sábado, 15 de janeiro de 2011

O MITO DO CHEF CARRASCO

A cena já é clássica, e você já deve ter visto no cinema, na televisão ou até mesmo ao vivo: o chef de cozinha, nervoso, olhos arregalados, rangendo os dentes e vermelho de raiva, joga uma frigideira no chão, amaldiçoando o cozinheiro que não conseguiu preparar o prato meticulosamente da maneira que ele, chef, desejava. Ao pobre cozinheiro, conhecedor da básica e pragmática regra do “quem pode manda, quem tem juízo obedece”, resta abaixar a cabeça e responder aquilo que todo chef quer ouvir: “Sim, Chef...”
_Ô, fulano, foi você que preparou esta porcaria? – porcaria é a palavra mais apropriada para o blog, mas com certeza não é a palavra usada pelo chef, que neste momento já demonstra que vai ficar transtornado, largando a faca suja na bancada (ainda bem...) e limpando o suor da testa com a manga da dolma (dolma, ou dolman, ou dolmã, é o nome daquele uniforme de cozinheiro, que hoje em dia pode ser encontrado em qualquer cor, tamanho ou tecido).
_Sim, Chef...- responde o cozinheiro, cabisbaixo.
_E você ia ter coragem de SERVIR essa porcaria? – apesar de gostar de ouvir “Sim, Chef...”, a cada resposta afirmativa ele fica mais nervoso. É o seu dever.
_Sim, Chef...
_Essa porcaria não serve nem para alimentar meu cachorro de estimação, seu imbecil! Você sabe disso? – o chef agora está com o rosto a quinze centímetros de distância do cozinheiro, que, trêmulo, não tem bem certeza do erro que cometeu, e repete quase que como um mantra:
_Sim, Chef...
_Sabia que você é o pior cozinheiro que eu já tive o desprazer de trabalhar?
_Sim, Chef...
_Você concorda que não presta nem prá lavar a louça dos pratos magníficos que EU preparo?
_Sim, Chef...
_Você quer me sabotar, seu cozinheirozinho de merda?!? Quer me ver na lama?!?
_S...
 Às vezes, saber calar é fundamental.
Pode parecer uma caricatura, mas o fato é que os “chefs durões” existem mesmo e se espalharam pelas cozinhas e, principalmente, cursos e faculdades de gastronomia de todo o país, se não do mundo! O herói de todos eles é o britânico Gordon Ramsey. Chef de grande talento e pavio curtíssimo, é apresentador de programas apropriadamente chamados de “Hell’s Kitchen” e “Kitchen Nightmares”. Nada contra, eu mesmo me divirto assistindo ao chef ensandecido arrancando os cabelos (dele e dos outros) e me ensinando como ofender profundamente uma pessoa em inglês.
Em Campos do Jordão, havia um chef que ficava com um apito no pescoço, tal qual um árbitro de futebol, aterrorizando os alunos da faculdade e divertindo a quem assistia a cena. Era um bom professor? Muito bom, todos diziam. Era o melhor método de ensino? Bom, para ele, era. Para alguns alunos, também. Para outros, não. A verdade é que os alunos acabam por respeitar aqueles professores que eles notam que têm capacidade e conhecimento (acredite: os alunos notam!), que podem contribuir com seu crescimento profissional.
Mas por quê, então, parece que todos os professores precisam encarnar a versão gourmet do maléfico “Darth Vader”? É como se fosse um pré-requisito. Com a procura cada vez maior pelos cursos de gastronomia, corremos o risco de não conhecer prováveis excelentes cozinheiros simplesmente porque os alunos, que pagam caro pelo curso, não estão (e nem deveriam estar) dispostos a aceitar a cultura submissiva do “Sim, Chef...”
Bons exemplos não faltam. Nosso país conta com chefs de grandeza internacional, e que nem por isso se escondem atrás de mal encaradas carrancas e saem por aí distribuindo impropérios. Quer melhor exemplo do que o chef francês Claude Troisgos, neto de Jean-Baptiste, filho de Pierre, sobrinho de Jean Troigros, homens que fizeram parte da história gastronômica da França (e, portanto, mundial) no século XX? Para um povo que tem fama de ser mal humorado e antipático, Claude Troigros prova que todo estereótipo é uma armadilha. Morando no Brasil há mais de 25 anos, ele só não é mais carioca porque o carregadíssimo sotaque o denuncia.
Outro “chef-estrela” da televisão, Jamie Oliver, também segue a linha mais light, e é tão ou mais admirado quanto ao chef-terrorista Ramsey. Eu, de minha parte, sempre fui mais afeito aos bad-boys, mais John Lennon do que Paul McCartney, mais Stones do que Beatles. A leitura de “Cozinha Confidencial”, de Anthony Bourdain (que, aliás, é a cara e o jeito de Lou Reed, um dos poetas malditos do rock’n roll e vocalista da trangressora Velvet Underground), só aumentou a minha vontade de me tornar um cozinheiro. Cada um tem o direito de ser e agir como quiser, e cada um pode admirar um ou outro tipo de liderança. Só não se pode admitir, ainda mais nestes tempos tão carentes de valores como respeito e consideração, a falta de educação, venha ela de cima ou de baixo.
Enfim, é sempre melhor trabalhar em harmonia com seus colegas, seus superiores, seus subordinados, com o ambiente onde você está. Mas, se você cruzar com um “chefe-carrasco” pela frente, não lhe dê muita bola, foi assim que ele aprendeu que deveria agir. E perdoe-o pela falta de educação, respondendo-lhe: “pode até ser duro comigo, mas não perca a ternura jamais!”. Abraços...

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