa, linda, segura (na época), os amigos que me acolheram bem...Também tive sorte: no primeiro jogo de futebol em que fui com os colegas da nova escola, comecei na reserva e, quando entrei em campo, meu time já perdia por 3 a 1. Fiz sete gols, e ganhamos aquele jogo por 11 a 4! Nunca mais cheguei nem perto de ter uma atuação como aquela, mas, para “efeitos de entrosamento” com os piás (moleques, garotos, na "língua" paranaense), foi sensacional.
O Jardim Botânico de Curitiba: bem mais do que um cartão postal.
O Teatro Ópera de Arame, ao lado da pedreira Paulo Leminski. Fantástico.
Transporte público: mais um orgulho dos curitibanos.
Uma das coisas que me encantavam em Curitiba era o bairro de Santa Felicidade, o bairro gastronômico da cidade. Eram muitos e excelentes restaurantes, de diversas especialidades, especialmente os italianos. Entre estes, lembro-me do Madalosso, que era famoso por ser o maior do Brasil, com capacidade para mais de quatro mil e quinhentas pessoas! Não sei se ele ainda ostenta esse título, mas se você for à Curitiba, não deixe de conhecer o local.
O Restaurante Madalosso: símbolo do bairro de Santa Felicidade.
O salão do Madalosso: "apenas" 4.500 comensais de uma só vez!
Outra coisa que me deixou boquiaberto no Paraná foi a viagem de trem (conhecida como Litorina), que ia até a cidade de Morretes. A vigem é linda, as paisagens são de perder o fôlego (mesmo: às vezes, tem-se a impressão de que o trem vai simplesmente cair montanha abaixo...). Lá em Morretes, provei pela primeira vez aquele que talvez seja o maior clássico da gastronomia paranaense: o barreado. Trata-se de um prato feito, originalmente, pelas partes menos nobres do boi, porém de sabor delicioso, como o acém, o músculo e o patinho. Junte-se a isso cebola, alho, folhas de louro, toucinho, alguns temperos e água até cobrir. Tudo é colocado em uma panela que será vedada com uma goma de farinha de mandioca. A panela é enterrada em um buraco forrado com folhas de bananeira, sobre o qual uma fogueira é acessa. Tem quem deixe a panela enterrada por mais de doze horas, mas depois de seis horas cozinhando você já pode provar essa maravilha. Caindo no lugar comum, preciso dizer: ir à Morretes e não comer barreado é como ir à Roma e não ver o Papa.
Viagem de trem até Morretes: friozinho na barriga que vale a pena...

A cidade de Morretes: cadê o Papa?!?

Aí está o "Papa": o barreado ainda na panela vedada, e a cachaça de banana.
O barreado é influência e herança das comidas dos tropeiros e dos índios, mas o Paraná tem muitas outras influências em sua gastronomia. Imigrantes italianos, japoneses, poloneses e ucranianos deixaram suas marcas na culinária local. Dos cerca de 60 mil poloneses que chegaram ao Brasil entre o fim do século XVIII e início do século XX, 90% estabeleceram-se no Estado do Paraná. Depois de Chicago, nos Estados Unidos, Curitiba é a segunda cidade fora da Polônia com o maior número de descendentes de poloneses. Graças a eles, são encontrados no Paraná pratos típicos eslavos, como o pierogi (uma massa cozida recheada com batata e requeijão), o goulash (de origem húngara, mas trazido pelos poloneses) e o bigos (carne de porco cozida com chucrute).
Descendentes de polonoses no Bosque do Papa, em Curitiba.
A comunidade ucraniana também é imensa. Dos estimados 400 mil ucranianos que vivem no Brasil, 350 mil estão no Paraná, principalmente nas cidades de Prudentópolis, Guarapuava e na região metropolitana de Curitiba. Os pratos calóricos que serviam para aquecer as pessoas em seu país de origem tiveram adaptação perfeita no clima frio do Paraná, como, por exemplo, o borscht, uma sopa de beterraba, repolho, costela de porco defumada e creme de leite, servida com broa de centeio.
O Memorial Ucraniano na capital paranaense.
O Borscht, prato típico ucraniano.
Outros pratos imperdíveis paranaenses são o porco no rolete (um porco inteiro –sem as entranhas – espetado e assado na brasa), o boi no rolete ( o boi é espetado – sem a cabeça e as entranhas – e colocado sobre grandes churrasqueiras, sobre as quais se colocam cúpulas de metal, lembrando fornos. A carne fica assando por entre 12 e 16 horas!), e, claro, o pinhão (a araucária é a árvore-símbolo do Estado). Os índios comiam o pinhão cozido ou em forma de paçoca e farinha, porém os imigrantes adaptaram a semente da araucária em seus pratos: os italianos serviam o pinhão com arroz ou carne, e os eslavos o comiam assado na própria folha da árvore. O pinhão também permite receitas deliciosas de suflês, sopas, molhos, massas e farinha para pães.
Araucárias: símbolos do Paraná.
Lombo com pinhão, porco no tacho, churrasco de costela bovina, quirera com costelas de porco fritas temperadas com manjerona, cebolinha alho e cebola também são típicos da culinária paranaense. Completam o cardápio da região pratos feitos com charque (carne-seca), o feijão tropeiro, a polenta, o frango, a farinha de mandioca, o toucinho e o milho. Importante: faltou dizer que, para acompanhar o barreado, beber água é um pecado, assim como qualquer outro líquido que não seja a cachaça de banana.
Conheça o Paraná. Tão orgulhosos de seu Estado como os gaúchos, os paranaenses se orgulham de ser, como gostam de ser chamados, “bichos do Paraná”. Vá até lá e entenda o porquê. Lugares turísticos não faltam (as Cataratas do Iguaçu são maravilhosas) e bons lugares para comer não faltam. Se você for, escreva para este blog contando como foi e com novas dicas para este blogueiro. Afinal, faz quase vinte anos que não visito o Estado, e você sabe como é ter saudades do local de sua juventude. Não sabe? Se não sabe é porque você ainda está curtindo sua...um dia, saberá. Abraços a todos!!

Foz do Iguaçu: não conhece? Não perca mais tempo!


2 comentários:

  1. Você sempre escrevendo muito bem e nos apresentando a culinária de maneira atrativa. Excelente! Bjos

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  2. Oi "Jack e Gu"...vocês sempre muito simpáticos e enchendo minha bola! Obrigado! Quem sabe um dia vamos juntos ao Paraná fazer uma viagem "daquelas"?!? Beijos!

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