terça-feira, 21 de junho de 2011

A ARTE DE SERVIR BEM

_“Conversa de Botequim”, de Noel Rosa:
Seu garçom, faça o favor de me trazer depressa
Uma boa média que não seja requentada,
Um pão bem quente com manteiga à beça,
Um guardanapo e um copo d'água bem gelada.
Feche a porta da direita com muito cuidado
Que eu não estou disposto a ficar exposto ao sol.
Vá perguntar ao seu freguês do lado
Qual foi o resultado do futebol.”
_“Garçom”, de Reginaldo Rossi (músico de Recife, Pernambuco,o “Rei da Música Brega no Brasil"):
“Garçom! Aqui,
Nessa mesa de bar
Você já cansou de escutar
Centenas de casos de amor...
Garçom!
No bar todo mundo é igual
Meu caso é mais um, é banal
Mas preste atenção por favor...”

_“Concheta”, da hilária banda Língua de Trapo:
“...E a dolore foi aumentando, aumentando,
aumentando
e io gritei pro garçon:
Chega de spaghetti
Suspende a escarola
Leva o capelletti
Tira o gorgonzola
Traz um sar de fruta...”

Estas três canções são apenas um exemplo entre tantas que têm na figura do garçom fonte de inspiração. E não apenas na música o garçom é sempre lembrado. Veja no futebol: quantas vezes você já ouviu que “o garçom Paulo Henrique Ganso serviu muito bem a bola para que Neymar concluísse a gol (não sou santista, mas me divirto muito assistindo essa molecada jogando bola...)”? Ou que o ataque de determinado time é bom, mas falta aquele garçom que distribua bem as jogadas no meio de campo? Dá prá notar a importância do “garçom” e de como sua figura está atrelada em nossa cultura.
O "garçom" Ganso, do Santos: esse tá jogando muito!!
Na música de Noel Rosa, o garçom é encarregado de realizar as mais diversas tarefas: levar uma média – boa - na mesa do freguês, depressa, e, claro, não pode ser requentada! Deve servir também um pão bem quente com manteiga – manteiga à beça - , a água deve estar gelada e o guardanapo não pode ser esquecido. Além disso tudo, ele deve deixar uma porta posicionada de modo que o freguês não fique exposto ao sol, e ainda deve perguntar a outro freguês qual o resultado da partida do futebol. Tudo isso apenas na primeira estrofe! Não para por aí...no decorrer da música, ele ainda pede para o garçom que lhe arrume caneta, envelope, tinteiro, palitos de dente, revistas emprestadas, cigarros, isqueiro e cinzeiro, exige que o garçom faça uma ligação para que “seu” Osório lhe mande um guarda-chuva ao “nosso escritório” (no caso, o bar), ameaça não pagar a despesa, manda pendurar a conta e ainda pede ao pobre coitado um dinheiro emprestado!

Na música de Reginaldo Rossi, o garçom aparece quase como um psicólogo – ouve todas as queixas, fica mudo e depois traz a conta. Neste clássico de sua carreira, Reginaldo Rossi pede que, se a quantidade enorme de bebidas ingeridas o fizer desmaiar de sono, o garçom o deite ali mesmo, no chão. Por causa de um amor não correspondido – a mulher amada vai se casar com outro e mandou uma carta para avisar o miserável - , o senhor Rossi diz que, naquele momento, tudo que ele quer é chorar e, como vai pagar a conta, o garçom deve prestar atenção aos seus lamúrios. E ainda confessa que sabe que está enchendo o saco, pois “todo bebum fica chato, valente e  tem toda a razão...”! Já falou tudo? Taí a conta...
Laerte Sarrumor, vocalista da engraçadíssima banda Língua de Trapo pede quase no final da  música “Concheta” (outro clássico...) que o garçom leve embora de sua mesa o espaguete, o capeleti, o gorgonzola, que suspenda a escarola e que lhe traga um sal de frutas, pois ele está com um “bruta dolore no duodeno”, que foi aumentando, aumentando, aumentando...o garçom virou doutor! Passou mal? Chame o garçom!

Não é vida fácil, essa do garçom. Já escrevi antes sobre o nem sempre amigável convívio entre o pessoal da cozinha e o pessoal do salão. Cozinheiros que deixam os pratos quentes à espera do desavisado garçom, a caixinha para o cozinheiro que nunca chega à cozinha, as brincadeiras (na maioria das vezes, de gosto duvidoso, mas muito engraçadas), sobre tudo isso já escrevi aqui no blog. Mesrmo sendo tudo isso verdade (reconheço: já deixei pratos quentes à espera das mãos frias do garçom...), resolvi escrever sobre este profissional de extrema importância para qualquer restaurante e do qual depende, também, o sucesso do cozinheiro: o garçom. Me atrevo, com dor no coração, a dizer que existem até locais em que o serviço é muito melhor do que a cozinha, e a casa faz enorme sucesso.
Um serviço desleixado, às vezes até rude, acaba com qualquer refeição. No Grande Hotel SENAC de Campos do Jordão pude observar como eram criteriosas as aulas dos alunos do curso de garçom. É um curso concorrido, afinal o serviço do hotel – feito em grande parte pelos alunos - é reconhecido como o melhor da cidade, referência nacional do bem servir. Momentos antes de cada refeição, com as portas do restaurante ainda fechadas, todos os garçons e alunos eram apresentados ao cardápio pelo maitre e pelo chef de cozinha, com todas as suas peculiaridades, os ingredientes utilizados, os modos de cocção, todos os detalhes e curiosidades de cada produção. Após este momento, as portas eram abertas para que os clientes fossem recebidos por uma equipe competente, sempre aparentando boa disposição e, principalmente, com todas as respostas para eventuais perguntas ao menu. Uniformes impecavelmente limpos e bem passados, barba bem feita (no caso dos homens), nenhum excesso de maquiagem (no caso das mulheres), educados, alegres e corteses na medida certa. A qualidade da comida estava sempre nivelada com a qualidade do serviço. Impossível não sair feliz daquele lugar.
Eu mesmo já trabalhei como garçom, em uma boate da moda (na época) em Campos do Jordão, em um feriado daqueles que lotam a cidade da Serra da Mantiqueira. Trabalhei apenas os três dias do feriado, meio que por curiosidade e para ganhar uma grana extra enquanto eu não concluía o curso de Cozinheiro Básico, e foi uma experiência fantástica, juro! Me colocaram para servir no camarote VIP, que estava lotado. É claro que conheci muita gente insuportável, mas conheci muita gente animada,  afim apenas de diversão e, melhor de tudo, disposta a me pagar 50 reais de “caixinha” (isso foi em 2001...lá se vão 10 anos...) para manter seus copos de champanhe sempre cheios. Ganhei em três dias muito mais do que um salário mínimo de “caixinha”, mais o valor o acertado com o dono da boate.
Naqueles três dias servindo na boate em Campos do Jordão aprendi uma lição sobre os garçons: simpatia é tudo, conhecimento sobre o que se serve é mais um pouco. Se você conhece bem o que está servindo, pode oferecer a bebida mais cara do menu com toda propriedade, fazer o cliente ser grato a você pela ótima dica e te dar uma bela “caixinha”. No meu caso, eu vendi muitas (muitas mesmo!) pequenas garrafas de espumante de uns 250ml cada, a quase trezentos reais cada uma. Aprendi (melhor: constatei) também mais uma lição : a caixinha, realmente, nunca chega à cozinha.
Sirva bem e tenha o mundo de bandeja!
Psicólogos, doutores, amigos fiéis, ouvintes pacientes, “paus para toda obra”: assim são os garçons. Servir bem é uma arte e requer aptidão, paciência e treinamento. De minha parte, as brincadeiras direcionadas aos profissionais do bem-servir já se encerraram há algum tempo, agora eu me divirto apenas observando as batalhas (físicas, emocionais e verbais) entre os garçons e a brigada da cozinha, que continuam muito engraçadas.
Para encerrar, brincadeiras à parte, a todos os garçons que já trabalharam comigo em algum momento, meu sincero e merecido MUITO OBRIGADO. Mas, como quem avisa amigo é, continuem checando se os pratos colocados na bancada não estão muito quentes para suas frágeis mãozinhas...hehehe...Abraço a todos!

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